Poemas de José Saramago

Cerca de 231 poemas de José Saramago

Estamos neuróticos. Não só existe desigualdade na distribuição da riqueza como também na satisfação das necessidades básicas. Não nos orientamos por um sentido de racionalidade mínima. A Terra está rodeada de milhares de satélites, podemos ter em casa cem canais de televisão, mas para que nos serve isto neste mundo onde tantos morrem? É uma neurose coletiva, as pessoas já não sabem o que é que lhes é essencial para a sua felicidade.

José Saramago

Nota: (publicado em Zero Hora, 1997) José Saramago, sobre a nossa neurose.

às vezes perguntamos-nos por que tardou tanto a felicidade a chegar, por que não veio mais cedo, mas se nos aparece de improviso, como neste caso, quando já não a esperávamos, então o mais provável é que não saibamos que fazer, e não é tanto a questão de escolher entre o rir e o chorar, é a secreta angústia de pensar que talvez não consigamos estar à altura.

Nós estamos a assistir ao que eu chamaria a morte do cidadão e, no seu lugar, o que temos e, cada vez mais, é o cliente. Agora já ninguém nos pergunta o que é que pensamos, agora perguntam-nos qual a marca do carro, de fato, de gravata que temos, quanto ganhamos.

Quando a igreja inventou o pecado, inventou um instrumento de controle, não tanto das almas, porque à igreja não importam as almas, mas dos corpos.

Toda a obra literária leva uma pessoa dentro, que é o autor. O autor é um pequeno mundo entre outros pequenos mundos

...pensava que o pior de todos os muros é uma porta de que nunca se tem a chave, e ele não sabia onde a encontrar, nem sabia sequer se tal chave existia.
(O homem duplicado)

Não se pode exigir a toda a gente que seja sensata. Por isso o mundo está como está. (O homem duplicado)

Pareceu ao médico que ouvia chorar, um som quase inaudível, como só pode ser o de umas lágrimas que vão deslizando lentamente até às comissuras da boca e aí se somem para recomeçarem o ciclo eterno das inexplicáveis dores e alegrias humanas.

José Saramago
Ensaio sobre a cegueira

Pode-se sempre pôr a palavra boa sobre a má palavra, mas nem uma nem outra poderão ser retiradas.

José Saramago
Todos os nomes. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

(...) que os homens são anjos nascidos sem asas, é o que há de mais bonito, nascer sem asas e fazê-las crescer, isso mesmo fizemos com o cérebro, se a ele fizemos, a elas faremos (...)

...o seu pensar não foi assim tão claro, o pensamento, afinal de contas, já por outros, ou o mesmo, foi dito, é como um grosso novelo de fio enrolado sobre si mesmo, frouxo nuns pontos, noutros apertado até a sufocação e ao estrangulamento, está aqui, dentro da cabeça, mas é impossível conhecer-lhe a extensão toda, seria preciso desenrolá-lo, estendê-lo, e finalmente medi-lo, mas isto, por mais que se intente, ou finja intentar, parece que não o pode fazer o próprio sem ajudas, alguém tem que vir um dia dizer por onde se deve cortar o cordão que liga o homem ao seu umbigo, atar o pensamento à sua causa.
(O Evangelho Segundo Jesus Cristo)

"Lembra-se de ali estar sentado em outros tempos, tão distantes que pode duvidar se os viveu ele mesmo; ou alguém por mim, talvez com igual rosto e nome"

"É uma impressão estranha, esta de me olhar num espelho e não me ver nele, Não se vê, Não, não me vejo, sei que estou a olhar-me, mas não me vejo, No entanto, tem sombra, É só o que tenho."

"Também no interior do corpo a treva é profunda, e contudo o sangue chega ao coração, o cérebro é cego e pode ver, é surdo e ouve, não tem mãos e alcança, o homem, claro está, é o labirinto de si mesmo"

«...ter de viver em algum lugar, compreender que não existe lugar que não seja lugar, que a vida não pode ser não vida».

⁠O que chamamos democracia começa a assemelhar-se tristemente ao pano solene que cobre a urna onde já está apodrecendo o cadáver

"Como também vai sendo costume, foi muito louvada a minha sinceridade, mas, creio que pela primeira vez, esta insistência e esta unanimidade fizeram-me pensar se realmente existirá isso a que damos o nome de sinceridade, se a sinceridade não será apenas a última das máscaras que usamos, e, justamente por última ser, aquela que afinal mais esconde."
José Saramago, in Cadernos de Lanzarote

Porque ainda está para nascer o primeiro homem desprovido daquela segunda pele a que chamamos egoísmo, muito mais dura que a primeira, que a tudo sangra.

❝ Digo às vezes que não concebo nada tão magnífico e tão exemplar como irmos pela vida levando pela mão a criança que fomos, imaginar que cada um de nós teria de ser sempre dois, que fôssemos dois pela rua, dois tomando decisões, dois diante das diversas circunstâncias que nos rodeiam e provocamos. Todos iríamos pela mão de um ser de sete ou oito anos, nós mesmos, que nos observaria o tempo todo e a quem não poderíamos defraudar. Por isso é que eu digo […]: Deixa-te levar pela criança que foste. Creio que indo pela vida dessa maneira talvez não cometêssemos certas deslealdades ou traições, porque a criança que nós fomos nos puxaria pela manga e diria: ‘Não faças isso.❞

De fato, nunca se sabe muito bem para que servem as vitórias, suspirou o professor de matemática. Mas as derrotas sabe-se muito bem para que servem.
(O homem duplicado)