Poemas inteligentes

Se me fosse dado, um dia, uma oportunidade, seguraria todos os meus amigos, que já não sei onde e como estão, e diria: Vocês são extremamente importantes para mim. Dessa forma, eu digo: não deixe de fazer algo que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter alguém ao seu lado, ou de fazer algo, por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá, será desse tempo que infelizmente...não voltará mais.

E a vida vai tecendo laços
Quase impossíveis de romper:
Tudo que amamos são pedaços
Vivos do nosso próprio ser.

Manuel Bandeira
BANDEIRA, M., A Cinza das Horas, Teresópolis, 1917

Nota: Trecho do poema "A Vida Assim nos Afeiçoa"

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Agora é um instante. Já é outro agora. (...)

Agora é um instante. Você sente? Eu sinto. (...)

Nada existe de mais difícil do que entregar-se ao instante.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

(...) faze com que eu perca o pudor de desejar que
na hora de minha morte haja uma mão humana amada
para apertar a minha (...)

Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou o Livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma ideia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.
Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. Há um perigo: se reflito demais, deixo de agir. E muitas vezes prova-se depois que eu deveria ter agido. Estou num impasse. Quero melhorar e não sei como. Sob o impacto de um impulso, já fiz bem a algumas pessoas. E, às vezes, ter sido impulsiva me machuca muito. E mais: nem sempre meus impulsos são de boa origem. Vêm, por exemplo, da cólera. Essa cólera às vezes deveria ser desprezada; outras, como me disse uma amiga a meu respeito, são cólera sagrada. Às vezes minha bondade é fraqueza, às vezes ela é benéfica a alguém ou a mim mesma. Às vezes restringir o impulso me anula e me deprime; às vezes restringi-lo dá-me uma sensação de força interna.
Que farei então? Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Crônica O impulso.

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Belo Belo

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo — que foi? passou — de tantas estrelas cadentes.

A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.

— Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.

Manuel Bandeira
BANDEIRA, M. Belo, Belo, 1948

Amor...
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Luís de Camões

Nota: Trecho de soneto de Luís de Camões.

E não sei o que sinto, não sei o que quero sentir, não sei o que penso nem o que sou.
Verifico que, tantas vezes alegre, tantas vezes contente, estou sempre triste.
Não vejo, sem pensar.
Não há sossego - e, ai de mim!, nem sequer há desejo de o ter.

(Livro do Desassossego - Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa)

Se você me esquecer
Eu quero que você saiba uma coisa
Você sabe como é isso
Se eu olhar para para a lua cristalina
No ramo vermelho do outono chegando
Se eu tocar perto do fogo
A cinza impalpável
ou o corpo enrugado do ramo
Tudo me leva a você
Como se tudo oque existe
Aromas, luzes, metais
Fossem pequenos barcos que navegam
em direção aquelas ilhas que esperam por mim
Bem agora, se pouco a pouco você deixar de me amar
Eu devo parar de te amar pouco a pouco
Se de repente você me esquecer
Não olhe para mim
Pois eu já devo ter esquecido você
Se você acha que isso é longo e louco
O vento das bandeiras
que passa através da minha vida
Você decide, Mas lembre-se, se você
Deixar me na costa do coração onde criei raízes
Nesse dia, nessa hora
Eu vou cruzar meus braços
E minhas raízes partirão para procurar outra terra.
Mas se, cada dia, cada hora
Você sentir que está destinada pra mim
Com sua doçura implacável
Se cada dia uma flor, escalar até seus lábios a minha procura
Lembre-se
Em mim todo esse fogo também existe
Em mim nada é extinguido ou esquecido
Meu amor se alimenta do seu amor
E enquanto você viver, eu estarei em seus braços.

Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.

Amor que é amor não se transforma
porém durante o tempo se dilata!
Se isso for um erro ou meu engano
for provado, eu jamais terei escrito
ou alguém terá amado!

William Shakespeare

Nota: Trecho do soneto 116.

Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.
Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Às vezes se assusta com o imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la – como gostava de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes a galope.
Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E este desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram para nos dar para sempre uma herança de língua já feita. Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega. Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queda não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Crônica intitulada Declaração de amor.

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CIDADEZINHA QUALQUER

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.

Carlos Drummond de Andrade

Nota: De Alguma poesia (1930)

Hamlet
Autor: Willian Shakespeare

Hamlet é uma das peças de teatro mais famosas de Shakespeare. Foi escrita entre 1600 e 1602 e impressa pela primeira vez em 1603.

Para Hamlet a existência tornara-se insuportável desde que o espectro do seu pai recentemente morto apareceu-lhe numa noite assombrada no alto da torre do castelo. O fantasma, tétrico, reclamava desforra. Contou ao filho que um crime ignominioso o vitimara. Seu próprio irmão, o rei Cláudio, o matara. Atordoou-se o príncipe. Seu lar abrigava a traição e a maldade! A serpente acoitara-se na sua própria família. O mundo era injusto. O assassino, seu tio, não só usurpara o trono como arrastara sua mãe, a rainha Gertrudes, para um casamento feito às pressas, onde, suprema ignomia, serviram-se ;-os manjares; que, um pouco antes, ainda mal esfriados, tinham sido oferecidos -;na refeição fúnebre. Algo deveria ser feito. Faltava porém a Hamlet o talento para a ação. O máximo que conseguiu de imediato, além de aferrar-se ao luto e ao mau humor, foi entregar-se especulativamente à vingança.

A Mais bem sucedida da História

Hamlet é certamente a mais bem-sucedida história de vingança levada aos palcos. Ela, desde o início, coloca o público ao lado do jovem príncipe porque o ato da vingança, que Francis Bacon definiu como uma - forma selvagem de fazer justiça, sempre seduziu o a todos. Hamlet sente-se pois um reparador de uma injustiça, um homem com uma missão. A ela irá dedicar todos os momentos da sua vida, mesmo que tenha que sacrificar seu amor por Ofélia e ainda ter que tirar a vida de outras pessoas. Talvez seja essa obsessão, essa monomania que toma conta dele desde as primeiras cenas do primeiro ato, que eletrize os espectadores e faça com que eles literalmente bebam todas as palavras do príncipe vingador -; Hamlet é o personagem que mais fala na obra de Shakespeare, recita 1.507 linhas.

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal.

Aí pensamos o que fizemos deste ano?
Quando o tempo passou e nem se notou.
Quando o vento levou o nem consegui pegar.

O tempo é o inimigo da ação não feita.
Quando deparamos, ele passou e nem se notou.
Quando eu pensei, em fazer, o tempo já passou.

Mario Quintana

Nota: Adaptação do poema "Seiscentos e Sessenta e Seis", de Mario Quintana. Link

Filhos ...
'' Fizeste-me ver a claridade do mundo e a possibilidade da
alegria. Tornaste-me indestrutível, porque, graças a ti, não termino em mim mesmo. ''

Todas as coisas que dizes
Afinal não são verdade.
Mas, se nos fazem felizes,
Isso é a felicidade.

Fernando Pessoa
PESSOA, F. Quadras ao Gosto Popular. (Texto estabelecido e prefaciado por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1965. (6ª ed., 1973).
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O Amor Bate na Aorta

Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.

Meu bem, não chores,
hoje tem filme de Carlito.

O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.

Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.

Amor é bicho instruído.

Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que corre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender...

Se às vezes eu disser que as flores sorriem
E se eu disser que os rios cantam
Não é porque eu julgue que há sorriso nas flores
E cantos no correr dos rios.
É porque assim faço, mais sentir aos homens falsos
A existência verdadeiramente real das flores e dos rios.

Porque eu escrevo para eles me lerem, sacrifica-me às vezes,
À sua estupidez de sentidos.
Não concordo comigo mas absolvo-me,
Por que eu sou só essa coisa séria uma intérprete da natureza,
Porque os homens não percebem a sua linguagem,
Por ela não ser linguagem nenhuma.

E quando ele morrer, corte-o em pequenas estrelas
E ele deixará a face do céu tão bela
Que o mundo inteiro se apaixonará pela noite
E deixará de adorar o sol berrante