Poemas de Clarice Lispector
Oh Deus, e eu que faço concorrência a mim mesma. Me detesto. Felizmente os outros gostam de mim, é uma tranquilidade.
Me entristeceu um pouco você não gostar do título, O lustre. Exatamente pelo que você não gostou, pela pobreza dele, é que eu gosto. Nunca consegui mesmo convencer você de que eu sou pobre [...]; infelizmente, quanto mais pobre, com mais enfeites me enfeito. No dia em que eu conseguir uma forma tão pobre quanto eu o sou por dentro, em vez de carta, parece que já lhe disse, você recebe uma caixinha cheia de pó de Clarice.
E sou rancorosa. Um dia um casal me convidou para almoçar no domingo. E no sábado de tarde, assim, à última hora, me avisaram que o almoço não podia ser porque tinham que almoçar com um homem estrangeiro muito importante. Por que não me convidaram também? por que me deixaram sozinha no domingo? Então me vinguei. Não sou boazinha. Não os procurei mais. E não aceitarei mais convite deles. Pão pão, queijo queijo.
Também era bom que não viesse tantas vezes quantas queria: porque ela poderia se habituar à felicidade.
O perigo de meditar é o de sem querer começar a pensar, e pensar já não é meditar, pensar guia para um objetivo.
Eu me sinto culpado quando não vos obedeço. Sou feliz na hora errada. Infeliz quando todos dançam.
Na exigência de vida tudo é lícito, mesmo o artificial, e o artificial é às vezes o grande sacrifício que se faz para se ter o essencial.
Tulipa só é tulipa na Holanda. Uma única tulipa simplesmente não é. Precisa de campo aberto para ser.
Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre.
O fato é que tenho nas minhas mãos um destino e no entanto não me sinto com o poder de livremente inventar: sigo uma oculta linha fatal.
Ultrapassar a dor é a pior crueldade. E eu tenho medo disso, eu que sou extremamente moral. Mas agora sei que tenho de ter uma coragem muito maior: a de ter uma outra moral, tão isenta que eu mesma não a entenda e que me assuste.
E doidamente me apodero dos desvãos de mim, meus desvarios me sufocam de tanta beleza. Eu sou antes, eu sou quase, eu sou nunca.
Escrevo porque encontro nisso um prazer que não sei traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando...
De maneira alguma, pense que aqui escrevo o meu mais íntimo segredo. Na verdade, há segredos que não conto nem a mim mesma.
Sua coragem é a de, não se conhecendo, no entanto prosseguir. É fatal não se conhecer, e não se conhecer exige coragem. [...] O caminho lento aumenta sua coragem secreta.
Tentou num último esforço inventar alguma coisa, um pensamento, que a distraísse. Inútil. Ela só sabia viver.
Não fossem os caminhos da emoção a que leva o pensamento, pensar já teria sido catalogado como um dos modos de se divertir.
Olhando a extrema beleza dos pássaros amarelos calculo o que seria se eu perdesse totalmente o medo. O conforto da prisão burguesa tantas vezes me bate no rosto. E, antes de aprender a ser livre, tudo eu aguentava – só para não ser livre.
Vou perder o resto do medo do mau gosto, vou começar meu exercício de coragem, viver não é coragem, saber que se vive é a coragem.
Quando eu ficava sozinha não havia uma queda, havia apenas um grau a menos daquilo que eu era com os outros, e isso sempre foi a minha naturalidade e a minha saúde.