Poemas do Século XIX sobre Morte
Morrer é nada, passado,
Mas a vida inclui viver
A morte multiplicada – sem
O Alívio de morrer.
Beleza e Verdade
Morri pela beleza, mas apenas estava
Acomodada em meu túmulo,
Alguém que morrera pela verdade,
Era depositado no carneiro próximo.
Perguntou-me baixinho o que me matara.
– A beleza, respondi.
– A mim, a verdade, – é a mesma coisa,
Somos irmãos.
E assim, como parentes que uma noite se encontram,
Conversamos de jazigo a jazigo
Até que o musgo alcançou os nossos lábios
E cobriu os nossos nomes.
Uma palavra morre
Quando é dita —
Dir-se-ia —
Pois eu digo
Que ela nasce
Nesse dia.
Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Quem anda duzentos metros sem vontade
anda seguindo o próprio funeral
vestindo a própria mortalha...
A palavra morre
Quando é dita,
Alguém diz.
Eu digo que ela começa
A viver
Naquele dia.
Solitário
Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!
Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos contorta...
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!
Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
– Velho caixão a carregar destroços –
Levando apenas na tumba carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!
Soneto
Ao meu primeiro filho nascido morto com 7 meses incompletos. 2 fevereiro 1911.
Agregado infeliz de sangue e cal,
Fruto rubro de carne agonizante,
Filho da grande força fecundante
De minha brônzea trama neuronial,
Que poder embriológico fatal
Destruiu, com a sinergia de um gigante,
Em tua morfogênese de infante,
A minha morfogênese ancestral?!
Porção de minha plásmica substância,
Em que lugar irás passar a infância,
Tragicamente anônimo, a feder?!...
Ah! Possas tu dormir, feto esquecido,
Panteísticamente dissolvido
Na noumenalidade do NÃO SER!
A Avenida das Lágrimas
A um Poeta morto.
Quando a primeira vez a harmonia secreta
De uma lira acordou, gemendo, a terra inteira,
- Dentro do coração do primeiro poeta
Desabrochou a flor da lágrima primeira.
E o poeta sentiu os olhos rasos de água;
Subiu-lhe â boca, ansioso, o primeiro queixume:
Tinha nascido a flor da Paixão e da Mágoa,
Que possui, como a rosa, espinhos e perfume.
E na terra, por onde o sonhador passava,
Ia a roxa corola espalhando as sementes:
De modo que, a brilhar, pelo solo ficava
Uma vegetação de lágrimas ardentes.
Foi assim que se fez a Via Dolorosa,
A avenida ensombrada e triste da Saudade,
Onde se arrasta, à noite, a procissão chorosa
Dos órfãos do carinho e da felicidade.
Recalcando no peito os gritos e os soluços,
Tu conheceste bem essa longa avenida,
- Tu que, chorando em vão, te esfalfaste, de bruços,
Para, infeliz, galgar o Calvário da Vida.
Teu pé também deixou um sinal neste solo;
Também por este solo arrastaste o teu manto...
E, ó Musa, a harpa infeliz que sustinhas ao colo,
Passou para outras mãos, molhou-se de outro pranto.
Mas tua alma ficou, livre da desventura,
Docemente sonhando, as delícias da lua:
Entre as flores, agora, uma outra flor fulgura,
Guardando na corola uma lembrança tua...
O aroma dessa flor, que o teu martírio encerra,
Se imortalizará, pelas almas disperso:
- Porque purificou a torpeza da terra
Quem deixou sobre a terra uma lágrima e um verso.
Balada do Cárcere de Reading
(...)
Eu soube, então, a idéia lacerante
que o atormenta, e o faz correr,
e o faz olhar, tristonho, o céu radiante,
radiante, e alheio ao seu sofrer:
de matou aquela que adorava,
- por causa disso vai morrer.
No entanto (ouvi) cada um mata o que adora:
o seu amor, o seu ideal.
Alguns com uma palavra de lisonja,
outros com um duro olhar brutal,
O covarde assassina dando um beijo,
o bravo, mata com um punhal.
Uns matam o Amor, velhos; outros, jovens;
(quando o amor finda, ou o amor começa);
matam-no alguns com a mão do Ouro, e alguns
com a mão da Carne — a mão possessa!
E os mais bondosos, esses apunhalam,
- que a morte, assim, vem mais depressa.
Há corações vendidos, e há comprados;
uns amam, pouco, outros demais;
há quem mate a chorar, vertendo lágrimas,
ou a sorrir, sem dor, sem ais.
Todo homem mata o Amor; porém, nem sempre,
nem sempre as sortes são iguais."
(...)
A palavra morre no momento em que é proferida - dizem alguns. Eu digo que ela começa a viver naquele momento.
De manhã, eu tinha o olhar tão perdido e a postura tão morta, que aqueles que encontrei talvez não me vissem.
Esta é a grande vantagem da morte, que, se não deixa boca para rir, também não deixa olhos para chorar...
Eu que meditava ir ter com a morte, não ousei fitá-la quando ela veio ter comigo.
A maioria dos homens morre de uma espécie de senso comum rasteiro; e descobre, quando já é demasiado tarde, que as únicas coisas de que nunca nos arrependemos são as nossas tolices.
Então, se é digna de si mesma, não teima em espertar a lembrança morta ou expirante; não busca no olhar de hoje a mesma saudação do olhar de ontem, quando eram outros os que encetavam a marcha da vida, de alma alegre e pé veloz.
O que importa notar é que todas essas multidões de mortos – por uma causa justa ou injusta – são os figurantes anônimos da tragédia universal e humana.
Vox Victimae
Morto! Consciência quieta haja o assassino
Que me acabou, dando-me ao corpo vão
Esta volúpia de ficar no chão
Fruindo na tabidez sabor divino!
Espiando o meu cadáver ressupino,
No mar da humana proliferação,
Outras cabeças aparecerão
Para compartilhar do meu destino!
Na festa genetlíaca do Nada,
Abraço-me com a terra atormentada
Em contubérnio convulsionador ...
E ai! Como é boa esta volúpia obscura
Que une os ossos cansados da criatura
Ao corpo ubiqüitário do Criador!
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