Poemas inteligentes

Dos leitores

Há leitores que acham bom tudo o que a gente escreve. Há outros que sempre acham que poderia ser melhor. Mas, na verdade, até hoje não pude saber qual das duas espécies irrita mais.

Mario Quintana
Caderno H. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

Domingo
O tédio e a diversão múltipla dos domingo amam entrelaçar-se.

( In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.)

“Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança”.

(Trecho dos versos publicados originalmente no livro "Sentimento do Mundo", Irmãos Pongetti - Rio de Janeiro, 1940. Foram extraídos do livro "Nova Reunião", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1985, pág. 78.)

Fisiognomia
Há longos narizes pensativos que parecem estar pescando. São uns introvertidos, uns inofensivos... O diabo são esses narizinhos arrebitados, sempre se dando conta de tudo.

(in: Da Preguiça como Método de Trabalho, 1987.)

A palidez do dia é levemente dourada.
O sol de Inverno faz luzir como orvalho as curvas
Dos troncos de ramos secos.
O frio leve treme.

Fernando Pessoa
REIS, Ricardo. Odes de Ricardo Reis. Lisboa: Ática, 1946.

"Pus meus sapatos na janela alta, sobre o rebordo.
Céu é o que lhes falta pra suportarem a existência rude.
E lá, imóveis eles sonham
Que são dois velhos barcos abandonados
À margem tranquila de um açude."

“Porque a poesia purifica a alma
...e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!”

Texto extraído do livro "Nova Antologia Poética", Editora Globo - São Paulo, 1998, pág. 105.

Ator

O ator é metade gente metade personagem,
não se distinguindo bem as metades.

Carlos Drummond de Andrade
O avesso das coisas: aforismos. Rio de Janeiro: Record, 1990.

Conhecimento
Mantemos reserva para com o desconhecido,
esquecendo que não nos conhecemos a nós mesmos.

( In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.)

“Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é”.

( Alberto Caeiro [Heterônimo de Fernando Pessoa], In Poemas Inconjuntos - In Poesia, Assírio e Alvim, ed. Fernando Cabral Martins, Richard Zenith, 2001.)

Mas eu não tenho problemas; tenho só mistérios.

Todos choram as minhas lágrimas, porque as minhas lágrimas são todos.
Todos sofrem no meu coração, porque o meu coração é tudo.

( Álvaro de Campos [Heterônimo de Fernando Pessoa], In Poesia, Assírio e Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002.)

“Enquanto isso, Deus, que afinal é clemente, Põe-se a cogitar na criação. em outro mundo, De uma nova humanidade - sem livre-arbítrio”...

(trecho do livro em PDF: Baú de Espantos)

Não faças como alguns desses pastores que aconselham aos outros o caminho do céu, cheio de abrolhos, enquanto eles seguem ledos a estrada dos prazeres, sem dos próprios conselhos se lembrarem.

(Hamlet)

Mas todas suas iras são de Amor;
todos os seus males são um bem,
que eu por todo outro bem não trocaria.

Todo o prazer é um vício, porque buscar o prazer é o que todos fazem na vida, e o único vício negro é fazer o que toda a gente faz.

Fernando Pessoa, in Livro do desassossego

"Muitas coisas se dizem, que não deviam ser ditas; muitas outras se calam, que não mereciam calar-se.
As palavras são as mesmas, em um e outro caso; só a conveniência delas, na circunstância, é que varia.
E na variação, fica o dito por não dito.
A menos que o convicto (ou o teimoso) diga: “Digo e repito”.

(Carlos Drummond de Andrade, no livro “Os dias lindos”. São Paulo: Companhia das Letras, 2013)

Cais, às vezes, afundas
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.

Meu amor, o que encontras
em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?

Não acharás, amor,
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.

Nunca supus que isto que chamam morte
Tivesse qualquer espécie de sentido...
Cada um de nós, aqui aparecido,
Onde manda a lei e a falsa sorte,

Tem só uma demora de passagem
Entre um comboio e outro, entroncamento
Chamado o mundo, ou a vida, ou o momento;
Mas, seja como for, segue a viagem.

Passei, embora num comboio expresso
Seguisses, e adiante do em que vou;
No términus de tudo, ao fim lá estou
Nessa ida que afinal é um regresso.

Porque na enorme gare onde Deus manda
Grandes acolhimentos se darão
Para cada prolixo coração
Que com seu próprio ser vive em demanda.

Hoje, falho de ti, sou dois a sós.
Há almas pares, as que conheceram
Onde os seres são almas.

Como éramos só um, falando! Nós
Éramos como um diálogo numa alma.
Não sei se dormes [...] calma,
Sei que, falho de ti, estou um a sós.

É como se esperasse eternamente
A tua vida certa e conhecida
Aí em baixo, no café Arcada —
Quase no extremo deste [...]

Aí onde escreveste aqueles versos
Do trapézio, doriu-nos [...]
Aquilo tudo que dizes no «Orpheu».

Ah, meu maior amigo, nunca mais
Na paisagem sepulta desta vida
Encontrarei uma alma tão querida
Às coisas que em meu ser são as reais.

[...]

Não mais, não mais, e desde que saíste
Desta prisão fechada que é o mundo,
Meu coração é inerte e infecundo
E o que sou é um sonho que está triste.

Porque há em nós, por mais que consigamos
Ser nós mesmos a sós sem nostalgia,
Um desejo de termos companhia —
O amigo como esse que a falar amamos.

Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.

Temos o direito constitucional...
...de escarnecer,...
...de ridicularizar,...
...de esclarecer,...
...de cultivar inimigos...
...e influenciar pessoas.