Poemas de Clarice Lispector
Lírios brancos encostados à nudez do peito. Lírios que eu ofereço e ao que está doendo em você. Pois nós somos seres e carentes. Mesmo porque estas coisas – se não forem dadas – fenecem.
Mas as palavras que uma pessoa pronunciava quando estava embriagada era como se estivesse prenhe – palavras apenas na boca, que pouco tinham a ver com o centro secreto que era como uma gravidez.
Até então eu nunca vira a coragem. A coragem de ser o outro que se é, a de nascer do próprio parto, e de largar no chão o corpo antigo. E sem lhe terem respondido se valia a pena.
Eu, que fabrico o futuro como uma aranha diligente. E o melhor de mim é quando nada sei e fabrico não sei o quê.
Meu Deus, e eu que não sei rezar? Como viver então? Não é só para pedir por mim e por outros, mas para sentir, para agradecer, para de algum modo entrar num convento, logo eu que sou tão colérica e feroz.
Deus lhe deu inúmeros pequenos dons que ele não usou nem desenvolveu por receio de ser um homem completo e sem pudor.
A certeza só aparentemente paradoxal de que o que atrapalha ao escrever é ter de usar palavras. É incômodo. Se eu pudesse escrever por intermédio de desenhar na madeira ou de alisar uma cabeça de menino ou de passear pelo campo, jamais teria entrado pelo caminho da palavra.
É um silêncio que não dorme: é insone: imóvel mas insone; e sem fantasmas. É terrível – sem nenhum fantasma. Inútil querer povoá-lo com a possibilidade de uma porta que se abra rangendo, de uma cortina que se abra e diga alguma coisa. Ele é vazio e sem promessa.
Os suicidas muitas vezes se matam porque têm medo de morrer. Não suportam a tensão crescente da vida e da espera do pior – e se matam para se verem livres da ameaça.
Todo dia eu aprendo um pouco mais, e assim vou edificando meu ser. Aprendo com momentos, com situações e pessoas. As vezes vejo que estou errada, e tento me corrigir. É assim que vou vivendo... Também acho se definir é se limitar. E de limites, eu to fora! Portanto:
Sou isso hoje, amanha já me reinventei. Reinvento-me sempre que a vida pede um pouco mais de mim. Mas não é que vivo em eterna mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos modos de existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso, entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus.
Só Deus perdoaria o que eu era porque só Ele sabia do que me fizera e para o quê. Eu me deixava, pois, ser matéria d’Ele. Ser matéria de Deus era a minha única bondade.
Através de meus graves erros – que um dia eu talvez os possa mencionar sem me vangloriar deles – é que cheguei a poder amar. Até esta glorificação: eu amo o Nada. A consciência de minha permanente queda me leva ao amor do Nada. E desta queda é que começo a fazer minha vida. Com pedras ruins levanto o horror, e com horror eu amo. Não sei o que fazer de mim, já nascida, senão isto: Tu, Deus, que eu amo como quem cai no nada.
Antes de me organizar tenho que me desorganizar internamente. Para experimentar o primeiro e passageiro estado primário de liberdade. Da liberdade de errar, cair e levantar-me.
Nada escapa à perfeição das coisas, é essa a história de tudo. Mas isso não explica por que eu me emociono quando Otávio tosse e põe a mão no peito, assim. Ou senão quando fuma, e a cinza cai no seu bigode, sem que ele note. Ah, piedade é o que sinto então. Piedade é a minha forma de amor. De ódio e de comunicação. É o que me sustenta contra o mundo, assim como alguém vive pelo desejo, outro pelo medo. Piedade das coisas que acontecem sem que eu saiba.
Era cruel o que fazia consigo própria: aproveitar que estava em carne viva para se conhecer melhor, já que a ferida estava aberta.
Peço também que não leia tudo o que escrevo porque muitas vezes sou áspera e não quero que você receba minha aspereza.
Um domingo de tarde sozinha em casa dobrei-me em dois para a frente – como em dores de parto – e vi que a menina em mim estava morrendo.
Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão. Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama. Quanto a mim, assumo a minha solidão. Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício. Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor. E a dor, silêncio. Guardo o seu nome em segredo. Preciso de segredos para viver.
Sim , você me trouxe a vida realmente ,pois estava vivendo por viver , estava ficando por ficar , não tinha sentimento algum em mim mais , você me trouxe a esperança , me trouxe o mundo e se tornou meu pedacinho de tudo , de tudo que eu gosto de tudo que eu faço de tudo que eu sinto , e até de tudo oque eu penso , mais paro e penso será que com você é assim ? por um minuto queria sabe oque se passa na sua cabeça quando ouve meu nome ..
Se você procura uma leitura prazenteira, leve e serena, que faça o tempo passar ligeiro, e despercebido como uma brisa suave de fim de tarde, recomendo qualquer outro autor mais comedido, ameno e formoso. Eu não escrevo para leitores delimitados pelas letras, nem para olhos subordinados às palavras. Aos sem imaginação – que enxergam somente aquilo que as vistas revelam – creio que cartões postais, fotografias e revistas coloridas, valerão muito mais do que a minha busca visceral para tentar suscitar em palavras tudo àquilo que verdadeiramente sinto.