Poemas inteligentes

Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. (...) Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Nota: Trecho adaptado de Link

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E, se você me achar esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Ao Linotipista.

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Mas sentimentos são água de um instante. Em breve – como a mesma água já é outra quando o sol a deixa muito leve, e já outra quando se enerva tentando morder uma pedra, e outra ainda no pé que mergulha.

Clarice Lispector
A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho do conto A legião estrangeira.

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Inútil querer me classificar: eu simplesmente escapulo não deixando, gênero não me pega mais. Estou em um estado muito novo e verdadeiro, curioso de si mesmo, tão atraente e pessoal a ponto de não poder pintá-lo ou escrevê-lo. Parece com momentos que tive contigo, quando te amava, além dos quais não pude ir pois fui ao fundo dos momentos.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. (...) Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.

Clarice Lispector
Gotlib, Nádia B. Clarice: uma vida que se conta. São Paulo: Ática, 1995.

Nota: Último bilhete escrito no hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro, em 7 de dezembro de 1977.

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No fundo a gente não está querendo alterar as coisas, está querendo desabrochar de um modo ou de outro, né?

Clarice Lispector

Nota: Trecho de entrevista com Júlio Lerner para a TV Cultura, em 1977.

O que seria então aquela sensação de força contida, pronta para rebentar em violência, aquela sede de empregá-la de olhos fechados, inteira, com a segurança irrefletida de uma fera? Não era o mal apenas que alguém podia respirar sem medo, aceitando o ar e os pulmões? Nem o prazer me daria tanto prazer quanto o mal, pensava ela surpreendida. Sentia dentro de si um animal perfeito, cheio de inconsequências, de egoísmo e vitalidade.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem

Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Deus.

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Na hora do acontecimento não aproveito nada. E depois vem uma ilógica saudade. Mas é que o tempo presente, como a luz de uma estrela, só depois é que me atingirá em anos-luz. Na hora não chego a perceber do que se trata. Parece-me que só sou sensível e alerta na recordação. Quase que vivo, pois, no passado por não reconhecer a espécie de riqueza do momento atual.
O esquecimento das coisas é minha válvula de escape. Esqueço muito por necessidade. Inclusive estou tentando e conseguindo esquecer-me de mim mesmo, de mim minutos antes, de mim esqueço o meu futuro. Sou nu.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Escrever é o mesmo processo do ato de sonhar: vão-se formando imagens, cores, atos, e sobretudo uma atmosfera de sonho que parece uma cor e não uma palavra.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Do indivíduo temos que partir, ainda que seja para o abandonar.

(Aforismos e afins)

A diferença entre Deus e nós deve ser não de atributos, mas da própria essência do ser. Ora tudo é o que é. Portanto Deus é não só o que é mas também o que não é. Confunde-nos de Si com isso.

(Aforismos e afins)

Be complete in everything, for to be complete in anything is to be right. All roads arrive at the same place.

Sê inteiro em cada coisa, pois ser inteiro em qualquer coisa é estar certo. Todos os caminhos vão dar ao mesmo lugar.

(Aforismos e afins)

Tudo quanto o homem expõe ou exprime é uma nota à margem de um texto apagado de todo.
Mais ou menos, pelo sentido da nota, tiramos o sentido que havia de ser o do texto; mas fica sempre uma dúvida, e os sentidos possíveis são muitos.

[Bernardo Soares]

Adultério
No adultério há pelo menos três pessoas que se enganam.
- Carlos Drummond de Andrade, In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.

"Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?".
(Poema em linha reta)

“Tenho da vida uma náusea vaga, e o movimento acentua-ma”.

“A vida, para mim, é uma sonolência que não chega ao cérebro. Esse conservo eu livre para que nele possa ser triste”.

(Do livro do Desassossego - PDF – Bernado Soares)

Agora que sinto amor
Tenho interesse nos perfumes.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.

( Alberto Caeiro [Heterônimo de Fernando Pessoa], In O Pastor Amoroso)

Ah! Ser indiferente!
É do alto do poder da sua indiferença
Que os chefes dos chefes dominam o mundo.

(Álvaro de Campos [Heterônimo de Fernando Pessoa], (escrito em 12.1.1935), In Poesia)

Vida
Só a poesia possui as coisas vivas. O resto é necropsia.

( in: Caderno H, (1945-1973), Porto Alegre: Editora Globo, 1973.)