Poemas de Clarice Lispector

A verdade é o resíduo final de todas as coisas, e no meu inconsciente está a verdade que é a mesma do mundo.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica “Brain storm”.

...Mais

Humildade como técnica é o seguinte: só se aproximando com humildade da coisa é que ela não escapa totalmente. Descobri este tipo de humildade, o que não deixa de ser uma forma engraçada de orgulho. Orgulho não é pecado, pelo menos não tão grave: orgulho é coisa infantil em que se cai como se cai em gulodice. Só que orgulho tem a enorme desvantagem de ser um erro grave, e, com todo o atraso que o erro dá à vida, faz perder muito tempo.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Humildade e técnica.

...Mais

E nela se aloja um “eu”. Um corpo separado dos outros, e a isso se chama de “eu”? É estranho ter um corpo onde se alojar, um corpo onde sangue molhado corre sem parar, onde a boca sabe cantar, e os olhos tantas vezes devem ter chorado. Ela é um “eu”.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Conversa puxa conversa à toa.

...Mais

A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida – e se parece com o início de uma perdição irrecuperável.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica O nascimento do prazer (trecho).

...Mais

Ia me fazer muito bem abrir afinal meu coração e mostrar afinal a alguém que fechasse os olhos e não ouvisse, que horror pode se guardar numa pessoa. A solidão de que sempre precisei é ao mesmo tempo inteiramente insuportável.

Clarice Lispector
Todas as cartas. Rio de Janeiro: Rocco, 2020.

Nota: Trecho de carta para Fernando Sabino, escrita em 27 de julho de 1946.

...Mais

Tem certas coisas que é melhor que a gente nunca tenha oportunidade de dizer, certas coisas que ficam fatais depois que se disse, e antes pelo menos era a vida de um modo geral.

Clarice Lispector
Todas as cartas. Rio de Janeiro: Rocco, 2020.

Nota: Trecho de carta para Fernando Sabino, escrita em 14 de agosto de 1946.

...Mais

Tudo às vezes questão de mão recusada ou dada, tudo às vezes por causa de um passo a mais ou a menos.

Clarice Lispector
Todas as cartas. Rio de Janeiro: Rocco, 2020.

Nota: Trecho de carta para Fernando Sabino, escrita em 8 de janeiro de 1957.

...Mais

Sofrimento não sofrimento como caminho só se pode falar no passado, dizendo sofrimento foi caminho, só se torna “caminho” se levou a alguma coisa.

Clarice Lispector
Todas as cartas. Rio de Janeiro: Rocco, 2020.

Nota: Trecho de carta para Fernando Sabino, escrita em 24 de janeiro de 1957.

...Mais

É preciso saber sentir, mas também saber como deixar de sentir, porque se a experiência é sublime pode tornar-se igualmente perigosa. Aprenda a encantar e a desencantar. Observe, estou lhe ensinando qualquer coisa de precioso: a mágica oposta ao “abre-te, Sésamo”. Para que um sentimento perca o perfume e deixe de intoxicar-nos, nada há de melhor que expô-lo ao sol.

Clarice Lispector
Todos os contos. Rio de Janeiro: Rocco, 2016.

Nota: Trecho do conto Obsessão.

...Mais

Quando me traíram ou assassinaram, quando alguém foi embora para sempre, ou perdi o que de melhor me restava, ou quando soube que vou morrer – eu não como. Não sou ainda esta potência, esta construção, esta ruína. Empurro o prato, rejeito a carne e seu sangue.

Clarice Lispector
Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Nota: Trecho do conto O jantar.

...Mais

(...) estava permanentemente ocupada em querer e não querer ser o que eu era, não me decidia por qual de mim, toda eu é que não podia; ter nascido era cheio de erros a corrigir. Não, não era para irritar o professor que eu não estudava; só tinha tempo de crescer. O que eu fazia para todos os lados, com uma falta de graça que mais parecia o resultado de um erro de cálculo: as pernas não combinavam com os olhos, e a boca era emocionada enquanto as mãos se esgalhavam sujas – na minha pressa eu crescia sem saber para onde.

Clarice Lispector
A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho do conto Os desastres de Sofia.

...Mais

Quem tem piedade de nós? Somos uns abandonados? uns entregues ao desespero? Não, tem que haver um consolo possível. Juro: tem que haver.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse sempre a novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias. Mas preparado estou para sair discretamente pela saída da porta dos fundos. Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Minha grande altivez: prefiro ser achada na rua. Do que neste fictício palácio onde não me acharão porque – porque mando dizer que não estou, “ela acabou de sair”.

Clarice Lispector
Para não esquecer. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Nota: Trecho da crônica "Acabou de sair".

...Mais

Como é que se explica que o seu maior medo seja exatamente em relação: a ser? e no entanto não há outro caminho. Como se explica que o seu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo? como se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra – como se antes eu tivesse sabido o que era! Por que é que ver é uma tal desorganização?

Clarice Lispector
A paixão segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Por enquanto estou inventando a tua presença, como um dia também não saberei me arriscar a morrer sozinha, morrer é do maior risco, não saberei passar para a morte e pôr o primeiro pé na primeira ausência de mim – também nessa hora última e tão primeira inventarei a tua presença desconhecida e contigo começarei a morrer até poder aprender sozinha a não existir, e então eu te libertarei. Por enquanto eu te prendo, e tua vida desconhecida e quente está sendo a minha única íntima organização, eu que sem a tua mão me sentiria agora solta no tamanho enorme que descobri. No tamanho da verdade? Mas é que a verdade nunca me fez sentido. A verdade não me faz sentido! É por isso que eu a temia e a temo. Desamparada, eu te entrego tudo – para que faças disso uma coisa alegre. Por te falar eu te assustarei e te perderei? mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Viver é coisa muito séria. É sem brincadeira nenhuma. (...) Nestes momentos de "agora mesmo" estou vivendo tão leve que mal pouso na página, e ninguém me pega porque dou um jeito de escorregar. Tive que aprender.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Conversa descontraída: 1972.

...Mais

Quero tudo pois nada é bom demais para a minha morte que é a minha vida tão eterna que hoje mesmo ela já existe e já é.

Clarice Lispector
Todas as crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.

Nota: Trecho da crônica Primavera ao correr da máquina.

...Mais

Coragem e covardia são um jogo que se joga a cada instante. Assusta a visão talvez irremediável e que talvez seja a da liberdade.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Medo da libertação.

...Mais

É um filme de pessoas automáticas que sabe aguda e gravemente que são automáticas e que não há escapatória.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.