Poemas de José Saramago

Cerca de 231 poemas de José Saramago

Nada começa que não tenha que acabar, tudo o que começa nasce do que acabou.
(O Evangelho Segundo Jesus Cristo)

«... e depois aconteceu aquele longo diálogo diante do espelho, árvore do conhecimento do bem e do mal, não tem nada que aprender, basta olhar, que palavras extraordinárias teriam trocado os seus reflexos».

«...é como viver, nascemos, vemos os outros a viverem, pomo-nos a viver também, a imitá-los, sem sabermos porquê nem para quê»

Tendo subido a uma montanha para alcançar as paisagens de além, resiste a regressar ao vale enquanto não sentir que nos seus olhos deslumbrados já não cabem mais vastidões.

José Saramago
Todos os nomes. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

O que tem de ser, tem de ser, e tem muita força, não se pode resistir-lhe, mil vezes o ouvi à gente mais velha, Acredita na fatalidade, Acredito no que tem de ser.

José Saramago
A jangada de pedra (1986).

Nota: A parte inicial do pensamento costuma ser erroneamente atribuída a Guimarães Rosa.

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O egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas covardias do cotidiano, tudo isso contribui para essa perniciosa forma de cegueira mental que consiste em estar no mundo e não ver o mundo, ou só ver dele o que, em cada momento, for suscetível de servir os nossos interesses.

José Saramago
África. Diário de Notícias, 11 ago. 2009.

Acreditar na verdadeira democracia:

Eu acho que é preciso continuar a acreditar na democracia, mas numa democracia que o seja de verdade. Quando eu digo que a democracia em que vivem as atuais sociedades deste mundo é uma falácia, não é para atacar a democracia, longe disso. É para dizer que isto a que chamamos democracia não o é. E que, quando o for, aperceber-nos-emos da diferença. Nós não podemos continuar a falar de democracia no plano puramente formal. Isto é, que existam eleições, um parlamento, leis, etc. Pode haver um funcionamento democrático das instituições de um país, mas eu falo de um problema muito mais importante, que é o problema do poder. E o poder, mesmo que seja uma trivialidade dizê-lo, não está nas instituições que elegemos. O poder está noutro lugar.”
(Lancelot)

Aprendi que o sentimento do amor não é mais nem menos forte conforme as idades, o amor é uma possibilidade de uma vida inteira, e se acontece, há que recebê-lo.

Normalmente, quem tem ideias que não vão neste sentido, e que tendem a menosprezar o amor como fator de realização total e pessoal, são aqueles que não tiveram o privilégio de vivê-lo, aqueles a quem não aconteceu esse mistério.

“Por um instante a morte soltou-se a si mesma, expandindo-se até às paredes, encheu o quarto todo e alongou-se como um fluido até à sala contígua, aí uma parte de si deteve-se a olhar o caderno que estava aberto sobre uma cadeira, era a suite número seis opus mil e doze em ré maior de Johann Sebastian Bach composta em Cöthen e não precisou de ter aprendido música para saber que ela havia sido escrita, como a nona sinfonia de Beethoven, na tonalidade da alegria, da unidade entre os homens, da amizade e do amor. Então aconteceu algo nunca visto, algo não imaginável, a morte deixou-se cair de joelhos, era toda ela, agora, um corpo refeito, e por isso é que tinha joelhos, e pernas, e pés, e braços, e mãos, e uma cara que entre as mãos escondia, e uns ombros que tremiam não se sabe porquê, chorar não será, não se pode pedir tanto a quem sempre deixa um rasto de lágrimas por onde passa, mas nenhuma delas que seja sua. Assim como estava, nem visível nem invisível, em esqueleto nem mulher, levantou-se do chão como um sopro e entrou no quarto.”

(José Saramago, “As intermitências da morte”)

⁠Como podem homens sem deus serem bons?

Como podem homens com deus serem tão maus?

⁠Que dirá a vizinhança quando der por que já não estão aqui aqueles que, sem morrer, à morte estavam.

(As intermitências da Morte)

Inserida por JPVercosa

Pensar, pensar
Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de reflexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma.

... mas quando quando a aflição aperta, quando o corpo se nos demanda de dor e angústia, então é que se vê o animalzinho que somos.

A palavra deixou de ter conteúdo e de ter qualquer coisa dentro, é pronunciada com uma leviandade total.

... perdoem-me a preleção moralística, é que vocês não sabem, não o podem saber, o que é ter olhos num mundo de cegos, não sou rainha, não, sou simplesmente a que nasceu para ver o horror, vocês setem-no, eu sinto-o e vejo-o, e agora ponto final na dissertação, vamos comer.

José Saramago
Ensaio sobre a cegueira

Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem idéias, não vamos a parte nenhuma.

... e serenamente desejou estar cega também, atravessar a pele visível das coisas e passar para o lado de dentro delas, para a sua fulgurante e irremediável cegueira.

José Saramago
Ensaio sobre a cegueira

(...) o trabalho que deixou de ser o que havia sido, e nós, que só podemos ser o que fomos, de repente percebemos que já não somos necessários no mundo...

Eu entendo-me sempre melhor com uma mulher do que com um homem A conversa é sempre mais solta, mais descontraída. Eu acho que a relação com as mulheres é mais direta...

... acaso os lábios tocariam levemente a pele antes de encontrarem a água, e, sendo a sede muita, sofregamente iriam recolher no côncavo as últimas gotas, acordando assim, quem sabe, uma outra secura.

José Saramago
Ensaio sobre a cegueira