Poemas inteligentes

Na hora, pensei que um dos encantos da velhice são as provocações que as amigas jovens se permitem, achando que a gente está fora do jogo.

É como se você estivesse pegando fogo por dentro.
A lua vive no forro de sua pele.

A solidão desola-me; a companhia oprime-me. A presença de outra pessoa descaminha-me os pensamentos; sonho a sua presença com uma distracção especial, que toda a minha atenção analítica não consegue definir.

Fico com medo de me afastar da Ordem e cair no abismo povoado de gritos: o Inferno da liberdade. Mas continuarei.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Por falta de quem lhe respondesse ela mesma parecia se ter respondido: é assim porque é assim.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

"Aquilo que, creio, produz em mim o sentimento profundo, em que vivo, de incongruência com os outros, é que a maioria pensa com a sensibilidade, e eu sinto com o pensamento."

(Pórcia:) Como as demais paixões dissipa o vento: o desespero, o dúbio pensamento, o pálido cuidado, o medo incerto! Modera, amor, esse êxtase! Liberto te mostres de exagero. Que a alegria não chova sobre mim em demasia. Tuas bênçãos me deixam atordoada; tem mão nelas. Receio inanimada vir a ficar, de excesso.

(...) até que um dia, por astúcia ou acaso, depois de quase todos os enganos, ela descobriu a porta do labirinto. (...) nada de ir tateando os muros como um cego. Nada de muros. Seus passos tinham - enfim! – a liberdade de traçar seus próprios labirintos.

“Não basta o que a vida ensina, pois como mestra a vida ensina mal: é demorada, insuficiente, especula com os dados de seu interesse imediato e muito se inclina a acomodar-se. Ela por si não larga segredos. O fundamental consiste em que cada um aprenda como as coisas são. Nesse aprendizado, sucessão de atos de coragem e dureza, principalmente coragem de fechar as portas ao erro que foi verdade, encontra-se a justificativa mais ilustre da existência humana”.

Se fosse criatura que se exprimisse diria: o mundo é fora de mim, eu sou fora de mim.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não.

Fernando Pessoa
Aforismos e afins. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal. Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco. Ter consciência dela e ela ser pequena é ser desiludido. Ter consciência dela e ela ser grande é ser gênio.
(Aforismos e afins)

Às vezes só a mentira salva. Então, no dia seguinte, quando as quatro Marias cansadas foram trabalhar, ela teve pela primeira vez na vida uma coisa a mais preciosa: a solidão. Tinha um quarto só para ela. Mal acreditava que usufruía o espaço. E nem uma palavra era ouvida. Então dançou num ato de absoluta coragem, pois a tia não a entenderia. Dançava e rodopiava porque ao estar sozinha se tornava: l-i-v-r-e! Usufruía de tudo, da arduamente conseguida solidão, do rádio de pilha tocando o mais alto possível, da vastidão do quarto sem as Marias. Arrumou, como pedido de favor, um pouco de café solúvel com a dona dos quartos, e, ainda como favor, pediu-lhe água fervendo, tomou tudo se lambendo e diante do espelho para nada perder de si mesma. Encontrar-se consigo própria era um bem que ela até então não conhecia. Acho que nunca fui tão contente na vida, pensou. Não devia nada a ninguém e ninguém lhe devia nada. Até deu-se ao luxo de ter tédio — um tédio até muito distinto.

Clarice Lispector

Nota: Nota feita pela própria Clarice no 117º parágrafo do livro "A hora da estrela".

Quero apenas ver você, sentir você, pegar em você como se pega num objeto precioso. Ter mais uma vez (a última?) a sensação de que você é uma admirável criação da natureza ou do demônio, uma coisa diferente de todas as coisas.

Não há homem ou mulher que por acaso não se tenha olhado ao espelho e se surpreendido consigo próprio. Por uma fração de segundo a gente se vê como a um objeto a ser olhado. A isto se chama talvez de narcisismo, mas eu chamaria de: alegria de ser. Alegria de encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não me imaginei, eu existo.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica A surpresa.

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Quem não quiser sofrer que se isole. Feche as portas da sua alma quanto possível à luz do convívio.

O Brasil não irá crescer enquanto os homens de terno agirem cada vez mais como crianças, e as crianças com uniformes querendo agir como adultos de terno cada vez mais cedo.

A roupa não é só cartão de visita, é carta aberta para ser lida até por analfabetos.

Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a consciência do meu corpo, que sou a criança triste em quem a vida bateu.

Ele disse: não chore que chorar enfraquece. Eu disse: mas às vezes é como a chuva de que se precisa quando tem estiagem demais e tudo fica muito seco.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Um instante fugaz.

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