Poemas de Clarice Lispector
Fui até onde pude, mas como é que não compreendi que aquilo que não alcanço em mim... já são os outros?
Perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova da "solidão de não pertencer" começou a me invadir como heras num muro.
Tenho em mim, objeto que sou, um toque de santidade enigmática. Sinto-a em certos momentos vazios e faço milagres em mim mesma: o milagre do transitorial mudar de repente, a um leve toque em mim, a mudar de repente de sentimento e pensamentos, e o milagre de ver tudo claríssimo e oco: vejo a luminosidade sem tema, sem história, sem fatos. Faço grande esforço para não ter o pior dos sentimentos: o de que nada vale nada. E até o prazer é desimportante.
Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece.
Em vida, observo muito, sou ativa nas observações, tenho o senso do ridículo, do bom humor, da ironia, e tomo um partido.
Não telefono para mais ninguém. Quem quiser que me procure. E vou me fazer de rogada. Agora acabou-se a brincadeira.
O que sou então? Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal.
Não gosto do que acabo de escrever – mas sou obrigada a aceitar o trecho todo porque ele me aconteceu. E respeito muito o que eu me aconteço. Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço.
Vou continuar, é exatamente da minha natureza nunca me sentir ridícula, eu me aventuro sempre, entro em todos os palcos.
Todo caso de loucura é que alguma coisa voltou. Os possessos, eles não são possuídos pelo que vem, mas pelo que volta.
As almas fracas como você são facilmente levadas a qualquer loucura com um olhar apenas por almas fortes como a minha.
Não façamos esforços inúteis, pois o amor nasce ou não espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes é inútil esforçar-se demais... nada se consegue; outras vezes, nada damos e o amor se rende a nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido.
Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma ideia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade. Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. Há um perigo: se reflito demais, deixo de agir. E muitas vezes prova-se depois que eu deveria ter agido. Estou num impasse.
Está fazendo um dia de sol. A praia estava cheia de vento bom e de uma liberdade. E eu estava só. Sem precisar de ninguém. É difícil porque preciso repartir contigo o que sinto. O mar calmo. Mas à espreita e em suspeita. Como se tal calma não pudesse durar. Algo está sempre por acontecer. O imprevisto improvisado e fatal me fascina. Já entrei contigo em comunicação tão grande que deixei de existir sendo. Você tornou-se um eu. é tão difícil falar e dizer coisas que não podem ser ditas. É tão silencioso. Como traduzir o silêncio do encontro real entre nós dois? Dificílimo contar: olhei para você fixamente por uns instantes. Tais momentos são meus segredos. Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo isto de estado agudo de felicidade.
E eu impávida finjo que não tenho dono. Pontas de cigarro apagadas eu recebo. Um dia vou pegar fogo. De noite fico sozinha no escuro, vazia, pousada num canto do chão. Meu silêncio fede. Ai de mim, que sou o receptáculo da morte das coisas.
Eu sonho acordada, mesmo como uma mocinha de quinze anos. É o que se chama de sonho estéril. Imagino conversas, imagino situações e cenas – pareço nunca ter tido nenhuma experiência.
Quando estou sozinha procuro não pensar porque tenho medo de de repente pensar uma coisa nova demais para mim mesma.
O ar tinha gosto de sábado. E de súbito os dois eram raros, a raridade no ar. Eles se sentiam raros, não fazendo parte das mil pessoas que andavam pelas ruas. Os dois às vezes eram coniventes, tinham uma vida secreta porque ninguém os compreenderia. E mesmo porque os raros são perseguidos pelo povo que não tolera a insultante ofensa dos que se diferenciavam.
Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando...
Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida. Viver é uma espécie de loucura que a morte faz.