Poemas de Martha Medeiros

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Certas pessoas têm uma aparência decente e altiva, mas são ocos por dentro – e podem até ser maus – , enquanto que outros são quietos, discretos, parecem não valer grande coisa e no entanto são os verdadeiros super-heróis, as tais criaturas fascinantes que tanto procuramos pela vida.

Martha Medeiros
Coisas da Vida

Nota: Trecho da crônica "Carta a João Pedro"

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“Não sabemos de nada até que chegue a nossa vez. A gente não sabe do que o nosso amor é capaz, o que a nossa natureza nos reserva, o poder da nossa desobediência ou subordinação. A gente não pode prever nossa reação diante do susto, da paixão, da fome, do medo. Podemos vir a ser uma grata surpresa.”

Quem procura palavras para se decifrar está buscando autenticar uma farsa. É sempre um parto difícil, induzido, e não se sabe o que vamos ter que adotar como nosso até o fim da vida. Quanta responsabilidade, identificar-se! "Esta sou eu, muito prazer. Sinto isso, gosto daquilo, sou contra, sou a favor..." É uma idiotice delimitar-se através de preferências e opiniões. E depois morrer justificando estas escolhas que foram apenas casuais, oportunas, apetecíveis num determinado momento, mas nunca para sempre. Que sorte têm os tolos, os desprovidos de inteligência, que não fazem a menor questão de saber quem são e muito menos de propagar sua descoberta. Quanta angústia poupada, quanto motivo para continuar sorrindo apenas por... por... espasmo.

Martha Medeiros
Livro Selma e Sinatra

"Algumas verdades a gente deixa sai,outras a gente aprisiona e finge esquecer.Mas há uma verdade única:
ninguém tem dúvida sobre si mesmo."

Dentro de mim estão muitas lágrimas que não foram choradas pra fora e muitos sorrisos que, de tão íntimos, também guardei ...

“Ser autêntico virou ofensa pessoal. Ou a criatura faz parte do rebanho, ou é um metido a besta.”

De fato, Deus não está em promoção, se exibindo por aí. Ele escolhe, dentro do mais rigoroso critério, os momentos de aparecer pra gente. Não sendo visível aos olhos, ele dá preferência à sensibilidade como via de acesso a nós. (...)
Deus me aparece nos livros, em parágrafos que não acredito que possam ter sido escritos por um ser mundano: foram escritos por um ser mais que humano. (...)
Deus aparece quando choro. Quando a fragilidade é tanta que parece que não vou conseguir me reerguer.

Martha Medeiros
MEDEIROS, M. Feliz por Nada. Porto Alegre: L&PM, 2011.

Nota: Trechox da crônica "Quando Deus aparece"

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era uma vez um gato chinês
que me chamou para comer um frango
xadrez
no boteco onde ele era freguês

e eu, como gata vadia
topei porque sempre podia
e fiz dele meu prato do dia

Martha Medeiros
MEDEIROS, M. Poesia Reunida. Porto Alegre: L&PM, 1999.

Desafogue-se de mágoas, de desejos de vingança,
de pessoas que não permitem que você avance.
Diga não para tudo aquilo que não faz bem pra você,
pare de acreditar que as coisas vão mudar por milagre ou por decreto.
Se não mudaram até agora, então deixe as coisas como estão e
mude você.

A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito,
que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil.
Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto,
e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui.

Generoso, mesmo, é quem te enxerga, escuta, apoia, elogia, entende o que você está sentindo, propõe alternativas para você se safar das suas angústias, é bom parceiro.

Generoso é quem não espera que o outro se ajoelhe em agradecimento, é quem não usa a dedicação como moeda de troca: “Fiz isso por você, agora se desdobre por mim.” Nada disso: generoso é aquele que nem percebe a grandeza do que está fazendo, porque é da sua natureza pensar no outro visando o bem, sem contabilizar o que poderá lucrar com isso.

eu penso conforme o tempo
eu danço conforme o passo
eu passo conforme o espaço
eu amo conforme a fome
eu como conforme a cama
eu sinto conforme o mundo

mas no fundo
eu não me conformo

Martha Medeiros
Poesia Reunida

O amor é que nem tesourinha de unhas, nunca está onde a gente pensa.
O jeito é direcionar o radar para norte, sul, leste e oeste.
Seu amor pode estar no corredor de um supermercado, pode estar impaciente na fila de um banco, pode estar pechinchando numa livraria, pode estar cantarolando sozinho dentro de um carro. Pode estar aqui mesmo, no computador, dando o maior mole.

Martha Medeiros

É erótico ver uma mulher que sorri, que chora, que vacila, que fica linda sendo sincera, que fica uma delícia sendo divertida, que deixa qualquer um maluco sendo inteligente.

Uma mulher que diz o que pensa, o que sente e o que pretende, sem meias-verdades, sem esconder seus pequenos defeitos – aliás, deveríamos nos orgulhar de nossas falhas, é o que nos torna humanas, e não bonecas de porcelana.

(Crônica Outro tipo de mulher nua)

Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião
a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco
porque não existe plástica que resgate seu brilho.
Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar.

Eu não queria sentir a saudade que sinto. Nem ter medo da frequência em que ela me visita antes de deitar. Será que é tão difícil tornar o beijo contínuo e a saudade passageira?Será que entre o hiato do amor e da saudade, não há como existir somente a alegria do vivido?
Mesmo andando de mãos dadas com a euforia de viver, algumas vezes, diante de certos sentimentos, me faltam palavras. Me faltam, pois tenho medo dos grandes sentimentos. Medo de senti-los, me acostumar com eles e, como quando o sol se cansa de iluminar a todos, ele se pôr. A verdade é que meu coração está preparado para amar, mas não para sentir saudade. Para beijar, mas não para deixar de ser beijado. Para ver as nuvens, mas não deixa-las me tirar a visão das estrelas.
Não há como negar que pensando nela corro contra o tempo. Busco sensações do passado, as encaixo na minha realidade atual e, como se fosse possível e saudável, crio cenários de viver isso novamente. É, definitivamente, eu não sei sentir saudade.
Sendo há um bom tempo turista dos amores alheios, faço caridade, guardo os meus sentimentos no olhar e aceno com os lábios, como quem diz que onde quer que a gente vá, que levemos o nosso coração. E eu sempre levo, pois, a gente só abre o coração dos outros quando abrimos os nossos. Sim, os nossos.
Então, mesmo com a saudade que insiste ser vizinha, se eu pudesse, continuaria tendo dois corações. Um para amar, e outro também.

Amores são como sapatos: os melhores são os que machucam. Quanto mais nas alturas eles nos elevam, mais duro é voltar a ter os pés no chão quando a festa termina.
Não é bem assim.
De que adianta viver rodeada de scarpins salto 15 se eles não foram feitos para dançar a noite inteira? E a história se repete. É descer do salto e andar de pés descalços sujeita a cacos de vidros no chão. Pois, é melhor correr o risco de se cortar do que parar de dançar, não é?
Sapatos (e amores), também precisam ser do número certo. Os maiores são frouxos, sobra muito espaço vazio, abandonam os pés e se fazem perder pelo caminho. Os menores apertam, sufocam, fazem sangrar e causam feridas pela falta de liberdade. De ambos os jeitos, exigem cuidado demais a cada passo para evitar tropeços no primeiro paralelepípedo. Dificultam a caminhada. Tornam impossível pegar a estrada e seguir adiante.
Não adianta se contentar com o “quase serviu”. Sapatos, assim como amores, não mudam seu jeito de ser só porque nos apaixonamos por eles.
Sapatos (e amores) precisam ser confortáveis, companheiros para enfrentar a caminhada junto. Precisam nos encorajar a trilhar um caminho leve, sem dor. Alguns se desgastam com o tempo, outros cedem e se rompem. Tudo bem. Aquele sapato (ou seria amor?) simplesmente não serve mais.
A busca hoje é esta. Por sapatos e amores que não machuquem e que nos levem cada vez mais longe.

"...As lágrimas à toa é que evito, porque sei que nada é à toa, me custaria muito justificar a mim mesmo o surgimento dela..."

(trecho de divã)

Inserida por thamynf

Frente a um filho, somos santos
Frente a um soco, somos fracos
Frente a um rosto, somos meigos
Frente a um doce, somos magros
Frente a um bicho, somos gente
Frente a um cego, somos raros
Frente a um dote, somos pobres
Frente a um pobre, somos caros.

Martha Medeiros
MEDEIROS, M. Poesia Reunida. Porto Alegre: L&PM, 1999.
Inserida por MariahOl

"Decidi que não quero mais entender,
não quero mais encenar,
não quero mais que me expliquem essa bagunça,
já não preciso ser conduzida a nenhuma espécie de iluminação.
Atravessei paredes.
Estou do lado de fora.”

in "Fora de mim

Inserida por thamynf