Poesias de Amor de Jorge Amado
Logo que um novato entrava para os Capitães da Areia formava logo uma idéia ruim de Sem-Pernas. Porque ele logo botava um apelido, ria de um gesto, de uma frase do novato. Ridicularizava tudo era dos que mais brigavam. Tinha mesmo uma fama de malvado. Muitos do grupo não gostavam dele, mas aqueles que passavam por cima de tudo e se faziam seus amigos diziam que ele era um "sujeito bom". No mais fundo de seu coração ele tinha pena da desgraça de todos. E rindo, e ridicularizando, era que fugia da sua desgraça. Era como um remédio. No rosto do que rezava ia uma exaltação, qualquer coisa que ao primeiro momento o Sem-Pernas pensou que fosse alegria ou felicidade. Mas fitou o rosto do outro e achou que era uma expressão que não sabia definir. E pensou, contraindo seu rosto pequeno, que talvez por isso ele nunca tenha pensado em rezar, em se voltar para o céu. O que ele queria era fugir da sua angústia, que estrangulava. Mas o Sem-Pernas não compreendia que aquilo pudesse bastar. Ele queria uma coisa imediata, uma coisa que pusesse seu rosto sorridente e alegre, que o livrasse da necessidade de rir de todos e rir de tudo. Que o livrasse também daquela angústia, daquela vontade de chorar que o tomava nas noites de inverno. No bando, não tardou a se destacar porque sabia como ninguém como afetar a dor.
O fato de não se compreender ou explicar uma coisa não acaba com ela. Nada sei das estrelas, mas as vejo no céu, são a beleza da noite.
– Quando tu fizer meu retrato… Tu ainda vai fazer?
– Vou, Boa-Vida… (Vontade de dizer palavras carinhosas como a um irmão.)
– Não me faz cheio de bexiga, não…
Para que explicar? Nada desejo explicar. Explicar é limitar. É impossível limitar Gabriela, dissecar sua alma.
Que culpa eles têm? (...) Quem cuida deles? Quem os ensina? Quem os ajuda? Que carinho eles têm? (...) Roubam para comer porque todos estes ricos que têm para botar fora, para dar para as igrejas, não se lembram que existem crianças com fome...
Seu vulto desapareceu no areal. Professor ficou com as palavras presas, um nó na garganta. Mas também achava bonito Boa-Vida andar assim para a morte para não contaminar os outros. Os homens assim são os que têm uma estrela no lugar do coração. E quando morrem o coração fica no céu, diz o Querido-de-Deus. Boa-Vida era um menino, não era um homem. Mas já tinha uma estrela no lugar do coração. Já desapareceu o seu vulto. E então a certeza de que não mais verá seu amigo encheu o coração do Professor. A certeza de que o outro ia para a morte.
Tem certas flores, você já reparou? que são belas e perfumadas enquanto estão nos galhos, nos jardins. Levadas pros jarros, mesmo jarros de prata, ficam murchas e morrem.
E, no dia em que ele fugiu, em inúmeros lares, na hora pobre do jantar, rostos se iluminaram ao saber da notícia. E, apesar de que lá fora era o terror, qualquer daqueles lares era um lar que se abriria para Pedro Bala, fugitivo da polícia. Porque a revolução é uma pátria e uma família.
Pedro Bala também só tinha quinze anos, mas há muito tempo conhecia não só o areal e os seus segredos, como os segredos do amor das mulheres. Porque se os homens conhecem esses segredos muito antes que as mulheres, os Capitães da Areia os conheciam muito antes que qualquer homem.