Poemas inteligentes

CIDADEZINHA QUALQUER

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.

Carlos Drummond de Andrade

Nota: De Alguma poesia (1930)

Se às vezes eu disser que as flores sorriem
E se eu disser que os rios cantam
Não é porque eu julgue que há sorriso nas flores
E cantos no correr dos rios.
É porque assim faço, mais sentir aos homens falsos
A existência verdadeiramente real das flores e dos rios.

Porque eu escrevo para eles me lerem, sacrifica-me às vezes,
À sua estupidez de sentidos.
Não concordo comigo mas absolvo-me,
Por que eu sou só essa coisa séria uma intérprete da natureza,
Porque os homens não percebem a sua linguagem,
Por ela não ser linguagem nenhuma.

Todas as coisas que dizes
Afinal não são verdade.
Mas, se nos fazem felizes,
Isso é a felicidade.

Fernando Pessoa
PESSOA, F. Quadras ao Gosto Popular. (Texto estabelecido e prefaciado por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1965. (6ª ed., 1973).
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Filhos ...
'' Fizeste-me ver a claridade do mundo e a possibilidade da
alegria. Tornaste-me indestrutível, porque, graças a ti, não termino em mim mesmo. ''

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal.

Aí pensamos o que fizemos deste ano?
Quando o tempo passou e nem se notou.
Quando o vento levou o nem consegui pegar.

O tempo é o inimigo da ação não feita.
Quando deparamos, ele passou e nem se notou.
Quando eu pensei, em fazer, o tempo já passou.

Mario Quintana

Nota: Adaptação do poema "Seiscentos e Sessenta e Seis", de Mario Quintana. Link

O Amor Bate na Aorta

Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.

Meu bem, não chores,
hoje tem filme de Carlito.

O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.

Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.

Amor é bicho instruído.

Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que corre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender...

Hamlet
Autor: Willian Shakespeare

Hamlet é uma das peças de teatro mais famosas de Shakespeare. Foi escrita entre 1600 e 1602 e impressa pela primeira vez em 1603.

Para Hamlet a existência tornara-se insuportável desde que o espectro do seu pai recentemente morto apareceu-lhe numa noite assombrada no alto da torre do castelo. O fantasma, tétrico, reclamava desforra. Contou ao filho que um crime ignominioso o vitimara. Seu próprio irmão, o rei Cláudio, o matara. Atordoou-se o príncipe. Seu lar abrigava a traição e a maldade! A serpente acoitara-se na sua própria família. O mundo era injusto. O assassino, seu tio, não só usurpara o trono como arrastara sua mãe, a rainha Gertrudes, para um casamento feito às pressas, onde, suprema ignomia, serviram-se ;-os manjares; que, um pouco antes, ainda mal esfriados, tinham sido oferecidos -;na refeição fúnebre. Algo deveria ser feito. Faltava porém a Hamlet o talento para a ação. O máximo que conseguiu de imediato, além de aferrar-se ao luto e ao mau humor, foi entregar-se especulativamente à vingança.

A Mais bem sucedida da História

Hamlet é certamente a mais bem-sucedida história de vingança levada aos palcos. Ela, desde o início, coloca o público ao lado do jovem príncipe porque o ato da vingança, que Francis Bacon definiu como uma - forma selvagem de fazer justiça, sempre seduziu o a todos. Hamlet sente-se pois um reparador de uma injustiça, um homem com uma missão. A ela irá dedicar todos os momentos da sua vida, mesmo que tenha que sacrificar seu amor por Ofélia e ainda ter que tirar a vida de outras pessoas. Talvez seja essa obsessão, essa monomania que toma conta dele desde as primeiras cenas do primeiro ato, que eletrize os espectadores e faça com que eles literalmente bebam todas as palavras do príncipe vingador -; Hamlet é o personagem que mais fala na obra de Shakespeare, recita 1.507 linhas.

Mas, que luz é essa que alí aparece, naquela janela?
a janela é o oriente, e Julieta o sol.
Sobe, belo astro, sobe e mata de inveja a pálida lua.

E quando ele morrer, corte-o em pequenas estrelas
E ele deixará a face do céu tão bela
Que o mundo inteiro se apaixonará pela noite
E deixará de adorar o sol berrante

Eu sei que você está aí
Pensando em mim
Se importando comigo,
Fazendo me sentir segura
E todos os meus medos,
todo o meu passado é lavado
e só resta esperança em seu abraço.

Você me faz agradecer a Deus por cada erro que eu cometi
porque cada um deles me levou
ao caminho que me trouxe até você.
Quando finalmente nos encontrarmos
eu quero que você me abrace.

Abrace-me a noite toda,
pegue no meu cabelo,
diga-me que sou uma mulher
e mostre-me que você é um homem
até existir o agora.
Eu, você e o agora.

Não peço pelas explicações da noite,
Eu espero por isso,
e que isso envolva a mim,
a você,
a luz,
e as sombras…

Todo dia é menos um dia
Todo dia é menos um dia; menos um dia para ser feliz;
É menos um dia para dar e receber;
É menos um dia para amar e ser amado;
É menos um dia para ouvir e, principalmente, calar !
Sim, porque calando nem sempre quer dizer que concordamos com o que ouvimos ou lemos,

mas estamos dando a outrem a chance de pensar, refletir, saber o que falou ou escreveu.
Saber ouvir é um raro dom, reconheçamos.
Mas saber calar, mais raro ainda.
E como humanos estamos sujeitos a errar, e nosso
erro mais primário, é não saber ouvir e calar !
Todo dia é menos um dia para dar um sorriso.
Muitas vezes alguém precisa, apenas de um sorriso
para sentir um pouco de felicidade !
Todo dia é menos um dia para dizer:- Desculpe, eu errei!
Ou para dizer: - Perdoe-me por favor, fui injusto !
Todo dia é menos um dia
para voltarmos sobre os nossos passos.
De repente, descobrimos que estamos muito longe,

e já não há mais como encontrar onde pisamos, enquanto íamos.
Já não conseguiremos distinguir nossos passos
de tantos outros que vieram depois dos nossos.
E se esse dia chega, por mais que voltemos;
estaremos seguindo um caminho, que jamais
nos trará ao ponto de partida.
Por isso, use cada dia com sabedoria.
Ouça e cale se não se sentir bem;
Leia e deixe de lado; outra hora você vai conseguir interpretar e saber o que quis ser dito.

Assim seja...

_Carlos Drummond de Andrade_

Crepúsculo de Outono

O crepúsculo cai, manso como uma bênção.
Dir-se-á que o rio chora a prisão de seu leito...
As grandes mãos da sombra evangélicas pensam
As feridas que a vida abriu em cada peito.

O outono amarelece e despoja os lariços.
Um corvo passa e grasna, e deixa esparso no ar
O terror augural de encantos e feitiços.
As flores morrem. Toda a relva entra a murchar.

Os pinheiros porém viçam, e serão breve
Todo o verde que a vista espairecendo vejas,
Mais negros sobre a alvura unânime da neve,
Altos e espirituais como flechas de igrejas.

Um sino plange. A sua voz ritma o murmúrio
Do rio, e isso parece a voz da solidão.
E essa voz enche o vale... o horizonte purpúreo...
Consoladora como um divino perdão.

O sol fundiu a neve. A folhagem vermelha
Reponta. Apenas há, nos barrancos retortos,
Flocos, que a luz do poente extática semelha
A um rebanho infeliz de cordeirinhos mortos.

A sombra casa os sons numa grave harmonia.
E tamanha esperança e uma tão grande paz
Avultam do clarão que cinge a serrania,
Como se houvesse aurora e o mar cantando atrás.

Manuel Bandeira
BANDEIRA, M. A Cinza das Horas, 1917

O primeiro amor passou
O segundo amor passou
O terceiro amor passou
Mas o coração continua.

Que à união de espíritos puros
eu não aceite impedimentos.
Não é amor o amor
que muda quando mudanças encontra,
ou se curva a quem quer extingui-lo.
Oh, não! O amor é um marco eterno
que inabalável enfrenta as tormentas.
É a estrela de todo barco errante,
de brilho certo, mas valor inestimável.
O amor não é joguete do tempo, embora
ao envelhecer os lábios nos entorte.
O amor não muda conforme o dia e a hora,
mas chega inalterado até o fim dos tempos.
Se me provarem que isto está errado,
então nunca escrevi
nem ninguém jamais amou.

Você acredita em amor à primeira vista?
Claro que sim!
Os impossíveis são os outros!

Falam por mim os que estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de tudo,
que entraram no cinema com a aflição de ratos fugindo da vida,
são duas horas de anestesia, ouçamos um pouco de música, visitemos no escuro as imagens - e te descobriram e salvaram-se.
(Canto ao Homem do Povo - Charles Chaplin)

Que Amor Fez sem Remédio, o Tempo, os Fados?

Depois de tantos dias mal gastados,
Depois de tantas noites mal dormidas,
Depois de tantas lágrimas vertidas,
Tantos suspiros vãos vãmente dados,

Como não sois vós já desenganados,
Desejos, que de cousas esquecidas
Quereis remediar mortais feridas,
Que amor fez sem remédio, o tempo, os Fados?

Se não tivéreis já longa exp'riência
Das sem-razões de Amor a quem servistes,
Fraqueza fora em vós a resistência.

Mas pois por vosso mal seus males vistes,
Que o tempo não curou, nem larga ausência,
Qual bem dele esperais, desejos tristes?

Acho que devemos fazer coisa proibida – senão sufocamos. Mas sem sentimento de culpa e sim como aviso de que somos livres.

Tenho que ter paciência para não me perder dentro de mim: vivo me perdendo de vista. Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o fatal beco sem saída.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

CONFUSÃO

Essas duas tresloucadas, a Saudade e a Esperança, vivem ambas na casa do Presente, quando deviam estar, é lógico, uma na casa do Passado e a outra na do Futuro. Quanto ao Presente - ah! -, esse nunca está em casa.

Na casa defronte de mim e dos meus sonhos,
Que felicidade há sempre!

Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi.
São felizes, porque não são eu.

As crianças, que brincam às sacadas altas,
Vivem entre vasos de flores,
Sem dúvida, eternamente.

As vozes, que sobem do interior do doméstico,
Cantam sempre, sem dúvida.
Sim, devem cantar.

Quando há festa cá fora, há festa lá dentro.
Assim tem que ser onde tudo se ajusta —
O homem à Natureza, porque a cidade é Natureza.

Que grande felicidade não ser eu!

Mas os outros não sentirão assim também?
Quais outros? Não há outros.
O que os outros sentem é uma casa com a janela fechada,
Ou, quando se abre,
É para as crianças brincarem na varanda de grades,
Entre os vasos de flores que nunca vi quais eram.

Os outros nunca sentem.
Quem sente somos nós,
Sim, todos nós,
Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada.

Nada? Não sei...
Um nada que dói...

Fernando Pessoa
PESSOA, F. Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).