Poemas de Poetisas Brasileiras

Cerca de 521 poemas de Poetisas Brasileiras

Leveza

Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,
mais leve.

E a cascata aérea
de sua garaganta,
mais leve.

E o que se lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto,
mais leve.

E o desejo rápido
desse mais antigo instante,
mais leve.

E a fuga invisível
do amargo passante,
mais leve.

Cecília Meireles
MEIRELES, C. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001.

É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é.

Clarice Lispector
Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco. 1998.

Nota: Trecho do conto Perdoando Deus.

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Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Deus.

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Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado com papel enfeitado de presente nas mãos – e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, então raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.

Clarice Lispector
Todas as crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.

Nota: Trecho da crônica Pertencer.

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Exagerada toda a vida: minhas paixões são ardentes; minhas dores de cotovelo, de querer morrer; louca do tipo desvairada; briguenta de tô de mal pra sempre; durmo treze horas seguidas; meus amigos são semi-irmãos; meus amores são sempre eternos e meus dramas, mexicanos.

Clarice Lispector

Nota: Autoria não confirmada.

O fato é que tenho nas minhas mãos um destino e, no entanto, não me sinto com o poder de livremente inventar: sigo uma oculta linha fatal. Sou obrigado a procurar uma verdade que me ultrapassa.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Não lamente o que podia ter e se perdeu por caminhos errados e nunca mais voltou.

Cora Coralina
Meu Livro de Cordel. São Paulo: Global Editora, 2012.

Nota: Trecho do poema Humildade.

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Você nunca conhece realmente as pessoas. O ser humano é mesmo o mais imprevisível dos animais.

Mas se eu gritasse uma só vez que fosse, talvez nunca mais pudesse parar. Se eu gritasse ninguém poderia fazer mais nada por mim; enquanto, se eu nunca revelar a minha carência, ninguém se assustará comigo e me ajudarão sem saber; mas só enquanto eu não assustar ninguém por ter saído dos regulamentos. Mas se souberem, assustam-se, nós que guardamos o grito em segredo inviolável. Se eu der o grito de alarme de estar viva, em mudez e dureza me arrastarão pois arrastam os que saem para fora do mundo possível, o ser excepcional é arrastado, o ser gritante.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso o que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertencesse. Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado com papel enfeitado de presente nas mãos – e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, então raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.

Clarice Lispector
Todas as crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.

Nota: Trecho da crônica Pertencer.

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I

Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua do estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.
Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.
Que este amor só me veja de partida.

II

E só me veja
No não merecimento das conquistas.
De pé. Nas plataformas, nas escadas

VII

Sabenças? Esqueci-as. Livros? Perdi-os.
Perdi-me tanto em ti
Que quando estou contigo não sou vista
E quando estás comigo vêem aquela.

VIII

Aquela que não te pertence por mais queira
Saber-se pertencente é ter mais nada.
É ter tudo também.
É como ter o rio, aquele que deságua
Nas infinitas águas de um sem-fim de ninguéns.
Aquela que não te pertence não tem corpo.
Porque corpo é um conceito suposto de matéria
E finito. E aquela é luz. E etérea.
Pertencente é não ter rosto. É ser amante
De um Outro que nem nome tem. Não é Deus nem Satã.
Não tem ilharga ou osso. Fende sem ofender.
É vida e ferida ao mesmo tempo, “ESSE”
Que bem me sabe inteira pertencida.

IX

Ilharga, osso, algumas vezes é tudo o que se tem.
Pensas de carne a ilha, e majestoso o osso.
As mós do tempo vão triturando
Tua esmaltada garganta... Mas assim mesmo
Canta! Ainda que se desfaçam ilhargas, trilhas...
Canta o começo e o fim. Como se fosse verdade
A esperança.

Segunda-feira é um dia mais difícil porque é sempre a tentativa do começo de vida nova. Façamos cada domingo de noite um réveillon modesto, pois se meia-noite de domingo não é começo de Ano Novo, é começo de semana nova, o que significa fazer planos e fabricar sonhos.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica E amanhã é domingo.

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Aluna

Conservo-te o meu sorriso
para, quando me encontrares,
veres que ainda tenho uns ares
de aluna do paraíso...

Leva sempre a minha imagem
a submissa rebeldia
dos que estudam todo o dia
sem chegar à aprendizagem...

- e, de salas interiores,
por altíssimas janelas,
descobrem coisas mais belas,
rindo-se dos professores...

Gastarei meu tempo inteiro
nessa brincadeira triste;
mas na escola não existe
mais do que pena e tinteiro!

E toda a humana docência
para inventar-me um ofício
ou morre sem exercício
ou se perde na experiência...

Porque a melhor frase, sempre ainda a mais jovem, era: a bondade me dá ânsias de vomitar. A bondade era morna e leve, cheirava a carne crua guardada há muito tempo. Sem apodrecer inteiramente apesar de tudo. Refrescavam-na de quando em quando, botavam um pouco de tempero, o suficiente para conservá-la um pedaço de carne morna e quieta.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.

Clarice Lispector
Montero, Teresa (org.). Correspondências. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.

Nota: Trecho de carta escrita a Tania Kaufmann, em 6 de janeiro de 1948.

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O que amamos está sempre longe de nós:
e longe mesmo do que amamos - que não sabe
de onde vem, aonde vai nosso impulso de amor.

O que amamos está como a flor na semente,
entendido com medo e inquietude, talvez
só para em nossa morte estar durando sempre.

Como as ervas do chão, como as ondas do mar,
os acasos se vão cumprindo e vão cessando.
Mas, sem acaso, o amor límpido e exato jaz.

Não necessita nada o que em si tudo ordena:
cuja tristeza unicamente pode ser
o equívoco do tempo, os jogos da cegueira
com setas negras na escuridão.

Mas quero ter a liberdade de dizer coisas sem nexo como profunda forma de te atingir. Só o errado me atrai, e amo o pecado, a flor do pecado.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Eu sou assim, quero tudo e quero agora! Uns chamam de mimada, mas eu prefiro decidida.

Clarice Lispector

Nota: Autoria não confirmada.

Desculpem eu ser eu. Quero ficar só! grita a alma do tímido que só se liberta na solidão. Contraditoriamente quer o quente aconchego das pessoas.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Vergonha de viver.

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