Poesia
Soneto à maneira de Camões
Esperança e desespero de alimento
Me servem neste dia em que te espero
E já não sei se quero ou se não quero
Tão longe de razões é meu tormento.
Mas como usar amor de entendimento?
Daquilo que te peço desespero
Ainda que mo dês - pois o que eu quero
Ninguém o dá senão por um momento.
Mas como és belo, amor, de não durares,
De ser tão breve e fundo o teu engano,
E de eu te possuir sem tu te dares.
Amor perfeito dado a um ser humano:
Também morre o florir de mil pomares
E se quebram as ondas no oceano.
Verdejar de uma esperança.
A paciência de quem espera.
O realizar de uma quimera.
Quem age sempre alcança.
Ciclo sem fim (versão 2)
Vem primavera,
Mostre suas pétalas,
Como sonhos,
Deixe-os voar,
Folhas coloridas que nascem,
Como lagartas que secam,
Dando seu lugar,
Como esperança,
Tem sempre que regar,
Deixe-os voar,
É o ciclo sem fim,
Novas vidas em novas pétalas,
Novas ideias em novas formas,
Acontece a todas hora,
Nada se repete,
Tudo se completa,
É o ciclo sem fim.
Tem gente que só faz conta
e a contar não canta...
Tão pouco, se encanta.
Vive do dia a perder os créditos
e no seu findar,
a lamentar seus débitos.
Pobre alma que apenas
recorda as sementes sufocadas
em seus dias gris.
Não estar a viver
o seu grande presente,
este momento
que é o agora,
que foi embora
e sequer viu...
Do alto de uma montanha ou do alto de um edifício.
Tanto pode ser fácil como também pode ser difícil.
Não importa a condição. Apenas recomece do fim.
Nessa vida, às vezes um 'não' lhe abrirá muitos 'sim'.
Vampiros
Somos vampiros sedentos
Uma sede irracional
Uma sede imoral
Sede que esgota a alma
Sede que seca a vida
Sede que destrói tudo
Quando saciados, não sentimos sede, até que, rapidamente, sentimos sede de sede
Então, seguimos vampirizando
Sugando tudo até que não reste uma gota
De atenção
De admiração
De respeito
De tudo que queremos do outro
E com isso nos revelamos, vampiros, viciados.
Talvez o que mais doa em mim
Não seja o sentimento ruim me consumindo
Mas a recusa que tenho em senti-lo
Não aceito estar passando mal por você, ou por outros
Não quero me sentir idiota, burra ou tola
Renuncio todo pensamento negativo que possam ter sobre mim
E por isso, me acabo em desgaste
Pois driblo das emoções que me fazem ser eu mesma
Eu sou o que sou
E isto é o que sinto
Ter defeitos/falhas é importante, também
Passar mal não é problema
Fingir que não estou doente, é que aumenta essa dor aguda dentro do peito
Sou uma casa, um canteiro, um castelo
Sou feita por tudo que absorvi, aprendi a ser assim e sou bela pelo mesmo motivo, entro no ritmo que acho certo, meus móveis mudam de cor toda hora, meus quartos são sagrados, pois são segredos, desmorono quando tiram partes de mim Entendi que não existe só o bonito e não existe só feio
Até sendo prosaico, o bom e o belo é superestimado
Prefiro ser assim
Do jeito que estou a ser Agora
- Minha vulgaridade, me liberta
Beleza Natural
Cada um tem sua beleza própria
Cada um tem seu próprio estilo
Cada um se expressa como se sente
Todos nós somos perfeitos mesmo sendo estranhos para outros
Não nascemos para ser iguais
Uns nascem com a beleza externa
Outros têm beleza interior
E outros têm seu brilho próprio
Não necessitam de outros para brilhar
A beleza natural é a mais pura
A beleza natural é a mais rara
A beleza natural é a mais bela
A beleza natural é a mais sincera
Não se esconde atrás de máscaras
Não se deixa levar por padrões
Não se preocupa com julgamentos
Não se limita por medos
A beleza natural é a que vem de dentro
A beleza natural é a que transborda
A beleza natural é a que contagia
A beleza natural é a que ilumina
Seja você mesmo e mostre a sua
Seja você mesmo e valorize a sua
Seja você mesmo e celebre a sua
Seja você mesmo e espalhe a sua
Resistência
Ouvi do meu pai que a minha avó benzia
e o meu avô dançava
o bambelô na praia, e batia palmas
com as mãos encovadas
ao coco improvisado,
ritmando as paixões
na alma da gente.
Ouvi do meu pai que o meu avô cantava
as noites de lua, e contava histórias
de alegrar a gente e as três Marias.
Meu avô contava:
a nossa África será sempre uma menina.
Meu pai dizia:
ô lapa de caboclo é esse Brasil, menino!
E coro entoava:
_ dançamos a dor
tecemos o encanto
de índios e negros
da nossa gente
No deserto das cidades
uns cavaleiros sonham
mas sonham só
seduzidos pela mais valia.
De resto,
lugar nenhum no coração
para encantar Dulcinéias.
Onde o herói contra os moinhos?
Nós, mulheres indígenas,
Somos raiz deste chão
Somos fortes para parir
Cuidar e dar educação
O homem é só semente
Que fecunda e nasce gente.
E mulher, terra pra criação.
Na aldeia tudo é arte
Tudo também se reparte
É cultura festejar
Pinta o corpo de urucum
Veste com palha tucum
Em tudo vale alegrar..
Damos bom dia ao sol
Como flor de girassol
Tudo vive em harmonia
Na debulha de feijão
O cuidado com o grão
Que se tem a cada dia..
Tudo com habilidade
Firme na ancestralidade
Ou na dança do toré,
O vento é nosso irmão
Lá não há separação
Entre o homem e o igarapé..
Na aldeia tudo cresce
A cultura permanece
Tudo é lindo como um grão
Grão de arroz, de trigo, aveia
Milho, café na aldeia
Grandes roças de feijão..
Joga bola a criançada
Tudo em roda e animada
E contar quando crescer
Ser contador de história
Ter presente na memória
O canto ao anoitecer..
Estou atrás
do despojamento mais inteiro
da simplicidade mais erma
da palavra mais recém-nascida
do inteiro mais despojado
do ermo mais simples
do nascimento a mais da palavra.
Soneto
Pergunto aqui se sou louca
Quem quer saberá dizer
Pergunto mais, se sou sã
E ainda mais, se sou eu
Que uso o viés pra amar
E finjo fingir que finjo
Adorar o fingimento
Fingindo que sou fingida
Pergunto aqui meus senhores
quem é a loura donzela
que se chama Ana Cristina
E que se diz ser alguém
É um fenômeno mor
Ou é um lapso sutil?
Tarde aprendi
bom mesmo
é dar a alma como lavada.
Não há razão
para conservar
este fiapo de noite velha.
Que significa isso?
Há uma fita
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda.
todo dia
uma coisa sangra em mim
entre o abismo e o voo
entre a asa e o salto
eu nunca me matei
todo dia insisto
nesse nascer continuo
poema
ela come tangerina
com centenas de dedos
meditativos
empenhados na função
de descascar, separar um gomo
do outro
mas não mastiga, empurra
com a língua até a pele
descosturar
feito tecido ou papel
e romper
em suco
depois caminha pelos quartos
acaricia os cabelos das bonecas
muda a posição dos objetos
desliza dedos pelas paredes
até que cada canto da casa
cheire como os dias de verão
Precárias formas
escondidas no gelo
para evitar
o predomínio do tempo
sombra sem respostas
o pormenor da voz
pede permissão
para pertencer
à transparência.
Perdido em pensamentos, todos atentos e nenhum alento em meu peito quando transpiro você.
Sombra de noite, uivo de dia, gotas caindo, olhos perdidos me perco sorrindo ao lembrar-te.
Não importa o tempo ou julgamentos, só a distancia, em um mundo que se tornou tão pequeno, entre eu e você.