Poemas de Rainer Maria Rilke

Cerca de 58 poemas de Rainer Maria Rilke

Canção de Amor

Como hei-de segurar a minha alma
para que não toque na tua? Como hei-de
elevá-la acima de ti, até outras coisas?
Ah, como gostaria de levá-la
até um sítio perdido na escuridão
até um lugar estranho e silencioso
que não se agita, quando o teu coração treme.
Pois o que nos toca, a ti e a mim,
isso nos une, como um arco de violino
que de duas cordas solta uma só nota.
A que instrumento estamos atados?
E que violinista nos tem em suas mãos?
Oh, doce canção.

Quero lhe implorar
Para que seja paciente
Com tudo o que não está resolvido em seu coração e tente amar.
As perguntas como quartos trancados e como livros escritos em língua estrangeira.
Não procure respostas que não podem ser dadas porque não seria capaz de vivê-las. E a questão é viver tudo. Viva as perguntas agora.
Talvez assim, gradualmente, você sem perceber, viverá a resposta num dia distante.

O POETA

Já te despedes de mim, Hora.
Teu golpe de asa é o meu açoite.
Só: da boca o que faço agora?
Que faço do dia, da noite?

Sem paz, sem amor, sem teto,
caminho pela vida afora.
Tudo aquilo em que ponho afeto
fica mais rico e me devora.

Frases do Livro Cartas a um jovem poeta...

Não busque por enquanto respostas que não lhe podem ser dadas, porque não as poderia viver.

Viva por enquanto as perguntas. Talvez depois, aos poucos, sem que o perceba, num dia longínquo, consiga viver as respostas.

... Desejo que encontre bastante paciência em si para suportar e bastante simplicidade para crer; que confie cada vez mais no que é difícil, entre outras coisas na sua solidão. No restante deixe a vida acontecer. Acredite-me : a vida tem razão em todos os casos.

Toda dúvida pode se tornar uma qualidade se a educarmos...

Minha vida não é essa hora abrupta
Em que me vês precipitado.
Sou uma árvore ante meu cenário;
Não sou senão uma de minhas bocas:
Essa, dentre tantas, que será a primeira a fechar-se.

Sou o intervalo entre as duas notas
Que a muito custo se afinam,
Porque a da morte quer ser mais alta…

Mas ambas, vibrando na obscura pausa,
Reconciliaram-se.
E é lindo o cântico.

\\\\
As folhas caem como se do alto
caíssem, murchas, dos jardins do céu;
caem com gestos de quem renuncia.

E a terra, só, na noite de cobalto,
cai de entre os astros na amplidão vazia.

Caimos todos nós. Cai esta mão.
Olha em redor: cair é a lei geral.

E a terna mão de Alguém colhe, afinal,
todas as coisas que caindo vão.

O Anjo
Com um mover da fronte ele descarta
tudo o que obriga, tudo o que coarta,
pois em seu coração, quando ela o adentra,
a eterna Vinda os círculos concentra.

O céu com muitas formas Ihe aparece
e cada qual demanda: vem, conhece -.
Não dês às suas mãos ligeiras nem
um só fardo; pois ele, à noite, vem

à tua casa conferir teu peso,
cheio de ira, e com a mão mais dura,
como se fosses sua criatura,
te arranca do teu molde com desprezo.

(Tradução: Augusto de Campos)

A Gazela

Mágico ser: onde encontrar quem colha
duas palavras numa rima igual
a essa que pulsa em ti como um sinal?
De tua fronte se erguem lira e folha

e tudo o que és se move em similar
canto de amor cujas palavras, quais
pétalas, vão caindo sobre o olhar
de quem fechou os olhos, sem ler mais,

para te ver: no alerta dos sentidos,
em cada perna os saltos reprimidos
sem disparar, enquanto só a fronte

a prumo, prestes, pára: assim, na fonte,
a banhista que um frêmito assustasse:
a chispa de água no voltear da face.

Ser amado é consumir-se na chama. Amar é luzir com uma luz inesgotável. Ser amado é passar; amar é durar.

Uma única coisa é necessária: a solidão. A grande solidão interior. Ir dentro de si e não encontrar ninguém durante horas, é a isso que é preciso chegar. Estar só, como a criança está só.

Vivo a minha vida em círculos cada vez maiores / que se estendem sobre as coisas. / Talvez não possa acabar o último, / mas quero tentar.

As obras de arte são de uma solidão infinita: nada pior do que a crítica para as abordar. Apenas o amor pode captá-las, conservá-las, ser justo em relação a elas.

Tudo quanto é velocidade não será mais do que passado, porque só aquilo que demora nos inicia.

As obras de arte são uma infinita solidão: nada as pode alcançar tão pouco quanto a crítica.

Os homens, com o auxílio das convenções, têm resolvido tudo com facilidade e pelo lado mais fácil da facilidade; mas é claro que precisamos ater-nos ao difícil.

Basta sentir que se poderia viver sem escrever para já não se ter o direito de fazê-lo.

O tempo não é uma medida. Um ano não conta, dez anos não representam nada. Ser artista não significa contar, é crescer como a árvore que não apressa a sua seiva e resiste, serena, aos grandes ventos da primavera, sem temer que o verão possa não vir. O verão há de vir. Mas só vem para aqueles que sabem esperar, tão sossegados como se tivessem na frente a eternidade.

Se o cotidiano lhe parece pobre, não o acuse: acuse-se a si próprio de não ser muito poeta para extrair as suas riquezas.

O amor é a ocasião única de amadurecer, de tomar forma, de nos tornarmos um mundo para o ser amado. É uma alta exigência, uma ambição sem limites, que faz daquele que ama um eleito solicitado pelos mais vastos horizontes.

Nada mais que possibilidades. Nada mais que desejos. E, de repente, ser realização, ser verão, ter sol.

Talvez todos os dragões nas nossas vidas são princesas que estão apenas à espera de nos ver agir, apenas uma vez, com beleza e coragem. Talvez tudo aquilo que nos assusta é, na sua essência mais profunda, algo desamparado que quer o nosso amor.