Poemas inteligentes

Com duas pessoas eu já entrei em comunicação tão forte que deixei de existir, sendo. Como explicar? Olhávamo-nos nos olhos e não dizíamos nada, e eu era a outra pessoa e a outra pessoa era eu. É tão difícil falar, é tão difícil dizer coisas que não podem ser ditas, é tão silencioso. Como traduzir o profundo silêncio do encontro entre duas almas? E dificílimo contar: nós estávamos nos olhando fixamente, e assim ficamos por uns instantes. Éramos um só ser. Esses momentos são o meu segredo. Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo isso de: estado agudo de felicidade. Estou terrivelmente lúcida e parece que estou atingindo um plano mais alto de humanidade. Foram os momentos mais altos que jamais tive.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Ao correr da máquina.

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As sociedades são conduzidas por agitadores de sentimentos, não por agitadores de ideias. Nenhum filósofo fez caminho senão porque serviu, em todo ou em parte, uma religião, uma política ou outro qualquer modo social do sentimento.
Se a obra de investigação, em matéria social, é portanto socialmente inútil, salvo como arte e no que contiver de arte, mais vale empregar o que em nós haja de esforço em fazer arte, do que em fazer meia arte.

Inserida por kellylauro

GRACIANO - O de bobo farei. Que entre folguedos e risadas as velhas rugas cheguem. Prefiro o fígado aquecer com vinho, a esfriar o peito com gemidos lúgubres. Se o sangue temos quente, por que causa deveremos ficar imóveis como nossos antepassados de alabastro? dormir de pé, ficar com icterícia só de não fazer nada? Escuta, Antônio - dedico-te afeição; ela é que fala -pessoas há, cuja fisionomia se enruga e enturva como uma lagoa parada, e que a toda hora se retraem num silêncio obstinado, só com o fito de aparência envergarem de profunda sabedoria, gravidade e senso, como quem diz: "Eu sou o senhor Oráculo; quando eu falar, nenhum cachorro ladre!" Conheço, caro Antônio, muita gente que é tida como sábia, tão-somente por não dizerem nada, quando é certo que, se a falar chegassem, os ouvintes condenariam, por levá-los, logo, a dar o nome, ao próximo, de tolos. De outra vez falaremos mais sobre isso. Mas com isca assim triste não me pesques semelhante opinião, pois como engodo, só serve para os tolos. Vem, bondoso Lourenço. Por enquanto, passai bem. Depois da ceia acabarei a prédica.

Inserida por pandavonteese

"Nada me comove que se diga, de um homem que tenho por louco ou néscio, que supera a um homem vulgar em muitos casos e conseguimentos da vida. Os epiléticos são, na crise, fortíssimos; os paranóicos raciocinam como poucos homens normais conseguem discorrer; os delirantes com mania religiosa agregam multidões de crentes como poucos se alguns) demagogos as agregam, e com uma força íntima que estes não logram dar aos seus sequazes. E isto tudo não prova senão que a loucura é loucura. Prefiro a derrota com o conhecimento da beleza das flores, que a vitória no meio dos desertos, cheia da cegueira da alma a sós com a sua nulidade separada." (Livro do desassossego)

Inserida por maisaalana

Tornamo-nos esfinges, ainda que falsas, até chegarmos ao ponto de já não sabermos quem somos. Porque, de resto, nós o que somos é esfinges falsas e não sabemos o que somos realmente.

Inserida por RobertoCodax

Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir — é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida.
Apagar tudo do quadro de um dia para o outro, ser novo com cada nova madrugada, numa revirgindade perpétua da emoção — isto, e só isto, vale a pena ser ou ter, para ser ou ter o que imperfeitamente somos.

Fernando Pessoa
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol. I.
Inserida por glanz

O Sonho é a Pior das Cocaínas O sonho é a pior das cocaínas, porque é a mais natural de todas. Assim se insinua nos hábitos com a facilidade que uma das outras não tem, se prova sem se querer, como um veneno dado. Não dói, não descora, não abate – mas a alma que dele usa fica incurável, porque não há maneira de se separar do seu veneno, que é ela mesma.

Inserida por amargarita

Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: "cê tá boa?" Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa, é como perguntar a um peixe se ele sabe nadar. Desnecessário.

Inserida por lzs

Mesmo a circunstância de eu ir publicar um livro vem alterar a minha vida. Perco uma coisa - o ser inédito.

Inserida por adetunedradio

Assim éramos nós obscuradamente dois, nenhum de nós sabendo bem se o outro não era ele-próprio, se o incerto outro viveria...

Inserida por adetunedradio

Todo o homem de hoje, em quem a estatura moral e o relevo intelectual não sejam de pigmeu ou de charro, ama, quando ama, com o amor romântico. O amor romântico é um produto extremo de séculos sobre séculos de influência cristã; e, tanto quanto à sua substância, como quanto à sequência do seu desenvolvimento, pode ser dado a conhecer a quem não o perceba comparando-o com uma veste, ou traje, que a alma ou a imaginação fabriquem para com ele vestir as criaturas, que acaso apareçam, e o espírito ache que lhes cabe. Mas todo o traje, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e em breve, sob a veste do ideal que formamos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em quem o vestimos. O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceite desde o princípio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida.

Inserida por DouglasLemos

O mistério do destino humano é que somos fatais, mas temos a liberdade de cumprir ou não o nosso fatal: de nós depende realizarmos o nosso destino fatal.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
Inserida por eduardarocha

Ela se afasta fazendo uma trancinha nos cabelos escorridos. Nunca nunca nunca sim sim, canta baixinho. Aprendeu a trançar um dia desses.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
Inserida por tham

Tudo o que mais valia exatamente ela não podia contar. Só falava tolices com as pessoas. Quando dizia a Rute, por exemplo, alguns segredos, ficava depois com raiva de Rute. O melhor era mesmo calar.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
Inserida por tham

Fazia de conta que ela era uma mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que fiava com fios de ouro as sensações, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate, e que ela não estivesse pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, (...) faz de conta que ela não ficava de braços caídos de perplexidade quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, (...) faz de conta que tudo o que tinha não era faz de conta (...)

Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
Inserida por tham

Embora às vezes grite: não quero mais ser eu!! mas eu me grudo a mim e inextricavelmente forma-se uma tessitura de vida.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.
Inserida por gabipinho

Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada.

Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
Inserida por gabipinho

(...) tem toda a iluminação feérica – e ao mesmo tempo que se habitua lenta e muda e majestosa e delicadíssima e fatal – em ser mulher – é modesta demais para sê-lo, é fugaz demais para ser definida. Ela me contou que na rua dirigiu-se a um guarda – e explicou que assim fez porque ele devia saber das coisas e ainda por cima estava armado, o que infunde respeito a ela. Falou assim para o guarda: o senhor pode me informar, por obséquio, quando começa a primavera?

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.
Inserida por tham

O que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente sente e usa a palavra que o exprima.
É pouco, é muito pouco.

Clarice Lispector
Gotlib, Nádia B. Clarice: uma vida que se conta. São Paulo: Ática, 1995.
Inserida por thaseries

É bom. Sobretudo porque a mulher sabe que está sendo bom para ele: é depois de grandes jornadas e de grandes lutas que ele enfim compreende que precisa se ajoelhar diante da mulher. E, depois, é bom porque a cabeça do homem fica perto dos joelhos da mulher e perto de suas mãos, no seu colo, que é sua parte mais quente. E ela pode fazer o seu melhor gesto: nas mãos, que ficam a um tempo frementes e firmes, pegar aquela cabeça cansada que é fruto entre seu e dela.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Crônica Homem se ajoelhar.

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Inserida por thaseries