Poemas de Nelson Rodrigues
Se Nelson Rodrigues sentia-se como o menino
que via o amor pelo buraco da fechadura
Eu me sinto como aquela dona de casa
que lava a gola da camisa do marido manchada de batom
enquanto o verdureiro traz banana pra ela fazer doce
O amor ainda me fascina feito garoto safado
que esconde suas revistinhas embaixo da última gaveta
Quando os amigos deixam de jantar com os amigos por causa da ideologia, é porque o país está maduro para a carnificina.
Antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos.
O amor não morre - vivo eu dizendo. Morre o sentimento que é apenas uma imitação do amor, muitas vezes uma maravilhosa imitação do amor
Para mim, não há coincidência intranscendente, e repito: – qualquer coincidência tem o dedo de Deus ou do diabo.
A constante dos seres humanos é a burrice. Para um gênio há dez milhões de imbecis.
Há sujeitos que nascem, envelhecem e morrem sem ter jamais ousado um raciocínio próprio.
Somos mais idiotas do que nunca. Ninguém tem vida própria, ninguém constrói um mínimo de solidão. O sujeito morre e mata por ideias, sentimentos, ódios que lhe foram injetados. Pensam por nós, sentem por nós, gesticulam por nós.
Na vida, usamos máscaras sucessivas e contraditórias. Só a morte revela a nossa verdadeira face.
Torcer para o Fluminense é uma maneira de você olhar para o seu vizinho e dizer: "sou melhor que ele".
Eu sou um pierrô romântico. Mas o romântico piegas. Não o romântico de grande estilo, não o wagneriano. E aí me veio essa vergonha de ser romântico e uma certa tendência para negar essa emotividade fácil e vagamente burlesca.
"'Você é químico?' Não, sou Fluminense, respondi de pronto ao ser abordado por um vizinho que me viu brincando com alguns líquidos de diversas cores. Eu tinha apenas três anos de idade, mas com uma convicção clubística anterior ao meu nascimento, e, quem sabe, anterior ao útero materno".
Não somos todos feitos de pedra
ou de aço que o sol endurece.
Há os que nascem de água,
de uma flor que desponta no silêncio,
e não sabem o peso do ferro,
nem medem a força no punho cerrado.
Mas dizem-me que são fracos,
os que não carregam montanhas,
os que não rompem o vento com o corpo.
E eu pergunto:
o que vale a muralha se a raiz cresce em silêncio,
se o vento a toca e ela cai?
Há uma força que não se vê,
uma coragem que não precisa de gritos.
No invisível dos dias,
nas pequenas lutas que ninguém repara,
ali também se ergue o mundo
e o seu peso é suportado
por mãos que não seguram espadas.
O desprezo não lhes cabe,
nem o desdém dos que se crêem gigantes.
Pois no fim,
não são os músculos que seguram o tempo,
mas o coração que, em silêncio,
faz nascer o dia.
Nos jardins da vida, vejo os filhos crescerem como árvores. Cada um, uma promessa de cor e sonhos. Suas raízes fincam-se profundas na terra dos valores e da cultura, onde a memória é húmus e o amor, seiva. Os troncos erguem-se firmes, numa força que desafia ventos e tormentas, sustentando o céu com a dignidade dos que sabem de onde vêm.
Nas copas, que despontam com a graça das auroras, florescem frutos de humildade e bondade. Cada ramo, uma extensão do coração, abriga pássaros de esperança e folhas que sussurram segredos ao vento. A sombra dessas árvores oferece refúgio, um abrigo para os que buscam a paz e a quietude dos dias simples.
Assim, no compasso das estações, essas árvores crescem e se tornam majestosas, não pela imponência dos seus galhos, mas pela grandeza da sua essência. No jardim dos nossos sonhos, onde os filhos se transformam em árvores, ergue-se uma floresta de amor, onde cada vida é uma celebração da beleza e da eternidade.
Efémera, a vitória é como a brisa que passa, como o orvalho que evapora ao primeiro toque do sol. Hoje, no cume, brilhamos, amanhã, talvez, no fundo do vale, apenas lembrança. A posição social, esse palco transitório, erguido sobre ilusões, desmorona-se ao sopro do tempo.
Devemos ser o melhor de nós mesmos, quer no topo, onde o vento é mais forte e o frio mais cortante, quer no fundo, onde a sombra nos envolve e a terra nos acolhe. Cada instante pede a plenitude do nosso ser, como se cada respiração fosse a última, como se cada gesto pudesse durar uma eternidade.
A derrota, essa fiel companheira, vem sempre, sutil ou implacável, lembrar-nos da nossa fragilidade. E, no fim, a morte, que conquista tudo, até o próprio tempo, ensina-nos que nada permanece, tudo é passagem.
Sejamos, então, inteiros na nossa efemeridade, autênticos em cada passo, e que a nossa essência seja a única constância na incerteza do viver.
Deusa (In) justiça
Túnica branca, quase negra,
a Deusa espreita por baixo da venda.
No decote, o vil metal brilha,
e a balança cede ao peso de risos.
Nas sombras da lei, dançam os hábeis,
tecendo subterfúgios como teias emaranhadas,
obstruindo os caminhos da justiça,
colocando pedras na engrenagem do ser.
Os defensores não defendem;
evadem a justiça de qualquer jeito possível,
onde a verdade se perde em palavras vazias,
e a inocência é um jogo, não uma luz.
O tempo, nos tribunais,
gasta-se em voltas lentas,
como quem espera o mar secar.
O réu, cheio de poder e ouro,
ri-se no escuro,
onde os seus passos não fazem eco.
Com cada manobra, o tempo se estica,
os processos arrastam-se como fardos pesados,
enquanto o réu sorri,
a justiça, refém de artifícios.
Os outros, pobres diabos,
arrastam-se pelas pedras da espera,
respirando poeira e esperança gasta.
Aqui, ninguém paga a fatura,
resta esperar pela justiça divina.
E assim, a balança pende,
não pelo peso da justiça,
mas pela habilidade de quem sabe jogar,
de quem faz da lei um jogo de cartas.