Poemas de Mia Couto
“O que pode suscitar uma pequena história é quanto por trás do cientista reside um homem, com suas ignorâncias, suas incertezas e suas crenças tantas vezes muito pouco científicas”.
(trechos do texto elaborado para crianças lusófonas integradas no programa interescolar "Ciência Viva", Julho de 2004, publicado em "Pensatempos)
A fadiga que sentimos não é tanto do trabalho acumulado, mas de um cotidiano feito de rotina e de vazio. O que mais cansa não é trabalhar muito. O que mais cansa é viver pouco. O que realmente cansa é viver sem sonhos.
Os vindouros, esses que aguardam por corpo, são quem mais deveríamos temer. Porque deles sabemos o quase nada. Dos mortos ainda vamos recebendo recados, afeiçoamo-nos a suas familiares sombras.
" O homem sabe os segredos do mundo: o rio verdadeiro não mexe. Flui, deixado e desleixado. Quem faz mover as águas são os rabos dos peixes, inumeráveis leques que nunca pausam. Como nós. Deixemo-nos quietos como pedras e o tempo não anda".
(Na berma de nenhuma estrada - p.50)
Como ele sempre dissera: o rio e o coração, o que os une? O rio nunca está feito, como não está o coração. Ambos são sempre nascentes, sempre nascendo. Ou como eu hoje escrevo: milagre é o rio não findar mais. Milagre é o coração começar sempre no peito de outra vida.
"Eis o que descobri: as aranhas que observei sobre a mesa estiveram sempre dentro de mim. E dentro de mim fabricaram uma teia que me tolda não apenas os movimentos, mas toda a minha vida".
(in "Mulheres de Cinzas" página 236)
" Porque o amor é esquivadiço. A gente lhe monta casa, ele nasce no quintal". (in " Terra Sonâmbula ")
Nunca o nosso mundo teve ao seu dispor tanta comunicação. E nunca foi tão dramática a nossa solidão. Nunca houve tanta estrada. E nunca nos visitámos tão pouco.
"a chuva cai, cantarosa, abençoada. O chão, esse indigente indígena, vai ganhando variedades de belezas. Estou espreitando a rua como se estivesse à janela do meu inteiro país. Enquanto, lá fora, se repletam os charcos a velha Tristereza vai arrumando o quarto. Para Tia Tristereza a chuva não é assunto de clima mas recado dos espíritos. E a velha se atribui amplos sorrisos: desta vez é que eu envergarei o fato que ela tanto me insiste." -
O vento foi um pássaro e fugiu para fora de si mesmo quando os homens o quiseram capturar. Deixou de ter corpo, fez ninho nas nuvens e viaja com elas para pousar quando se cansa. É por isso que o vento canta.
A guerra nunca partiu, filho. As guerras são como as estações do ano: ficam suspensas, a amadurecer no ódio da gente miúda.
Era como se o mar, com seus infinitos, lhe desse um alívio de sair daquele mundo.