Poemas para a Pessoa Amada
Entre mim e a vida há um vidro ténue. Por mais nitidamente que eu veja e compreenda a vida, eu não posso lhe tocar.
Mas há mais alguma coisa... Nessas horas lentas e vazias, sobe-me da alma à mente uma tristeza de todo o ser, a amargura de tudo ser ao mesmo tempo uma sensação minha e uma coisa externa, que não está em meu poder alterar.
Pedi tão pouco à vida e esse mesmo pouco a vida me negou. Uma réstia de parte do sol, um campo, um bocado de sossego com um bocado de pão, não me pesar muito o conhecer que existo, e não exigir nada dos outros nem exigirem eles nada de mim. Isto mesmo me foi negado, como quem nega a esmola não por falta de boa alma, mas para não ter que desabotoar o casaco.
O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formámos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos. O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão.
Nota: Trecho adaptado de poema do "Livro do Desassossego", de Bernardo Soares (heterônimo de Fernando Pessoa).
...MaisMas penso ser tanta coisa! E há tantos que pensam ser a mesma coisa que eu penso que sou que não pode haver tantos.
Nas faldas do Himalaia, o Himalaia é só as faldas do Himalaia. É na distância ou na memória ou na imaginação que o Himalaia é da sua altura, ou talvez um pouco mais alto.
"De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos."
Há um tempo em que é preciso recosturar, reformar, reavivar as nossas roupas usadas que tanto nos deram alegria quando novas e que hoje apesar de gastas continuam quentes, macias e confortáveis porque possuem o formato do nosso corpo. Não devemos esquecer nossos antigos caminhos só porque achamos que nos levam sempre aos mesmos lugares, devemos aproveita-los para encurtar a distância que nos levam a novos.
É tempo de travessia: temos que ousar em fazê-la para nunca ficarmos a margem de outros.
É por isso que tomo ópio, é um remédio.Sou um convalescente do momento, moro no Rés do chão do pensamento e ver passar a vida faz-me tédio
"Quem escreverá a história do que poderia ter sido o irreparável do meu passado; Este é o cadáver.
Se a certa altura eu tivesse me voltado para a esquerda, ao invés de para direita; Se em certo momento eu tivesse dito não, ao invés que sim; Se em certas conversas eu tivesse dito as frases que só hoje elaboro; Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro seria insensivelmente levado a ser outro tambem..."
Para compreender-me, destruí-me.Compreender é esquecer de amar. Nada conheço mais ao mesmo tempo falso e significativo que aquele dito de Leonardo da Vinci de que não se pode amar ou odiar uma coisa depois de compreendê-la.
A solidão desola-me; a companhia oprime-me. A presença de outra pessoa descaminha-me os pensamentos; sonho a sua presença com uma distracção especial, que toda a minha atenção analítica não consegue definir.
"Nem esta obra, nem as que se lhe seguirão têm nada que ver com quem as escreve. Ele nem concorda com o que nelas vai escrito, nem discorda. Como se lhe fosse ditado, escreve; e, como se lhe fosse ditado por quem fosse amigo, e portanto com razão lhe pedisse para que escrevesse o que ditava, achava interessante - porventura só por amizade - o que, ditado, vai escrevendo"
Falo das paixões cotidianas. Daquelas que, sem pedir permissão, irrompem peitos de todas as idades e tamanhos e lá se abrigam temporariamente. A intromissão pode acontecer numa manhã despretensiosa, numa tarde gélida ou numa noite solitária. Desde que seja executada de forma surpreendente. Sim, as sedutoras também são maquiavélicas. Preparam o clima fria e calculisticamente para que o alvo caia feito um patinho na história.
Tudo se me evapora. A minha vida inteira, as minhas recordações, a minha imaginação e o que contém, a minha personalidade, tudo se me evapora. Continuamente sinto que fui outro, que senti outro, que pensei outro. Aquilo a que assisto é um espectáculo com outro cenário. E aquilo a que assisto sou eu.
Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pegados.
Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difício, mas é muito importante. Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão.
"Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida."
O ANDAIME
O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!
Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.
A 'sp'rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha 's'prança,
Rola mais que o meu desejo.
Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam - verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.
Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.
Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!
Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.
Som morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só lembranças -
Mortas, porque hão de morrer.
Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim -
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser - muro
Do meu deserto jardim.
Ondas passadas, levai-me
Para o alvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.
Fernando Pessoa
É um campo verde e vasto
É um campo verde e vasto,
Sozinho sem saber,
De vagos gados pasto,
Sem águas a correr.
Só campo, só sossego,
Só solidão calada.
Olho-o, e nada nego
E não afirmo nada.
Aqui em mim me exalço
No meu fiel torpor.
O bem é pouco e falso,
O mal é erro e dor.
Agir é não ter casa,
Pensar é nada Ter.
Aqui nem luzes (?) ou asa
Nem razão para a haver.
E um vago sono desce
Só por não ter razão,
E o mundo alheio esquece
À vista e ao coração.
Torpor que alastra e excede
O campo e o gado e os ver.
A alma nada pede
E o corpo nada quer.
Feliz sabor de nada,
Inconsciência do mundo,
Aqui sem porto ou estrada,
Nem horizonte no fundo.
Que suave é o ar!
Como parece
Que tudo é bom na vida que há!
Assim meu coração pudesse
Sentir essa certeza já.
Mas não; ou seja a selva escura
Ou seja um Dante mais diverso,
A alma é literatura
E tudo acaba em nada e verso.