24 poemas de Mario Quintana que refletem sobre a vida, o tempo e o amor

Equipe editorial do Pensador
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Criado e revisado pelos nossos editores

Mario Quintana é o poeta do cotidiano e dos pequenos detalhes. Ele escreve sobre a vida com muita delicadeza na sua poesia.

Com um jeito fácil e acessível, Mario Quintana estabelece uma verdadeira conversa com os seus leitores. É um daqueles escritores que parece estar brincando com as palavras, quando, na verdade, está passando lições valiosas.

1. Bilhete

Se tu me amas, ama-me baixinho Não o grites de cima dos telhados Deixa em paz os passarinhos Deixa em paz a mim! Se me queres, enfim, tem de ser bem devagarinho, Amada, que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

Um poema que fala sobre o amor na sua forma romântica e privada. Como uma troca de bilhetes, o amor é algo pessoal entre os apaixonados, não necessitando de grandes manifestações púbicas. Ainda, Mario Quintana lembra que deve ser respeitado o tempo de cada um, quando se trata de amor.

2. Poeminha do Contra

Todos esses que aí estão Atravancando meu caminho, Eles passarão... Eu passarinho!

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!

Uma das poesias mais famosas de Mario Quintana! Com um jogo de palavras, estes são versos de esperança. Quem está atrapalhando o caminho passará (irá embora) e o poeta "passarinho" (uma brincadeira que lembra a liberdade de um pássaro).

3. Quem Sabe um Dia

Quem sabe um dia
Quem sabe um seremos
Quem sabe um viveremos
Quem sabe um morreremos!

Quem é que
Quem é macho
Quem é fêmea
Quem é humano, apenas!

Sabe amar
Sabe de mim e de si
Sabe de nós
Sabe ser um!

Um dia
Um mês
Um ano
Um(a) vida!

Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro, julgar depois

Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois

Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois

Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois

Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois.

Um poema sobre a intensidade da vida, com destaque para a importância de se amar, de se perdoar, de se viver.

4. A Rua dos Cataventos

Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arrancar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!

Um soneto que marca a passagem de tempo na vida do poeta e a sua transformação no que é hoje. Apesar de todos os obstáculos e de todas as dificuldades que passou, Quintana celebra a sua vida e sua força em seguir em diante.

5. Canção do Dia de Sempre

Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...

Aproveitar um dia de cada vez e se encantar pelos detalhes da vida é o conselho de Mario Quintana. Ele ainda lembra que tudo muda na vida e que, apesar das derrotas, todos temos o direito de seguir sonhando e acreditando.

6. Poeminha Sentimental

O meu amor, o meu amor, Maria
É como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas...
De vez em quando chega uma
E canta
(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.

Um poema sobre o amor, suas incertezas, seus desafios, suas idas e vindas na vida.


7. Seiscentos e Sessenta e Seis (O Tempo)

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são 6 horas: há tempo… Quando se vê, já é 6ª-feira… Quando se vê, passaram 60 anos! Agora, é tarde demais para ser reprovado… E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade, eu nem olhava o relógio seguia sempre em frente…

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

Um dos mais populares poemas de Mario Quintana. Reflete sobre a passagem dos anos. O poeta escreve de modo simples e informal, como se estivesse dizendo que os anos passaram, e ele percebeu tudo o que já aconteceu e não tem mais volta.

Em tom de conselho, diz como viveria se pudesse voltar no tempo.

8. Os Degraus

Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos – onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo…

Mais uma lição de Mario Quintana: confie na sua própria vida e viva. Ela já bastante desafiante.

9. Canção para uma Valsa Lenta

Minha vida não foi um romance...
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro
De surpresa... de encanto... de medo...

Minha vida não foi um romance,
Minha vida passou por passar.
Se não amas, não finjas, que vivo
Esperando um amor para amar.

Minha vida não foi um romance...
Pobre vida... Passou sem enredo...
Glória a ti que me enches a vida
De surpresa, de encanto, de medo!

Minha vida não foi um romance...
Ai de mim... Já se ia acabar!
Pobre vida que toda depende
De um sorriso... de um gesto... um olhar...

Em tom mais melancólico, o poeta reflete sobre a vida e o amor romântico.

10. Das Utopias

Se as coisas são inatingíveis... ora! não é motivo para não querê-las. Que tristes os caminhos, se não fora a mágica presença das estrelas!

Se as coisas são inatingíveis... ora!
não é motivo para não querê-las.
Que tristes os caminhos, se não fora
a mágica presença das estrelas!

Uma poesia de esperança para lembrar que as utopias servem para marcar e iluminar o caminho. Ter objetivos pela frente nos dá forças para caminhar.

11. O Espelho

Por acaso, surpreendo-me no espelho:
Quem é esse que me olha e é tão mais velho que eu? (...)
Parece meu velho pai - que já morreu! (...)
Nosso olhar duro interroga:
"O que fizeste de mim?" Eu pai? Tu é que me invadiste.
Lentamente, ruga a ruga... Que importa!
Eu sou ainda aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra,
Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra!
Vi sorrir nesses cansados olhos um orgulho triste..."

Um poema sobre a passagem do tempo e sobre o contraste entre quem é o poeta e quem ele se vê quando se enxerga refletido no espelho.

12. A Verdadeira Arte de Viajar

A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa, Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo. Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali… Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!

A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,
como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo.
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali…
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!

É preciso se abrir para o mundo e encará-lo com os braços abertos. Mario Quintana lembra que não devemos sair de casa apenas com os compromissos na cabeça, mas também com a mente aberta para as maravilhas que o mundo pode nos reservar.

13. Relógio

O mais feroz dos animais domésticos
é o relógio de parede:
conheço um que já devorou
três gerações da minha família.

Uma brincadeira com o relógio e a força do tempo.

14. Escrevo Diante da Janela Aberta

Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!

Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas cotidianas...

Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou da paisagem...

Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!

Com beleza e leveza, esse é um poema de esperança e alegria, que incorpora o poeta na vista que vê, na paisagem da natureza e do mundo.

15. O Mapa

Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo…

(É nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei…

Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei…)

Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso…

Um poema que reflete sobre todos os caminhos (da cidade, da vida, do amor) que ainda há para se descobrir.

16. Canção da Garoa

Em cima do telhado
Pirulin lulin lulin,
Um anjo, todo molhado,
Soluça no seu flautim.

O relógio vai bater:
As molas rangem sem fim.
O retrato na parede
Fica olhando para mim.

E chove sem saber porquê
E tudo foi sempre assim!
Parece que vou sofrer:
Pirulin lulin lulin...

Um belo soneto que brinca com o som das palavras com leveza e simplicidade.

17. Sinônimos

Esses que pensam que existem sinônimos, desconfio que não sabem distinguir as diferentes nuanças de uma cor.

Uma brincadeira de Mario Quintana dizendo que nada é exatamente igual, que é preciso saber-se distinguir as diferenças das palavras, das cores e de tudo mais.

18. Pequeno Esclarecimento

Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação. O de que eles mais gostam é estar em silêncio – um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios. Um silêncio… Este impoluível silêncio em que escrevo e em que tu me lês.

Um poema que reflete sobre o estilo do poeta e sobre o seu gosto de estar em silêncio para dedicar o tempo à sua escrita.

19. Matinal

O tigre da manhã espreita pelas venezianas.
O vento fareja tudo.
Nos cais, os guindastes domesticados dinossauros - erguem a carga do dia.

Um poema sobre o amanhecer e sobre tudo o que prepara o início do dia.

20. Dos Mundos

Deus criou este mundo. O homem, todavia, Entrou a desconfiar, cogitabundo… Decerto não gostou lá muito do que via… E foi logo inventando o outro mundo.

Deus criou este mundo. O homem, todavia,
Entrou a desconfiar, cogitabundo…
Decerto não gostou lá muito do que via…
E foi logo inventando o outro mundo.

O mundo que vivemos é o mundo que Deus inventou? Uma brincadeira de Mario Quintana que fala sobre o mundo que as pessoas trataram de inventar no lugar do mundo que já existia.

21. Presença

É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos…
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo…
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto – em mim – a presença misteriosa da vida…
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato…
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.

Um poema de dicotomias: passado/presente e ausência/presença. Com nostalgia e saudades, o poeta recorda alguém que amou.

22. Deixa-me Seguir para o Mar

Tenta esquecer-me... Ser lembrado é como
evocar-se um fantasma... Deixa-me ser
o que sou, o que sempre fui, um rio que vai fluindo...

Em vão, em minhas margens cantarão as horas,
me recamarei de estrelas como um manto real,
me bordarei de nuvens e de asas,
às vezes virão em mim as crianças banhar-se...

Um espelho não guarda as coisas refletidas!
E o meu destino é seguir... é seguir para o Mar,
as imagens perdendo no caminho...
Deixa-me fluir, passar, cantar...

toda a tristeza dos rios
é não poderem parar!

Um poema que reflete sobre as mudanças, sobre a transitoriedade da vida e sobre a necessidade de seguir em frente.

23. Espantos

Neste mundo de tantos espantos, cheio das mágicas de Deus, O que existe de mais sobrenatural São os ateus...

Neste mundo de tantos espantos,
cheio das mágicas de Deus,
O que existe de mais sobrenatural
São os ateus...

Uma poesia de Mario Quintana que reflete sobre um mundo que é tão mágico que só pode mesmo ter alguma divindade por trás para explicar tudo de belo que acontece. Mario Quintana joga com as palavras e brinca que o ateu é que deve ser sobrenatural.

24. O Pobre Poema

Eu escrevi um poema horrível!
É claro que ele queria dizer alguma coisa...
Mas o quê?
Estaria engasgado?
Nas suas meias-palavras havia no entanto uma ternura mansa como a que se vê nos olhos de uma criança doente, uma precoce, incompreensível gravidade
de quem, sem ler os jornais,
soubesse dos sequestros
dos que morrem sem culpa
dos que se desviam porque todos os caminhos estão tomados...
Poema, menininho condenado,
bem se via que ele não era deste mundo nem para este mundo...
Tomado, então, de um ódio insensato,
esse ódio que enlouquece os homens ante a insuportável
verdade, dilacerei-o em mil pedaços.
E respirei...
Também! Quem mandou ter ele nascido no mundo errado?

Um poema que reflete sobre o próprio poema. Mario Quintana analisa o que escreveu e pensa no destino que o reserva.

Conheça mais sobre a história do poeta Mario Quintana

Mario Quintana

O poeta Mario Quintana nasceu em Alegrete em 30 de julho de 1906. Foi farmacêutico durante alguns anos da sua vida, mas logo obteve seu destaque em jornais, revistas e editoras enquanto escritor.

Publicou mais de 20 livros, entre eles: A Rua dos Cataventos e Velório sem Defunto. Foi poeta, jornalista e tradutor, tendo trabalhado no antigo jornal O Estado do Rio Grande e no jornal Correio do Povo (na coluna Caderno H).

Como tradutor, traduziu famosas obras de Marcel Proust, Giovani Papini, Virginia Woolf, Voltaire e outros.

Mario Quintana viveu parte da sua vida em Porto Alegre, durante os anos 1968 e 1980, no Hotel Majestic. Décadas depois, este hotel foi transformado na Casa de Cultura Mario Quintana, um local dedicado à arte, em homenagem ao poeta e a todos os grandes nomes da cultura do Estado do Rio Grande do Sul.

Faleceu no dia 5 de maio de 1994 aos 87 anos.

Para Mario Quintana, a melhor forma de conhecê-lo seria pelos seus poemas:

“Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão.” (Mario Quintana, Revista IstoÉ de 14/11/1984)

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