Poemas de Vladimir Maiakovski

Cerca de 39 poemas de Vladimir Maiakovski

Onde eu morrer
eu vou morrer cantando.
Que eu caia aqui ou lá, não importa,
eu sei.
Sou digno de ser colocado
próximo aos que tombaram sob a bandeira vermelha.

Basta de verdades baratas.
Arrancai o ranço do coração!
As ruas são nossos pincéis
e paletas as nossas praças.
No livro do tempo
ainda não foram cantadas
as mil páginas da revolução.
Para a rua, futuristas,
tambores e poetas!

Vladimir Maiakóvski

Nota: Trecho do poema "Ordem do dia aos exércitos da arte"

BLUSA FÁTUA

Costurarei calças pretas
com o veludo da minha garganta
e uma blusa amarela com três metros de poente.
pela Niévski do mundo, como criança grande,
andarei, donjuan, com ar de dândi.

Que a terra gema em sua mole indolência:
"Não viole o verde das minhas primaveras!"
Mostrando os dentes, rirei ao sol com insolência:
"No asfalto liso hei de rolar as rimas veras!"

Não sei se é porque o céu é azul celeste
e a terra, amante, me estende as mãos ardentes
que eu faço versos alegres como marionetes
e afiados e precisos como palitar dentes!

Fêmeas, gamadas em minha carne, e esta
garota que me olha com amor de gêmea,
cubram-me de sorrisos, que eu, poeta,
com flores os bordarei na blusa cor de gema!

(Tradução: Augusto de Campos)

⁠Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
numa alameda do zôo,
sorridente,
tal como agora está
no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então,
de todo amor não terminado
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
– Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que doravante
a família seja
o pai,
pelo menos o Universo,
a mãe,
pelo menos a Terra.

E então, que quereis?...


Fiz ranger as folhas de jornal

abrindo-lhes as pálpebras piscantes.

E logo

de cada fronteira distante

subiu um cheiro de pólvora

perseguindo-me até em casa.

Nestes últimos vinte anos

nada de novo há

no rugir das tempestades.



Não estamos alegres,

é certo,

mas também por que razão

haveríamos de ficar tristes?

O mar da história

é agitado.

As ameaças

e as guerras

havemos de atravessá-las,

rompê-las ao meio,

cortando-as

como uma quilha corta

as ondas.

⁠Meu amado barco
Espatifou-se nas pedras da rotina
Acertei as contas com a vida
E é inútil continuar contando
Dores sofridas em mãos alheias.
As desgraças
E os insultos.
Sorte aos que ficam.

Impossível

⁠Sozinho não posso
carregar um piano
e menos ainda um cofre-forte.

Como poderia então
retomar de ti meu coração
e carregá-lo de volta?

Os banqueiros dizem com razão:
“Quando nos faltam bolsos,
nós que somos muitíssimo ricos,
guardamos o dinheiro no banco”.

Em ti
depositei meu amor,
tesouro encerrado em caixa de ferro,
e ando por aí
como um Creso contente.

É natural, pois,
quando me dá vontade,
que eu retire um sorriso,
a metade de um sorriso
ou menos até
e indo com as donas
eu gaste depois da meia-noite
uns quantos rublos de lirismo à toa.

Vladimir Maiakóvski
Antologia Poética (2020).

Eu

Nas calçadas pisadas
de minha alma
passadas de loucos estalam
calcâneos de frases ásperas
Onde
forcas
esganam cidades
e em nós de nuvens coagulam
pescoços de torres
oblíquas

soluçando eu avanço por vias que se encruzilham
à vista
de crucifixos
polícias

1913

Que os meus ideais sejam tanto mais fortes quanto maiores forem os desafios, mesmo que precise transpor obstáculos aparentemente intransponíveis. Porque metade de mim é feita de sonhos e a outra metade é de lutas.

Poderiam ordenar-me: "Mata-te na guerra".
Teu nome será o último coágulo de sangue em meus lábios rasgados pelas balas.

Iluminar para sempre... Iluminar tudo... Até os últimos dias da eternidade... iluminar e só... Eis o meu lema e o do sol.
(A espantosa aventura)

Você não pode deixar ninguém invadir o seu jardim para não correr o risco de ter a casa arrombada.

Nos outros eu sei onde fica o coração. É no peito. Comigo a anatomia ficou louca. Eu sou todo coração!

Escutai, pois! Se as estrelas se acendem é porque alguém precisa delas. É porque, em verdade, é indispensável que sobre todos os tetos, cada noite, uma única estrela, pelo menos, se alumie.

O barco do amor chocou contra a rotina diária. Agora eu e você terminámos. Por isso é inútil elaborar uma lista de mágoas, dores e feridas mútuas.

Vladimir Maiakóvski
MAIAKOVSKI, V. The Bedbug and selected poetry. New York: Meridian Books, 1960

Eu não forneço nenhuma regra para que uma pessoa se torne poeta e escreva versos. E, em geral, tais regras não existem. Chama-se poeta justamente o homem que cria estas regras poéticas

"A arte, meus amigos, não é um espelho do mundo, é sim, uma ferramenta para consertá-lo."

⁠Aonde no amor seja aceito tudo, desconfio que não seja amor, seja a falta dele.

⁠A plenos pulmões


(Trecho final)
Camarada vida,
vamos,
para diante,
galopemos
pelo quinquênio afora.
Os versos
para mim
não deram rublos,
nem mobílias
de madeiras caras.
Uma camisa
lavada e clara,
e basta, —
para mim é tudo.
Ao
Comitê Central
do futuro
ofuscante,
sobre a malta
dos vates
velhacos e falsários
apresento
em lugar
do registro partidário
todos
os cem tomos
dos meus livros militantes.

Vladimir Maiakóvski
Poemas. São Paulo: Perspectiva, 2017.
Inserida por marcosarmuzel