Poemas Fáceis de Decorar
A Um Ausente
Tenho razão de sentir saudade
tenho razão de te recusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
(...) - Não lhe assustam meus caprichos e eletricidades?
- Se eu os adoro! respondeu Seixas.
- Não lhe parece difícil fazer a felicidade de um coração desabusado como este meu, e tão aflingido pela dúvida?
- Tenho fé no meu amor; Com ele vencerei o impossível.(...)
Você compreende, sem alimento, depois de três dias de marcha, meu coração não devia estar batendo com muita força...
Pois em certo momento, quando eu progredia ao longo de uma encosta vertical, cavando buracos para enfiar as mãos, o coração me caiu em pane...
Hesitou, deu mais uma batida... Uma batida estranha... Senti que se ele hesitasse um segundo mais seria o fim.
Fiquei imóvel, escutando...nunca - está ouvindo? - nunca, num avião, me senti tão preso ao ruído do motor como, naquele momento, às batidas do meu próprio coração.
E eu lhe dizia: Vamos, força! Veja se bate mais... Hesitava mas depois recomeçava, sempre...
Se você soubesse como tive orgulho do meu coração!
(Terra dos Homens)
Capítulo VIII
Razão contra Sandice
Já o leitor compreendeu que era a Razão que voltava à casa, e convidava a Sandice a sair, clamando, e com melhor jus, as palavras de Tartufo:
La maison est à moi, c´est à vous d'en sortir.
Mas é sestro antigo da Sandice criar amor às casas alheias, de modo que, apenas senhora de uma, dificilmente lha farão despejar. É sestro; não se tira daí; há muito que lhe calejou a vergonha. Agora, se advertirmos no imenso número de casas que ocupa, umas de vez, outras durante as suas estações calmosas, concluiremos que esta amável peregrina é o terror dos proprietários. No nosso caso, houve quase um distúrbio à porta do meu cérebro, porque a adventícia não queria entregar a casa, e a dona não cedia da intenção de tomar o que era seu. Afinal, já a Sandice se contentava com um cantinho no sótão.
– Não, senhora, replicou a Razão, estou cansada de lhe ceder sótãos, cansada e experimentada, o que você quer é passar mansamente do sótão à sala de jantar, daí à de visitas e ao resto.
– Está bem, deixe-me ficar algum tempo mais, estou na pista de um mistério...
– Que mistério?
– De dois, emendou a Sandice; o da vida e o da morte; peço-lhe só uns dez minutos.
A Razão pôs-se a rir.
– Hás de ser sempre a mesma coisa... sempre a mesma coisa... sempre a mesma coisa...
E dizendo isto, travou-lhe dos pulsos e arrastou-a para fora; depois entrou e fechou-se. A Sandice ainda gemeu algumas súplicas, grunhiu algumas zangas; mas desenganou-se depressa, deitou a língua de fora, em ar de surriada, e foi andando...
Havia
uma palavra
no escuro.
Minúscula. Ignorada.
Martelava no escuro.
Martelava
no chão da água.
Do fundo do tempo,
martelava.
contra o muro.
Uma palavra.
No escuro.
Que me chamava.
De repente do riso fez-se o pranto
silencioso e branco como a bruma
e das bocas unidas fez-se a espuma
e das mãos espalmadas fez-se o espanto
de repente da calma fez-se o vento
que dos olhos desfez a última chama
e da paixão fez-se o pressentimento
"Não desperdiça seu tempo
Querendo ser flor antes da hora.
Cumpre o ritual de existir,
Compreendendo-se em cada etapa".
que pode uma criatura senão,entre criaturas,amar?
Amar e esquecer,Amar,desamar,amar?
Sempre,e até de olhos vidrados,amar?...
Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência herdada, ouvida.
Amor começa tarde.
Não interprete ao pé da letra. Pelo corpo do texto estão as partes que compõem o sentido.
Esta regra vale para as relações humanas. É no conjunto dos detalhes que nos revelamos.
Mas na revelação há sempre a prevalência do mistério, o que no outro nunca é acessível.
A Hermenêutica é sempre bem vinda.
Eu estava sonhando.
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
"Neste país é proibido sonhar".
Ainsi toujours poussés vers de nouveaux rivages,
Dans la nuit éternelle emportés sans retour,
Ne pourrons-nous jamais sur l'océan des âges
Jeter l'ancre un seul jour?
Sociedade
O homem disse para o amigo:
- Breve irei a tua casa
e levarei minha mulher.
O amigo enfeitou a casa
e quando o homem chegou com a mulher,
soltou uma dúzia de foguetes.
O homem comeu e bebeu.
A mulher bebeu e cantou.
Os dois dançaram.
O amigo estava muito satisfeito.
Quando foi a hora de sair,
o amigo disse para o homem:
- Breve irei a tua casa.
E apertou a mão dos dois.
No caminho o homem resmunga:
- Ora essa, era o que faltava.
E a mulher ajunta: - Que idiota.
- A casa é um ninho de pulgas.
- Reparaste o bife queimado ?
O piano ruim e a comida pouca.
E todas as quintas-feiras
eles voltavam à casa do amigo
que ainda não pôde retribuir a visita.
Além do amor
Se tu queres que eu não chore mais
Diga ao tempo que não passe mais
Chora o tempo o mesmo pranto meu
Ele e eu, tanto
Que só para não te entristecer
Que fazer, canto
Canto para que te lembres
Quando eu me for
Deixa-me chorar assim
Porque eu te amo
Dói a vida
Tanto em mim
Porque eu te amo
Beija até o fim
As minhas lágrimas de dor
Porque eu te amo, além do amor!
LÀ-BAS, JE NE SAIS OÙ...
Véspera de viagem, campainha...
Não me sobreavisem estridentemente!
Quero gozar o repouso da gare da alma que tenho
Antes de ver avançar para mim a chegada de ferro
Do comboio definitivo,
Antes de sentir a partida verdadeira nas goelas do estômago,
Antes de pôr no estribo um pé
Que nunca aprendeu a não ter emoção sempre que teve que partir.
Quero, neste momento, fumando no apeadeiro de hoje,
Estar ainda um bocado agarrado à velha vida.
Vida inútil, que era melhor deixar, que é uma cela?
Que importa? Todo o universo é uma cela, e o estar preso não tem que ver com o tamanho da cela.
Sabe-me a náusea próxima o cigarro. O comboio já partiu da outra estação...
Adeus, adeus, adeus, toda a gente que não veio despedir-se de mim,
Minha família abstracta e impossível...
Adeus dia de hoje, adeus apeadeiro de hoje, adeus vida, adeus vida!
Ficar como um volume rotulado esquecido,
Ao canto do resguardo de passageiros do outro lado da linha.
Ser encontrado pelo guarda casual depois da partida —
«E esta? Então não houve um tipo que deixou isto aqui?» —
Ficar só a pensar em partir,
Ficar e ter razão,
Ficar e morrer menos...
Vou para o futuro como para um exame difícil.
Se o comboio nunca chegasse e Deus tivesse pena de mim?
Já me vejo na estação até aqui simples metáfora.
Sou uma pessoa perfeitamente apresentável.
Vê-se — dizem — que tenho vivido no estrangeiro.
Os meus modos são de homem educado, evidentemente.
Pego na mala, rejeitando o moço, como a um vício vil.
E a mão com que pego na mala treme-me e a ela.
Partir!
Nunca voltarei.
Nunca voltarei porque nunca se volta.
O lugar a que se volta é sempre outro,
A gare a que se volta é outra.
Já não está a mesma gente, nem a mesma luz, nem a mesma filosofia.
Partir! Meus Deus, partir! Tenho medo de partir!...
E cada instante e diferente, e cada
homen é diferente, e somos todos iguais.
No mesmo ventre o escuro inicial, na mesma terra
o silêncio global, mas não seja logo.
"Vai, minha tristeza
E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece que ela regresse
Poque não posso mais sofrer."
A Felicidade Está no Realizar, e Não no Usufruir
Atolavam-se na ilusão da felicidade que extraíam dos bens possuídos. Ora a felicidade o que é senão o calor dos actos e o contentamento da criação? Aqueles que deixam de trocar seja o que for deles próprios e recebem de outrem o alimento, nem que fosse o mais bem escolhido e o mais delicado, aqueles que ouvem subtilmente os poemas alheios sem escreverem os poemas próprios, aproveitam-se do oásis sem o vivificarem, consomem cânticos que lhes fornecem, e fazem lembrar os que se apegam às mangedouras no estábulo e, reduzidos ao papel de gado, mostram-se prontos para a escravatura.
O principezinho, que me fazia milhares de perguntas, não parecia sequer escutar as minhas. Palavras pronunciadas ao acaso e que foram, pouco a pouco, revelando tudo.
[O Pequeno Principe cáp. III]