Poemas de José Saramago
Poeta não é gente, é bicho coisa
Que da jaula ou gaiola vadiou
E anda pelo mundo às cambalhotas,
Recordadas do circo do circo que inventou.
Estende no chão a capa que o destapa,
Faz do peito tambor, e rufa, salta,
É urso bailarino, mono sábio
Ave torta de bico e pernalta.
Ao fim toca a charanga do poema,
Caixa, fagote, notas arranhadas,
E porque bicho é bicho, lá fica,
A cantar às estrelas apagadas.
Não sou um ateu total, todos os dias tento encontrar um sinal de Deus, mas infelizmente não o encontro.
Afinal, há é que ter paciência, dar tempo ao tempo, já devíamos ter aprendido,
e de uma vez para sempre, que o destino tem de fazer muitos rodeios para chegar a qualquer parte.
É preciso variar, se não tivermos cuidado a vida torna-se rapidamente previsível, monótona, uma seca.
Há situações na vida em que já tanto nos dá perder por dez como perder por cem, o que queremos é conhecer rapidamente a última soma do desastre, para depois, se tal for possível não voltarmos a pensar mais no assunto.
O tempo é uma superfície oblíqua e ondulante que só a memória é capaz de fazer mover e aproximar.
A vida é uma aprendizagem diária. Afasto-me do caos e sigo um simples pensamento: Quanto mais simples, melhor!
...se antes de cada acto nosso, nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar.
Não tenhas medo, a escuridão em que estás metido aqui não é maior do que a que existe dentro do teu corpo; são duas escuridões separadas por uma pele, aposto que nunca tinhas pensado nisto. Transportas todo o tempo de um lado para outro uma escuridão, e isso não te assusta...
A cabeça dos seres humanos nem sempre está completamente de acordo com o mundo em que vivem, há pessoas que tem dificuldade em ajustar-se à realidade dos factos, no fundo não passam de espíritos débeis e confusos que usam as palavras, às vezes habilmente, para justificar a sua covardia.
Dentro ou fora de mim, todos os dias acontece algo que me surpreende, (...) desde a possibilidade do impossível a todos os sonhos e ilusões.
Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos.
Sem memória não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir.
Por um voto em branco, você está dizendo que você tem uma consciência política, mas você não concorda com qualquer um dos partidos existentes.
O momento das carícias voltou a entrar no quarto, pediu desculpa por ter-se demorado tanto lá fora, Não encontrava o caminho, justificou-se, e, de repente, como aos momentos algumas vezes acontece, tornou-se eterno.
Momentos de fraqueza na vida qualquer um os poderá ter, e, se hoje passámos sem eles, tenhamo-los por certos amanhã.
Se começássemos a dizer claramente que a democracia é uma piada, um engano, uma fachada, uma falácia e uma mentira, talvez pudéssemos nos entender melhor.