Poemas inteligentes
Cão
Rendo homenagem ao cão; ele late melhor do que eu.
( In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.)
Banqueiro
O banqueiro ignora que tem dinheiro suficiente
para fechar o banco e começar vida nova.
Sou espiga e o grão que retornam à terra.
Minha pena (esferográfica) é a enxada que vai cavando,
é o arado milenário que sulca.
Meus versos têm relances de enxada, gume de foice
e o peso do machado.
Cheiro de currais e gosto de terra.
Há tantos deuses!
“Há tantos deuses!
São como os livros — não se pode ler tudo, nunca se sabe nada.
Feliz quem conhece só um deus, e o guarda em segredo.
Tenho todos os dias crenças diferentes”...
( Álvaro de Campos [Heterônimo de Fernando Pessoa], (escrito em 9.3.1930), In Poesia, Assírio e Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002. (trecho))
O conflito que nos queima a alma, deu-o Antero mais que outro poeta, porque tinha a igual altura do sentimento e da inteligência. É o conflito entre a necessidade emotiva da crença e a impossibilidade intelectual de crer.
Barão de Teive
(do livro em PDF: Fernando Pessoa AFORISMOS E AFINS)
Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã.
(extraído do livro em PDF: JOSE (trecho de “O LUTADOR”)
Desceu sobre nós a mais profunda e a mais mortal das secas dos séculos — a do conhecimento íntimo da vacuidade de todos os esforços e da vaidade de todos os propósitos. Barão de Teive
(do livro em PDF: Aforismo e afins)
Não morres satisfeito.
A vida te viveu
Sem que vivesses nela.
E não te convenceu
Nem deu qualquer motivo
Para haver o ser vivo.
A vida te venceu
Em luta desigual.
Era todo o passado
Presente presidente
Na polpa do futuro
Acuando-te no beco.
Se morres derrotado,
Não morres conformado.
Nem morres informado
Dos termos da sentença
Da tua morte, lida
Antes de redigida.
Deram-te um defensor
Cego surdo estrangeiro
Que ora metia medo
Ora extorquia amor.
Nem sabes se és culpado
De não ter culpa. Sabes
Que morre todo o tempo
No ensaiar errado
Que vai a cada instante
Desensinado a morte
Quanto mais a soletras,
Sem que, nascido, mores
Onde, vivendo, morres.
Evocação
À sombra da usina, teu jardim
Era mínimo, sem flores.
Plantas nasciam, renasciam
para não serem olhadas.
Meros projetos de existência,
desligavam-se de sol e água,
mesmo daquela secreção
que em teus olhos se represava.
Ninguém te viu quando, curvada,
removias o caracol
da via estreita das formigas,
nem sequer se ouviu teu chamado.
Pois chamaste (já era tarde)
e a voz da usina amorteceu
tua fuga para o sem-país
e o sem tempo. Mas te recordo
e te alcanço viva, menina,
a planejar tão cedo o jardim
onde estás, eu sei, clausurada,
sem que ninguém, ninguém te adivinhe.
Quisera abandonar-te, negar-te, fugir-te,
mas curioso:
já não estás, e te sinto,
E tanto me falas, e te converso.
E tanto nos entendemos, no escuro,
no pó, no sono.
Realidade
"A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios..."
Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
"O campo é onde não estamos. Ali, só ali, há sombras verdadeiras e verdadeiro arvoredo". Bernardo Soares
(Em Aforismos e afins - de Fernando Pessoa)
Nas interpéries da vida.
Há sempre... saídas.
É o tempo namorando o vento.
Transformando páginas em brisas.
Dizem do descanso dos braços.
Reflito ao som de suas moléculas.
Há perfeição em que relaxo.
Bailado do meu amado.
Levaram meus cisnes e eles se multiplicaram.
Qual foi o dia!
O Sol sentiu... A Lua sorriu...
Milhares de respiros vil!
Moravam em canais...
Soterrados de amargos doces.
Poeiras em coleções.
Algo digno das fortunas de superáveis ilusões.
Não sou o que escrevo!
Lanço aos átomos as fórmulas.
Da alegria desintegrando desarmonias
Prolixos versos "mímicos"
Das ladainhas brotam lodos...
Verdes sufocados pelo tempo.
Brotam, brotam... das ações .
Motivos do tempo.