Poemas de Rainer Maria Rilke

Cerca de 58 poemas de Rainer Maria Rilke

Não é só a inércia a responsável pelo fato das relações humanas se repetirem caso após caso indescritivelmente monótonas e viciadas. É a inibição frente a qualquer experiência nova e imprevista com a qual não nos achamos capazes de lidar. Mas só alguém que esteja corajosamente disposto a qualquer coisa, que não exclua nada, nem mesmo o mais enigmático, viverá a relação com o outro como uma experiência viva.

"O bom casamento é aquele em que um nomeia o outro guardião de sua solidão, demonstrando assim a maior confiança que se pode ter."

Por isso, caro senhor, ame a sua solidão e a carregue com queixas harmoniosas a dor que ela causa. Diz que os que sente próximos estão longe. Isso mostra que começa a fazer-se espaço ao redor de si. Se o próximo lhe parece longe, os seus longes alcançam as estrelas, são imensos. Alegre-se com esta imensidade, para a qual não pode carregar ninguém consigo. Seja bom para com os que ficarem atrás, mostre-se-lhes calmo e sereno sem os atormentar com suas dúvidas, nem os assustar com uma confiança ou uma alegria que eles não poderão compreender. Procure realizar com eles uma comunhão qualquer, fiel e simples, que não se deverá necessariamente transformar à medida de que o senhor mesmo se transforme. Ame neles a vida sob uma forma estrangeira e tenha indulgência com os homens que, envelhecidos, temem a solidão a que o senhor se confia. Evite dar alimento ao drama sempre pendente entre pais e filhos o qual gasta muita força destes e consome amor daqueles; amor que, embora incompreensivo, age e aquece. Não lhes peça conselho e não conte com a sua compreensão, mas acredite num amor que lhe é conservado como uma herança e fique certo de que há nesse amor uma força e uma bênção a que não se arrancará mesmo se for para muito longe.

Pelo que sinto, não se trata de no casamento criar uma rápida união pela demolição de todas as fronteiras. Ao contrário, o bom casamento é aquele em que um designa o outro como guardião de sua solidão e lhe demonstra a maior confiança que ele tem a conceder.

Torne o seu ego poroso. A vontade é de pouca importância, reclamar não é nada, a fama não é nada. Abertura, paciência, receptividade, solidão... é tudo.

Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite: "Sou mesmo forçado a escrever?” Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples "sou", então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. Sua vida, até em sua hora mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e o testemunho de tal pressão. Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde. Não escreva poesias de amor. Evite de início as formas usais e demasiado comuns: são essas as mais difíceis, pois precisa-se de uma força grande e amadurecida para se produzir algo de pessoal num domínio em que sobram tradições boas, algumas brilhantes. Eis por que deve fugir dos motivos gerais para aqueles que a sua própria existência cotidiana lhe oferece; relate suas mágoas e seus desejos, seus pensamentos passageiros, sua fé em qualquer beleza — relate tudo isto com íntima e humilde sinceridade. Utilize, para se exprimir, as coisas do seu ambiente, as imagens dos seus sonhos e os objetos de sua lembrança. Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas. Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar mesquinho e indiferente. Mesmo que se encontrasse numa prisão, cujas paredes impedissem todos os ruídos do mundo de chegar aos seus ouvidos, não lhe ficaria sempre sua infância, esta esplêndida e régia riqueza, esse tesouro de recordações?

Apaga-me os olhos, ainda posso ver-te.Tranca-me os ouvidos, ainda posso ouvir-te,e sem pés posso ainda ir para ti... Apaga-me os olhos, ainda posso ver-te.Tranca-me os ouvidos, ainda posso ouvir-te,e sem pés posso ainda ir para ti...

⁠Isso é o que as coisas podem nos ensinar: a cair, a confiar pacientemente em nossa própria gravidade. Até mesmo um pássaro precisa fazer isso antes de poder voar.

Rainer Maria Rilke
n Praise of Mortality: Selections from Rainer Maria Rilke's Duino Elegies and Sonnets to Orpheus (2005).
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Uma vida conjunta de duas pessoas é uma impossibilidade [...]. Mas, contanto que se reconheça que mesmo entre as pessoas mais próximas subsistem distâncias infinitas, pode se estabelecer entre elas uma coabitação maravilhosa, tão logo consigam amar a vastidão entre elas que lhes dá a possibilidade de se verem um ao outro em sua forma total e diante de um céu imenso!

⁠"É bom, antes de tudo, que se exerça uma profissão, porque isso o tornará independente e o entregará por completo a si mesmo, em todos os sentidos".

Iniciação

Quem quer que sejas: deixa tua alcova,
da qual já sabes tudo que desejas;
teu lar na tarde, longe, se renova,
quem quer que sejas.

Com teus olhos exaustos, que ainda a custo
entre os gastos umbrais logram passar,
ergues inteira a sombra dum arbusto
posto ante o céu - esguio, singular.

E tens já pronto o mundo: estranho assim
como palavra que amadurecesse
no silêncio, e que teu olhar esquece
quando lhe captas o sentido, enfim...

Apaga-me os olhos, ainda posso ver-te. Tranca-me os ouvidos, ainda posso ouvir-te, e sem pés posso ainda ir para ti, e sem boca posso ainda invocar-te. Quebra-me os ossos, e posso apertar-te com o coração como com a mão, tapa-me o coração, e o cérebro baterá, e se me deitares fogo ao cérebro, hei-de continuar a trazer-te no sangue. (In Livro das Horas)

Estar sozinho é um verdadeiro elixir, é um estado que impele a doença totalmente à superfície. Primeiro ele deve se tornar ruim, pior, péssimo-não se vai além disso em língua alguma - mas depois fica tudo bem. (Cartas do poeta sobre a vida)

Utilize, para se exprimir, as coisas de seu ambiente, as imagens se seus sonhos e abjetos de suas lembranças...

[...] Se depois desta volta para dentro, deste ensimesmar-se, brotarem versos, não mais pensará em perguntar seja a quem for se são bons. Nem tão pouco tentará interessar as revistas por esses seus trabalhos, pois há de ver neles sua querida propriedade natural, um pedaço e uma voz de sua vida. Uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade. Neste caráter de origem está o seu critério — o único existente. [...]

⁠Parece-me que a única maneira de ser útil é estender a mão a alguém involuntariamente e sem nunca saber o quão útil isso será.

Rainer Maria Rilke
Letters on Life (2006).

"A ninguém ocorre a ideia de exigir de um indivíduo que seja 'feliz' – mas, quando alguém se casa, todos ficam muito espantados por ele não ser feliz! (E, além do mais, não é nem um pouco importante ser feliz, seja como solteiro ou casado)."

⁠Eu quero me desdobrar. Não deixe nenhum lugar em mim se manter fechado, porque onde estou fechado, sou falso.

Rainer Maria Rilke
Rilke's Book of Hours: Love Poems to God (1905).
Inserida por Dromedariono