Poemas Irônicos Mario Quintana
Não pretendo que a poesia seja um antídoto para a tecnocracia atual. Mas sim um alívio. Como quem se livra de vez em quando de um sapato apertado e passeia descalço sobre a relva, ficando assim mais próximo da natureza, mais por dentro da vida. Porque as máquinas um dia viram sucata. A poesia, nunca.
A tarde é uma tartaruga com o casco pardacento de poeira, a arrastar-se interminavelmente. Os ponteiros estão esperando por ela. Eu só queria saber quem foi que disse que a vida é curta...
Mas se a vida é tão curta como dizes
por que é que me estás lendo até agora?
As religiões cresceram entre os humildes porque aqueles que estavam por cima já se julgavam no paraíso.
Velhice é quando um dia as moças começam a nos tratar com respeito e os rapazes sem respeito nenhum.
Há dois sinais de envelhecimento. O primeiro é desprezar os jovens. O outro é quando a gente começa a adulá-los.
Deve ser o fio de vida que vai unindo, pedaço a pedaço, essa colcha de retalhos que é a história do mundo.
Só o poeta é que tem de lidar com a ingrata linguagem alheia...
A impura linguagem dos homens!
O mais espantoso nos velhos é a sua falta de pressa, como se eles dispusessem de todo o tempo que teriam os moços se não tivessem tanta pressa.
O que eles chamam de nossos defeitos é o que nós temos de diferente deles. Cultivemo-los pois, com o maior carinho – esses nossos benditos defeitos.
Eles ergueram a Torre de Babel para escalar o Céu. Mas Deus não estava lá! Estava ali mesmo, entre eles, ajudando a construir a torre.
O homem é um bicho que arreganha os dentes sem necessidade, isto é, quando nos sorri.
Se alguém acha que estás escrevendo muito bem, desconfia… O crime perfeito não deixa vestígios.
Todo poema é uma aproximação. A sua incompletude é que o aproxima da inquietação do leitor. Este não quer que lhe provem coisa alguma. Está farto de soluções.
Tenho uma enorme pena dos homens famosos, que por isso mesmo perderam sua vida íntima e são como esses animais do Zoológico, que fazem tudo à vista do público.
Vivemos conjugando o tempo passado (saudade, para os românticos) e o tempo futuro (esperança, para os idealistas). Uma gangorra, como vês, cheia de altos e baixos – uma gangorra emocional. Isto acaba fundindo a cuca de poetas e sábios e maluquecendo de vez o Homo sapiens. Mais felizes os animais, que, na sua gramática imediata, apenas lhes sobra um tempo: o presente do indicativo. E que nem dá tempo para suspiros...
Não tentes tirar uma ideia da cabeça de outrem porque, examinando bem, verás que em geral não se trata de ideias, mas de convicções. São inextirpáveis. E a causa única de todas as guerras – políticas ou religiosas, paroquianas ou internacionais.
Para mim o poeta não é essa espécie saltitante que chamam de Relações Públicas. O poeta é Relações íntimas. Dele com o leitor.