Poemas inteligentes

– Que é que eu faço? Não estou aguentando viver. A vida é tão curta, e eu não estou
aguentando viver.
– Não sei. Eu sinto o mesmo. Mas há coisas, há muitas coisas. Há um ponto em que o
desespero é uma luz, e um amor.
– E depois?
– Depois vem a Natureza.
– Você está chamando a morte de natureza?
– Não. Estou chamando a natureza de Natureza.
– Será que todas as vidas foram isso?
– Acho que sim.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Crônica O processo.

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“Como eu vou saber, pobre arqueólogo do futuro, o que inquietamente procuro em minhas escavações do ar?”

(trecho do poema O descobridor do livro em PDF: Baú de Espantos)

"Assim, a brisa nos ramos diz, sem o saber, uma coisa imprecisa - coisa feliz".

(Sem título - 09/05/1934)

I say to you: do good. Why? What do you gain by it? Nothing, you gain nothing. Neither money, nor love, nor respect, nor perhaps peace of mind. Perhaps thou gainest none of these. Why then do I say: do good? Because you gain nothing by it. It is worth doing for this.

Digo-vos: praticai o bem. Porquê? O que ganhais com isso? Nada, não ganhais nada. Nem dinheiro, nem amor, nem respeito, nem talvez paz de espírito. Talvez não ganheis nada disso. Então por que
vos digo: Praticai o bem? Porque não ganhais nada com isso. Vale a pena praticá-lo por isto mesmo.

"Contigo eu fico
É jamais do negror deste palácio hei de partir
Aqui. Aqui sempre estarei...
Com seus criados vermes...
Aqui mesmo eu hei de repousar para todo o sempre.
É libertar da maldição dos astros a carne exausta
Olhos. Um último olhar...
Braços. Um último abraço...
É vós o lábios, portal do alento
Selai com este beijo o pacto eterno com a morte insaciável.
Venha meu caminho amargo
Venha insonso guia
Piloto insano atira neste instante
Contra as rochas a barca desgastada
Um brinde ao meu amor."

Sentir é compreender. Pensar é errar.
Compreender o que outra pessoa pensa é discordar dela.
Compreender o que outra pessoa sente é ser ela.

Não faças como alguns desses pastores que aconselham aos outros o caminho do céu, cheio de abrolhos, enquanto eles seguem ledos a estrada dos prazeres, sem dos próprios conselhos se lembrarem.

(Hamlet)

O OUTRO

Como decifrar pictogramas de há dez mil anos
se nem sei decifrar
minha escrita interior?

Interrogo signos dúbios
e suas variações calidoscópicas
a cada segundo de observação.

A verdade essencial
é o desconhecido que me habita
e a cada amanhecer me dá um soco.

Por ele sou também observado
com ironia, desprezo, incompreensão.
E assim vivemos, se ao confronto se chama viver,
unidos, impossibilitados de desligamento,
acomodados, adversos,
roídos de infernal curiosidade.

ANÁLISE

Tão abstrata é a idéia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.

Fernando Pessoa, 12-1911

Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou chorando.
O que choro é diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma.

E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.

Mas, em verdade, o que chora
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora,
Está para além da saudade.

Não sei o que é nem consinto
À alma que o saiba bem.
Visto da dor com que minto
Dor que a minha alma tem.


Fernando Pessoa, 29-3-1931

todos os dias que passam
sem passares por aqui
são dias que me desgraçam
por me privarem de ti

tem um livrinho onde escrevo
qdo me esqueço de ti
é um livro de capa preta
onde inda nada escrevi

o canário ja nao canta
não canta o canario já
aquilo que em ti me encanta
talvez nao me encantará

A PALAVRA MÁGICA

Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.

Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
procuro sempre.

Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra


*Carlos Drummond de Andrade

Postado por Di..Resende

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês. @omarioquintana

Estrela perigosa – Rosto ao vento – marulho e silêncio – leve porcelana – templo submerso – trigo e vinho – Tristeza de coisa vivida – árvores já floresceram – o sal trazido pelo vento – conhecimento por encantação – Esqueleto de idéias – Ora pro nobis – Decompor a luz – Mistério de estrelas – Paixão pela exatidão – Caça aos vagalumes. Vagalume é como orvalho – Diálogos que disfarçam conflitos por explodir – Ela pode ser venenosa como às vezes o cogumelo é.
No obscuro erotismo de vida cheia – nodosas raízes. Missa negra, feiticeiros. Na proximidade de fontes, lagos e cachoeiras braços e pernas e olhos, todos mortos se misturam e clamam por vida.
Sinto falta dele como se me faltasse um dente na frente: excrucitante.
Que medo alegre, o de te esperar.

Clarice Lispector
Borelli, Olga. Clarice Lispector: esboço para um possível retrato. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
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Não Me Sinto Mudar

Não me sinto mudar. Ontem eu era o mesmo.
O tempo passa lento sobre os meus entusiasmos
cada dia mais raros são os meus cepticismos,
nunca fui vítima sequer de um pequeno orgasmo

mental que derrubasse a canção dos meus dias
que rompesse as minhas dúvidas que apagasse o meu nome.
Não mudei. É um pouco mais de melancolia,
um pouco de tédio que me deram os homens.

Não mudei. Não mudo. O meu pai está muito velho.

As roseiras florescem, as mulheres partem
cada dia há mais meninas para cada conselho
para cada cansaço para cada bondade.

Por isso continuo o mesmo. Nas sepulturas antigas
os vermes raivosos desfazem a dor,
todos os homens pedem de mais para amanhã
eu não peço nada nem um pouco de mundo.

Mas num dia amargo, num dia distante
sentirei a raiva de não estender as mãos
de não erguer as asas da renovação.

Será talvez um pouco mais de melancolia
mas na certeza da crise tardia
farei uma primavera para o meu coração.

O Mundo é um Moinho

Cartola


Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho.
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés

Carlos Drummond de Andrade

“Alguns, como Cartola, são trigo de qualidade especial. Servem de alimento constante. A gente fica sentindo e pensamenteando sempre o gosto dessa comida. O nobre, o simples, não direi o divino, mas humano Cartola, que se apaixonou pelo samba e fez do samba o mensageiro de sua alma delicada. O som calou-se, e "fui à vida", como ele gosta de dizer, isto é, à obrigação daquele dia. Mas levava uma companhia, uma amizade de espírito, o jeito de Cartola botar lirismo a sua vida, os seus amores, o seu sentimento do mundo, esse moinho, e da poesia, essa iluminação.

(Carlos Drummond de Andrade)

Meus olhos são pequenos para ver
países mutilados como troncos
proibidos de viver, mas em que a vida
lateja subterrânea e vingadora.

Esse longo caminho percorrido
Lado a lado, nos bons e maus momentos,
Faz de nós dois um ser unificado
Pelos mais fundos, ternos sentimentos.

Porque nada de exterior me acontece.
Mas, em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto

Let me not to the marriage of true minds
Admit impediments. Love is not love
Which alters when it alteration finds,
Or bends with the remover to remove:
O no! it is an ever-fixed mark
That looks on tempests and is never shaken;
It is the star to every wandering bark,
Whose worth’s unknown, although his height be taken.
Love’s not Time’s fool, though rosy lips and cheeks
Within his bending sickle’s compass come:
Love alters not with his brief hours and weeks,
But bears it out even to the edge of doom.
——If this be error and upon me proved,
——I never write, nor no man ever loved.