Poemas Lima Barreto

Cerca de 37 poemas Lima Barreto

Casar, para ela, não era negócio de paixão, nem se inseria no sentimento ou nos sentidos; era uma ideia, uma pura ideia. Aquela sua inteligência rudimentar tinha separado da ideia de casar o amor, o prazer dos sentidos, uma tal ou qual liberdade, a maternidade, até o noivo. Desde menina, ouvia a mamãe dizer: "Aprenda a fazer isso, porque quando você se casar"... ou senão: "Você precisa aprender a pregar botões, porque quando você se casar..."

A todo instante e a toda hora, lá vinha aquele -- "porque, quando você se casar..." -- e a menina foi se convencendo de que toda a existência só tendia para o casamento. A instrução, as satisfações íntimas, a alegria, tudo isso era inútil; a vida se resumia numa coisa: casar.

De resto, não era só dentro de sua família que ela encontrava aquela preocupação. No colégio, na rua, em casa das famílias conhecidas, só se falava em casar. "Sabe, Dona Maricota, a Lili casou-se, não fez grande negócio, pois parece que o noivo não é lá grande coisa"; ou então: "A Zezé está doida para arranjar casamento, mas é tão feia, meu Deus!..."

A vida, o mundo, a variedade intensa dos sentimentos, das ideias, o nosso próprio direito à felicidade, foram parecendo ninharias para aquele cerebrozinho; e, de tal forma casar-se se lhe representou coisa importante, uma espécie de dever, que não se casar, ficar solteira, "tia", parecia-lhe um crime, uma vergonha.

De natureza muito pobre, sem capacidade para sentir qualquer coisa profunda e intensamente, sem quantidade emocional para a paixão ou para um grande afeto, na sua inteligência a ideia de "casar-se" incrustou-se teimosamente como uma obsessão.

Se Deus enxergasse pobre.
Não me deixaria assim:
Dava no coração dela.
Um lugarzinho pra mim.

Esta vida é absurda e ilógica; eu já tenho medo de viver, Adelaide. Tenho medo, porque não sabemos para onde vamos, o que faremos amanhã, de que maneira havemos de nos contradizer de sol para sol... (...)
Além do que, penso que todo este meu sacrifício tem sido inútil. Tudo o que nele pus de pensamento não foi atingido, e o sangue que derramei, e o sofrimento que vou sofrer toda a vida, foram empregados, foram gastos, foram estragados, foram vilipendiados e desmoralizados em prol de uma tolice política qualquer...
Ninguém compreende o que quero, ninguém deseja penetrar e sentir; passo por doido, tolo, maníaco e a vida se vai fazendo inexoravelmente com a sua brutalidade e fealdade.

Lima Barreto
Triste Fim de Policarpo Quaresma

Sopro em dobro

Que tudo aquilo que quiser dividir: se divida!
Que todo o terrorismo das pessoas que não sabem amar: se renda ao amor
Que tudo o que estiver perto seja motivo para aproximar o que está longe
Que o medo, a ansiedade e a vontade de chorar se dissolva na esperança de mais um abraço
Que o furacão de ódio não resista a um sopro de amor!

⁠É MAIS!

Não é sobre pecado, é mais sobre perdão;
Não é sobre sabedoria, é mais sobre humildade;
Não é sobre vaidade, é mais sobre simplicidade;
Não é sobre falhas, é mais sobre crescimento;
Não é sobre poder, é mais sobre paz;
Não é sobre o que se tem, é mais sobre o que é preciso ter.

Havia-me preparado para todas as eventualidades da vida. Imaginei-me amarrado para ser fuzilado, esforçando-me para não tremer nem chorar; imaginei-me assaltado por facínoras e ter coragem par enfrenta-los; supus-me reduzido à maior miséria e a mendigar; mas por aquele transe eu jamais pensei ter de passar. Como é difícil controlar o amor.

Lima Barreto
O Cemitério dos Vivos

Nota: Não foi possível confirmar a autoria da última frase.

...Mais

Não é só a morte que iguala a gente. O crime, a doença e a loucura também acabam com as diferenças que a gente inventa.

De onde em onde, ela punha os olhos sobre mim, denotando uma grande vontade de me adivinhar, e eu fugia deles com medo de me trair.

Lima Barreto
O Cemitério dos Vivos

Seu olhar, sempre enxuto e polido, tinha alguma névoa úmida, uma angustiosa expressão de dor de quem não sabe ou não quer chorar.

Lima Barreto
O Cemitério dos Vivos

É raro encontrar homens assim, mas os há e, quando se os encontra, mesmo tocados de um grão de loucura, a gente sente mais simpatia pela nossa espécie, mais orgulho de ser homem e mais esperança na felicidade da raça.

É mais decente pôr a nossa ignorância no mistério, do que querer mascará-la em explicações que a nossa lógica comum, quotidiana, de dia-a-dia, repele imediatamente, e para as quais as justificações com argumentos de ordem especial não fazem mais do que embrulhá-las, obscurecê-las a mais não poder.

Lima Barreto
O Cemitério dos Vivos

Falta-lhes crítica, não só a mais comum, mas também a necessária do grau de certeza da experiência e dos instrumentos em que as refazem.

Lima Barreto
O Cemitério dos Vivos

- É bom pensar, sonhar consola.
- Consola, talvez; mas faz-nos também diferentes dos outros, cava abismos entre os homens...

Lima Barreto
Triste Fim de Policarpo Quaresma

Cada louco traz em si o seu mundo e para ele não há mais semelhantes: o que foi antes da loucura é outro muito outro do que ele vem a ser após.

Lima Barreto
Triste Fim de Policarpo Quaresma

A Constituição da Bruzundanga era sábia no que tocava às condições para elegibilidade do Mandachuva, isto é, o presidente.

Estabelecia que devia unicamente saber ler e escrever; que nunca tivesse mostrado ou procurado mostrar que tinha alguma inteligência; que não tivesse vontade própria; que fosse, enfim, de uma mediocridade total.

"Desinteressado de dinheiro, de glória e posição, vivendo numa reserva de sonho, adquirira a candura e a pureza d’alma que vão habitar esses homens de uma ideia fixa, os grandes estudiosos, os sábios, e os inventores, gente que fica mais terna, mais ingênua, mais inocente que as donzelas das poesias de outras épocas. É raro encontrar homens assim, mas os há e, quando se os encontra, mesmo tocados de um grão de loucura, a gente sente mais simpatia pela nossa espécie, mais orgulho de ser homem e mais esperança na felicidade da raça."

(Excerto de "Triste Fim de Policarpo Quaresma")

- O Quaresma está doido.(...)
- Nem se podia esperar outra coisa, disse o Doutor Florêncio. Aqueles livros, aquela mania de leitura...
- Pra que ele lia tanto?, indagou Caldas.
- Telha de menos, disse Florêncio. (...)
- Ele não era formado, para que meter-se em livros? (...)
- Isto de livros é bom para os sábios, para os doutores (...)
- Devia até ser proibido, disse Genelício, a quem não possuísse um título "acadêmico" ter livros. Evitavam-se assim essas desgraças. Não acham?
- Decerto, disse Albernaz.(...)
Calaram-se um instante, e as atenções convergiram para o jogo.

Lima Barreto
Triste Fim de Policarpo Quaresma
Inserida por usuario438345

Iria morrer, quem sabe se naquela noite mesmo? E que tinha ele feito de sua vida? Nada. Levara toda ela atrás da miragem de estudar a pátria, por amá-la e querê-la muito, no intuito de contribuir para a sua felicidade e prosperidade. Gastara a sua mocidade nisso, a sua virilidade também; e, agora que estava na velhice, como ela o recompensava, como ela o premiava, como ela o condecorava? Matando-o. E o que não deixara de ver, de gozar, de fruir, na sua vida? Tudo. Não brincara, não pandegara, não amara - todo esse lado da existência que parece fugir um pouco à sua tristeza necessária, ele não vira, ele não provara, ele não experimentara. (...)
Importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. (...)
Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma! Nenhuma!

Lima Barreto
Triste Fim de Policarpo Quaresma

Dizem que a tristeza desperta nosso lado poético. A felicidade também faz isso, afinal ela é a matéria prima do que não temos mais.

A roda gigante e a gangorra são dois objetos que definem bem a vida. Se você não tem firmeza, serenidade e humildade na parte de baixo dificilmente saberá lidar com as alturas!