Poemas Pequenos
Tudo quanto o homem expõe ou exprime é uma nota à margem de um texto apagado de todo.
Mais ou menos, pelo sentido da nota, tiramos o sentido que havia de ser o do texto; mas fica sempre uma dúvida, e os sentidos possíveis são muitos.
[Bernardo Soares]
Por isso na orla morena da praia calada e só,
Tenho a alma feita pequena, livre de mágoa e de dó;
Sonho sem quase já ser, perco sem nunca ter tido,
E comecei a morrer muito antes de ter vivido.
Dizem que as flores são todas
Palavras que a terra diz.
Não me falas: incomodas.
Falas: sou menos feliz.
Realidade
"A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios..."
Cada dia é tão só-um!
Dura tão pouco e arde tanto!
Quanto mais de mim me espanto
Mais o tédio □
(escrito em 17.5.1913), In Poesia)
Breve o dia, breve o ano, breve tudo
“Breve o dia, breve o ano, breve tudo.
Não tarda nada sermos”.
(Trecho - Ricardo Reis [Heterônimo de Fernando Pessoa], (escrito em 27.9.1931))
Esta espécie de loucura
Que é pouco chamar talento
E que brilha em mim, na escura
Confusão do pensamento.
Hoje dia de Santo Antonio e Fernando Pessoa.
Um nasceu no dia em que o outro faleceu.
Se Santo Antonio foi Fernando de Bulhões, Frei António e depois Santo,
Fernando Pessoa foi Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro.
Um fazia milagres o outro criava poetas inteiros.
Mas se a vida é tão curta como dizes
por que é que me estás lendo até agora?
Os verdadeiros poetas não leem os outros poetas. Os verdadeiros poetas leem os pequenos anúncios dos jornais.
O bom das filas é nos convencerem de que afinal esta pobre vida não é tão curta como dizem.
A tarde é uma tartaruga com o casco pardacento de poeira, a arrastar-se interminavelmente. Os ponteiros estão esperando por ela. Eu só queria saber quem foi que disse que a vida é curta...
Milhares de pessoas não têm coragem de pelo menos prolongar-se um pouco mais nessa coisa desconhecida que é sentir-se feliz e preferem a mediocridade.
Hoje, de repente, como num verdadeiro achado, minha tolerância para com os outros sobrou um pouco para mim também (por quanto tempo?). Aproveitei a crista da onda, para me pôr em dia com o perdão.
Sou Botafogo, o que já começa por ser um pequeno drama que não torno maior porque sempre procuro reter, como as rédeas de um cavalo, minha tendência ao excessivo.
Permitia-se um pouco de equilíbrio como uma trégua, mas que o tédio logo invadia. Até que, na vontade mórbida de novamente sofrer, adensava esse tédio, transformava-o em angústia.
Deus lhe deu inúmeros pequenos dons que ele não usou nem desenvolveu por receio de ser um homem completo e sem pudor.