Poemas de Martha Medeiros
Quem procura palavras para se decifrar está buscando autenticar uma farsa. É sempre um parto difícil, induzido, e não se sabe o que vamos ter que adotar como nosso até o fim da vida. Quanta responsabilidade, identificar-se! "Esta sou eu, muito prazer. Sinto isso, gosto daquilo, sou contra, sou a favor..." É uma idiotice delimitar-se através de preferências e opiniões. E depois morrer justificando estas escolhas que foram apenas casuais, oportunas, apetecíveis num determinado momento, mas nunca para sempre. Que sorte têm os tolos, os desprovidos de inteligência, que não fazem a menor questão de saber quem são e muito menos de propagar sua descoberta. Quanta angústia poupada, quanto motivo para continuar sorrindo apenas por... por... espasmo.
Dentro de mim estão muitas lágrimas que não foram choradas pra fora e muitos sorrisos que, de tão íntimos, também guardei ...
Certas pessoas têm uma aparência decente e altiva, mas são ocos por dentro – e podem até ser maus – , enquanto que outros são quietos, discretos, parecem não valer grande coisa e no entanto são os verdadeiros super-heróis, as tais criaturas fascinantes que tanto procuramos pela vida.
"Algumas verdades a gente deixa sai,outras a gente aprisiona e finge esquecer.Mas há uma verdade única:
ninguém tem dúvida sobre si mesmo."
Eu não queria sentir a saudade que sinto. Nem ter medo da frequência em que ela me visita antes de deitar. Será que é tão difícil tornar o beijo contínuo e a saudade passageira?Será que entre o hiato do amor e da saudade, não há como existir somente a alegria do vivido?
Mesmo andando de mãos dadas com a euforia de viver, algumas vezes, diante de certos sentimentos, me faltam palavras. Me faltam, pois tenho medo dos grandes sentimentos. Medo de senti-los, me acostumar com eles e, como quando o sol se cansa de iluminar a todos, ele se pôr. A verdade é que meu coração está preparado para amar, mas não para sentir saudade. Para beijar, mas não para deixar de ser beijado. Para ver as nuvens, mas não deixa-las me tirar a visão das estrelas.
Não há como negar que pensando nela corro contra o tempo. Busco sensações do passado, as encaixo na minha realidade atual e, como se fosse possível e saudável, crio cenários de viver isso novamente. É, definitivamente, eu não sei sentir saudade.
Sendo há um bom tempo turista dos amores alheios, faço caridade, guardo os meus sentimentos no olhar e aceno com os lábios, como quem diz que onde quer que a gente vá, que levemos o nosso coração. E eu sempre levo, pois, a gente só abre o coração dos outros quando abrimos os nossos. Sim, os nossos.
Então, mesmo com a saudade que insiste ser vizinha, se eu pudesse, continuaria tendo dois corações. Um para amar, e outro também.
Amores são como sapatos: os melhores são os que machucam. Quanto mais nas alturas eles nos elevam, mais duro é voltar a ter os pés no chão quando a festa termina.
Não é bem assim.
De que adianta viver rodeada de scarpins salto 15 se eles não foram feitos para dançar a noite inteira? E a história se repete. É descer do salto e andar de pés descalços sujeita a cacos de vidros no chão. Pois, é melhor correr o risco de se cortar do que parar de dançar, não é?
Sapatos (e amores), também precisam ser do número certo. Os maiores são frouxos, sobra muito espaço vazio, abandonam os pés e se fazem perder pelo caminho. Os menores apertam, sufocam, fazem sangrar e causam feridas pela falta de liberdade. De ambos os jeitos, exigem cuidado demais a cada passo para evitar tropeços no primeiro paralelepípedo. Dificultam a caminhada. Tornam impossível pegar a estrada e seguir adiante.
Não adianta se contentar com o “quase serviu”. Sapatos, assim como amores, não mudam seu jeito de ser só porque nos apaixonamos por eles.
Sapatos (e amores) precisam ser confortáveis, companheiros para enfrentar a caminhada junto. Precisam nos encorajar a trilhar um caminho leve, sem dor. Alguns se desgastam com o tempo, outros cedem e se rompem. Tudo bem. Aquele sapato (ou seria amor?) simplesmente não serve mais.
A busca hoje é esta. Por sapatos e amores que não machuquem e que nos levem cada vez mais longe.
eu penso conforme o tempo
eu danço conforme o passo
eu passo conforme o espaço
eu amo conforme a fome
eu como conforme a cama
eu sinto conforme o mundo
mas no fundo
eu não me conformo
O amor é que nem tesourinha de unhas, nunca está onde a gente pensa.
O jeito é direcionar o radar para norte, sul, leste e oeste.
Seu amor pode estar no corredor de um supermercado, pode estar impaciente na fila de um banco, pode estar pechinchando numa livraria, pode estar cantarolando sozinho dentro de um carro. Pode estar aqui mesmo, no computador, dando o maior mole.
Martha Medeiros
É erótico ver uma mulher que sorri, que chora, que vacila, que fica linda sendo sincera, que fica uma delícia sendo divertida, que deixa qualquer um maluco sendo inteligente.
Uma mulher que diz o que pensa, o que sente e o que pretende, sem meias-verdades, sem esconder seus pequenos defeitos – aliás, deveríamos nos orgulhar de nossas falhas, é o que nos torna humanas, e não bonecas de porcelana.
(Crônica Outro tipo de mulher nua)
Generoso, mesmo, é quem te enxerga, escuta, apoia, elogia, entende o que você está sentindo, propõe alternativas para você se safar das suas angústias, é bom parceiro.
Generoso é quem não espera que o outro se ajoelhe em agradecimento, é quem não usa a dedicação como moeda de troca: “Fiz isso por você, agora se desdobre por mim.” Nada disso: generoso é aquele que nem percebe a grandeza do que está fazendo, porque é da sua natureza pensar no outro visando o bem, sem contabilizar o que poderá lucrar com isso.
Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião
a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco
porque não existe plástica que resgate seu brilho.
Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar.
A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito,
que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil.
Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto,
e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui.
De fato, Deus não está em promoção, se exibindo por aí. Ele escolhe, dentro do mais rigoroso critério, os momentos de aparecer pra gente. Não sendo visível aos olhos, ele dá preferência à sensibilidade como via de acesso a nós. (...)
Deus me aparece nos livros, em parágrafos que não acredito que possam ter sido escritos por um ser mundano: foram escritos por um ser mais que humano. (...)
Deus aparece quando choro. Quando a fragilidade é tanta que parece que não vou conseguir me reerguer.
Desafogue-se de mágoas, de desejos de vingança,
de pessoas que não permitem que você avance.
Diga não para tudo aquilo que não faz bem pra você,
pare de acreditar que as coisas vão mudar por milagre ou por decreto.
Se não mudaram até agora, então deixe as coisas como estão e
mude você.
era uma vez um gato chinês
que me chamou para comer um frango
xadrez
no boteco onde ele era freguês
e eu, como gata vadia
topei porque sempre podia
e fiz dele meu prato do dia
Sobre aceitar a partida de um amor.
[...] Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo.
É o arremate de uma história que terminou,
externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente…
E só então a gente poderá amar, de novo.
Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, doem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Doem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber (MARTHA MEDEIROS)
Na maturidade, não tem ninguém esperando no portão pra nos levar pra casa, mas tem uma caminhada excitante rumo a um prazer que só quem se arrisca, conhece. O prazer da independência. O prazer de ter a sua assinatura avalizando cada uma de suas conquistas.
Já quem se falsificou num adulto que parece que é, mas não é, desperdiçou a chance de ter uma vida autêntica porque se assustou com a poeira no horizonte, previu que seria uma luta perdida, que não daria conta. Mas daria. O gigante, em qualquer circunstância, somos nós.
Martha Medeiros
"Como se mede uma pessoa? Os tamanhos variam conforme o grau de envolvimento. Ela é enorme pra você quando fala do que leu e viveu, quando trata você com carinho e respeito, quando olha nos olhos e sorri destravado. É pequena pra você quando só pensa em si mesmo, quando se comporta de uma maneira pouco gentil...
Uma pessoa é gigante pra você quando se interessa pela sua vida, quando busca alternativas para o seu crescimento, quando sonha junto. É pequena quando desvia do assunto.
Uma pessoa é grande quando perdoa, quando compreende, quando se coloca no lugar do outro, quando age não de acordo com o que esperam dela, mas de acordo com o que espera de si mesma...
Uma mesma pessoa pode aparentar grandeza ou miudeza dentro de um relacionamento, pode crescer ou decrescer num espaço de poucas semanas: será ela que mudou ou será que o amor é traiçoeiro nas suas medições? Uma decepção pode diminuir o tamanho de um amor que parecia ser grande. Uma ausência pode aumentar o tamanho de um amor que parecia ser ínfimo.
Não é a altura, nem o peso, nem os músculos que tornam uma pessoa grande. É a sua sensibilidade sem tamanho."
Martha Medeiros