Poemas Famosos de Amor

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AMOR
1985 - AMAR SE APRENDE AMANDO


O ser busca o outro ser, e ao conhecê-lo
acha a razão de ser, já dividido.
São dois em um: amor, sublime selo
que à vida imprime cor, graça e sentido.

"Amor" - eu disse - e floriu uma rosa
embalsamando a tarde melodiosa
no canto mais oculto do jardim,
mas seu perfume não chegou a mim.

Ai, ai, que olhos pôs-me o amor no rosto,
Que não se ligam com a real visão!
Se ligam, onde foi o juízo posto
Que ao certo lança falsa acusação?
Se o que meu falso olhar ama é bonito
Que meios tem o mundo pra o negar?
E se o não for, pelo amor fica dito
Que o olhar do mundo vence o de se amar.
Como pode do Amor o olhar ser justo
Se entre vigília e pranto ele se verga?
E nem espanta o olhar errar de susto
Se sem céu claro nem o sol enxerga.
Esperto amor, com pranto a me cegar
Pra cobrir erros quando o amor olhar.

O amor quer a posse, mas não sabe o que é a posse. Se eu não sou meu, como serei teu, ou tu minha? Se não possuo o meu próprio ser, como possuirei um ser alheio? Se sou já diferente daquele de quem sou idêntico, como serei idêntico daquele de quem sou diferente? O amor é um misticismo que quer praticar-se, uma impossibilidade que só é sonhada como devendo ser realizada.

in O Rio da Posse

A flor e seu nome

Mas o que impressiona mesmo no amor-perfeito é o nome. Que responsabilidade, meu filho! Há por aí uma planta chamada de amor-de-um-dia, que não carece muito esforço para ser e acontecer, como doidivanas. Outra atende por amor-das-onze-horas e presume-se como sua vida é folgada. Há também amor-de-vaqueiro, amor-de-hortelão, amor-de-moça, amor-de-negro... muitos amores vegetais que desempenham função limitada. Mas este aqui não tem área específica, não se dirige a grupo, ocasião, profissão. É absoluto, resume um ideal que vai além do poder das flores e dos seres humanos.
Que sentirá o amor-perfeito, sabendo-se assim nomeado? Que tristeza lhe transfixará o veludo das pétalas , ao sentir que os homens que tal apelação lhe dera não são absolutamente perfeitos em seus amores? Que aquele substantivo, casado a este adjetivo, sugere mais aspiração infrutífera da alma do que modelo identificável no cotidiano?
A tais perguntas o sóbrio amor-perfeito não responde. O outono tampouco. Talvez seja melhor não haver resposta.

Que nunca te arrependas pelo amor dado,
faz parte da vida arriscar-se por um sonho...
Porque se não fosse assim, nunca teríamos sonhado.
Mas, antes de tudo, que você saiba que tem aliado,
ele se chama TEMPO... seu melhor amigo.
Só ele pode dar todas as certezas do amanhã.
A certeza que... realmente você amou.
A certeza que... realmente você foi amada.

O seu santo nome

Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.

Carlos Drummond de Andrade
Andrade, C. D. Corpo, Record, 1984

Balada do amor através das idades

Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
Matei, brigamos, morremos.
Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.

Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria de meu bergantim.
Mas quando ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal-da-cruz
e rasgou o pito a punhal..
Me suicidei também.

Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira..
Pulei o muro do convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.

Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.

E sou meu próprio frio que me fecho
longe do amor desabitado e líquido,
amor em que me amaram, me feriram
sete vezes por dia em sete dias
de sete vidas de ouro,
amor, fonte de eterno frio

Quanto a mim o amor passou...
Eu só lhe peço que não faça... Como gente vulgar...
E não me volte à cara quando passa por si...
Nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor...
Fiquemos um perante o outro...
Como dois conhecidos desde a infância...
Que se amaram por quando meninos...
Embora na vida adulta sigam outras afeições...
Conservam nos caminhos da alma...
A memória de seu amor antigo...
E inútil...

Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo.
Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros)...
Sinto crenças que não tenho.
Enlevam-me ânsias que repudio.
A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me ponta
traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha,
nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo.
Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos
que torcem para reflexões falsas
uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente árvore (?) e até a flor,
eu sinto-me vários seres.
Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente,
como se o meu ser participasse de todos os homens,
incompletamente de cada (?),
por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço.

Fernando Pessoa
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Lisboa: Ática. 1966. p. 93

VERBO SER

Que vai ser quando crescer? vivem perguntando em redor. Que é ser? É ter um corpo, um jeito, um nome? Tenho os três. E sou? Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito? Ou a gente só principia a ser quando cresce? É terrível, ser? Dói? É bom? É triste? Ser: pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas? Repito: ser, ser, ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado a? Posso escolher? Não dá para entender. Não vou ser. Não quero ser. Vou crescer assim mesmo. Sem ser. Esquecer.

Carlos Drummond de Andrade
"Obra poética", Volumes 4-6. Lisboa: Publicações Europa-América, 1989.

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Carlos Drummond de Andrade
Poesia até agora. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1948.

A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou.
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Fernando Pessoa
Novas poesias inéditas. Lisboa: Ática, 1973.

(...) Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...

Fernando Pessoa
“O Guardador de Rebanhos”. In: Poemas de Alberto Caeiro. Lisboa: Ática, 1946.

Quando te vi amei-te já muito antes
Tornei a achar-te quando te encontrei.
Nasci pra ti antes de haver o mundo

~ Soneto 29 ~

Quando, malquisto da fortuna e do homem,
Comigo a sós lamento o meu estado,
E lanço aos céus os ais que me consomem,
E olhando para mim maldigo o fado;

Vendo outro ser mais rico de esperança,
Invejando seu porte e os seus amigos;
Se invejo de um a arte, outro a bonança,
Descontente dos sonhos mais antigos;

Se, desprezado e cheio de amargura,
Penso um momento em vós logo, feliz,
Como a ave que abre as asas para a altura,

Esqueço a lama que o meu ser maldiz:
Pois tão doce é lembrar o que valeis
Que está sorte eu não troco nem com reis.

Quando te vi, amei-te já muito antes.
Tornei a achar-te quando te encontrei.
Nasci pra ti antes de haver o mundo.
Não há coisa feliz ou hora alegre
Que eu tenha tido pela vida fora,
Que não o fosse porque te previa,
Porque dormias nela tu futuro.

Fernando Pessoa
Fausto – Tragédia Subjectiva. Lisboa: Presença, 1988.

Nota: Trecho do poema MARIA: Amo como o amor ama.

...Mais

Quando a hora dobra em triste e tardo toque
E em noite horrenda vejo escoar-se o dia,
Quando vejo esvair-se a violeta, ou que
A prata a preta tempora assedia;

Quando vejo sem folha o tronco antigo
Que ao rebanho estendia a sobra franca
E em feixe atado agora o vejo trigo
Seguir o carro, a barba hirsuta e branca;

Sobre tua beleza então questiono
Que há de sofrer do Tempo a dura prova,
Pois as graças do mundo em abandono

Morrem ao ver nascer a graça nova.
Contra a foice do tempo é vão combate
Salvo a prole, que o enfrenta se te abate.

Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

Quando estou só reconheço

Quando estou só reconheço
Se por momentos me esqueço
Que existo entre outros que são
Como eu sós, salvo que estão
Alheados desde o começo.

E se sinto quanto estou
Verdadeiramente só,
Sinto-me livre mas triste.
Vou livre para onde vou,
Mas onde vou nada existe.

Creio contudo que a vida
Devidamente entendida
É toda assim, toda assim.
Por isso passo por mim
Como por cousa esquecida.