Poemas Góticos

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A respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Silêncio

Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
até que noutra música emudece,
brota do fundo do silêncio
outro silêncio, aguda torre, espada,
e sobe e cresce e nos suspende
e enquanto sobe caem
recordações, esperanças,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e na garganta
o grito se desvanece:
desembocamos no silêncio
onde os silêncios emudecem.

Eu quero fazer silêncio
Um silêncio tão doente
Do vizinho reclamar
E chamar polícia e médico
E o síndico do meu tédio
Pedindo pra eu cantar

Falar

A poesia é, de fato, o fruto
de um silêncio que sou eu, sois vós,
por isso tenho que baixar a voz
porque, se falo alto, não me escuto.

A poesia é, na verdade, uma
fala ao revés da fala,
como um silêncio que o poeta exuma
do pó, a voz que jaz embaixo
do falar e no falar se cala.

Por isso o poeta tem que falar baixo
baixo quase sem fala em suma
mesmo que não se ouça coisa alguma.

CINCO COISAS

Quando um dia eu for embora
Quando então me despedir
Pedirei apenas silêncio

E mais cinco coisas
Minhas cinco verdades perfeitas
Cinco coisas e nada mais.

A primeira é o amor sem fim
Amor pelas pessoas
Pelas árvores pelas flores
Amor pelos animais.

A segunda é rever o outono
Com suas folhas sopradas
Sobre a terra à qual voltaremos.

A terceira é o inverno rigoroso
A chuva que amei, o calor do fogo
A aquecer nossas noites eternas.

Em quarto lugar, o verão ardente
Redonda fruta vermelha
Pairando sobre o meu paladar.

A última coisa que eu peço
São teus olhos, meu amor,
Não quero dormir sem os olhos teus
Não posso viver sem o teu olhar
Eu trocaria o sol da primavera
Para que continuasses me olhando.

Isso, enfim, o que mais quero
É quase nada e quase tudo.

Pablo Neruda

Nota: Adaptação de trechos do poema "Peço silêncio" de Pablo Neruda

Teus Olhos

Teus olhos são a pátria do relâmpago e da lágrima,
silêncio que fala,
tempestades sem vento, mar sem ondas,
pássaros presos, douradas feras adormecidas,
topázios ímpios como a verdade,
outono numa clareira de bosque onde a luz canta no ombro
duma árvore e são pássaros todas as folhas,
praia que a manhã encontra constelada de olhos,
cesta de frutos de fogo,
mentira que alimenta,
espelhos deste mundo, portas do além,
pulsação tranquila do mar ao meio-dia,
universo que estremece,
paisagem solitária.

Quero a loucura da saudade.
Quero o descontentamento que me faz grunhir
no silêncio das madrugadas, quando o cheiro
de dama-da-noite quase me sufoca no quarto.
A janela fechada não me protege da vida.
Não me importo.
Há mais perigos dentro do que fora de mim.

Os Skatistas

Silêncio, por favor, enquanto assisto o movimento dos rapazes com seus skates.
Quem vê suas roupas largas, com calças maiores que as pernas, não se engane , não é despojo - é para que caiba a grandeza que há em cada um deles...
Chegam em grupo, mas bem poderiam vir sozinhos, por que cada um vive seu momento ao mesmo tempo e independente dos outros. São incansáveis em repetir mil vezes a mesma manobra, às vezes cometendo mil vezes o mesmo erro, mas eles persistem, não se entregam ao erro - perseguem por instinto ou obstinação a perfeição.
O Skatista sabe que é preciso treino, aperfeiçoamento constante para conseguir a manobra perfeita, e querem conseguir exclusivamente o seu melhor, por que não há competição entre eles. Naquele instante, são apenas o Skatista, o chão, o ar, e o skate.
Em cada obstáculo tem-se um novo desafio, um limite a ser superado, um vencer o medo a cada instante. A cada segundo a sabedoria para hora ousar, hora manter o equilíbrio. O Skatista não tem medo de machucar-se, não tem medo da queda - O Skatista entrega-se. Corre, salta, cai.
Nenhum de seus companheiros manifesta-se ou estende a mão. O silêncio é sinal de respeito e eles sabem que o outro é capaz de levantar-se sozinho. Cair faz parte da vida, e não importa quantas vezes caiam ou se machuquem, eles levantarão e tentarão outra vez.
Não, ninguém jamais os ensinou coisa alguma. O Skatista apenas sente que dentro dele existe uma força enorme para realizar feitos incríveis, e em suas manobras e peripécias vão nos dizendo do jeito deles que por mais que erremos ou machuquemo-nos no caminho, devemos tentar sempre, por que, como eles, todos nós somos grandes, mas muitas vezes deixamos de acreditar nisto...

As vezes no silêncio da noite
Eu fico imaginando nós dois
Eu fico ali sonhando acordado
Juntando o antes, o agora e o depois.

Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar
(...)
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você

Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo.

Bíblia Sagrada
Salmos 23:4.

Ela refletia tudo sem nunca refletir, e que, com tanto silêncio e sombra, conseguia ficar à altura de qualquer luz.

Poeta, por que choras?
Que triste melancolia.
É que minh’alma ignora
O esplendor da alegria.
Este sorriso que em mim emana,
A minha própria alma engana

As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Carlos Drummond de Andrade
"Amar se aprende amando". Rio de Janeiro: Record. 1985.

A UM AUSENTE

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

Carlos Drummond de Andrade
"Farewell". Rio de Janeiro: Editora Record, 1996.

Deus costuma usar a solidão
Para nos ensinar sobre a convivência.
Às vezes, usa a raiva para que possamos
Compreender o infinito valor da paz.
Outras vezes usa o tédio, quando quer
nos mostrar a importância da aventura e do abandono.
Deus costuma usar o silêncio para nos ensinar
sobre a responsabilidade do que dizemos.
Às vezes usa o cansaço, para que possamos
Compreender o valor do despertar.
Outras vezes usa a doença, quando quer
Nos mostrar a importância da saúde.
Deus costuma usar o fogo,
para nos ensinar a andar sobre a água.
Às vezes, usa a terra, para que possamos
Compreender o valor do ar.
Outras vezes usa a morte, quando quer
Nos mostrar a importância da vida.

Paulo Coelho

Nota: Trecho adaptado do livro "Manual do Guerreiro da Luz".

Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.

Cecília Meireles
MEIRELES, C. Poesia completa: Volume 1. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001.

O que temer? Nada.
A quem temer? Ninguém.
Por quê? Porque aqueles que se unem a Deus obtêm três grandes privilégios: onipotência sem poder; embriaguez, sem vinho; e vida sem morte.

Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio, quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante.
Morre lentamente, quem abandona um projeto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um feito muito maior que o simples fato de respirar. Somente a ardente paciência fará com que conquistemos uma esplêndida felicidade.

Martha Medeiros

Nota: Adaptação de trechos da crônica "A Morte Devagar", de Martha Medeiros. Muitas vezes é erroneamente atribuída a Pablo Neruda.

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Esta vida é uma estranha hospedaria,
De onde se parte quase sempre às tontas,
Pois nunca as nossas malas estão prontas,
E a nossa conta nunca está em dia.