Poemas de Guimarães Rosa
Sou só um sertanejo, nessas altas ideias navego mal. Sou muito pobre coitado. Inveja minha pura é de uns conforme o senhor, com toda leitura e suma doutoração.
A gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?
Quem-sabe, a gente criatura ainda é tão ruim, tão, que Deus só pode às vezes manobrar com os homens é mandando por intermédio do diá?
O espírito da gente é cavalo que escolhe estrada: quando ruma para tristeza e morte, vai não vendo o que é bonito e bom.
No centro do sertão, o que é doideira às vezes pode ser a razão mais certa e de mais juízo!
Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera.
E sei que em cada virada de campo, e debaixo de sombra de cada árvore, está dia e noite um diabo, que não dá movimento, tomando conta.
Se eu fosse filho de mais ação, e menos ideia, isso sim, tinha escapulido, calado.
Manter firme uma opinião, na vontade do homem, em mundo transviável tão grande, é dificultoso.
Somente com a alegria é que a gente realiza bem – mesmo até as tristes ações.
Para pensar longe, sou cão mestre – o senhor solte em minha frente uma ideia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém!
O senhor não pode estabelecer em sua ideia a minha tristeza quinhoã. Até os pássaros, consoante os lugares, vão sendo muito diferentes. Ou são os tempos, travessia da gente?
Em noite de roça, tudo é canto e recanto. E há sempre um cachorro latindo longe, no fundo do mundo.
Tão longo ouvia, tanto mais eu me descompenetrava. O que produzia, próprio em mim, íntimo, um silêncio, uma diminuição de peso.
O micróbio é humilde, o vírus que se infiltra, o pó, o pão, o glóbulo de sangue, o esperma, o interminável futuro na sementinha, o vingativo chão, a água ínfima: o átomo é humilde; humilde é Deus.
“metafísica”: “É um cego, com olhos vendados, num quarto escuro, procurando um gato
preto... que não está lá.”
A lógica é a prudência convertida em ciência; por isso não serve para nada.
E é graças aos encontros inesperados dos velhos amigos que eu fico reconhecendo que o mundo é pequeno e, como sala-de-espera, ótimo, facílimo de se aturar...
Noite sem lua, concha sem pérola. Só silhuetas de árvores. E um vagalume lanterneiro, que riscou um psiu de luz.
... hoje-em-dia eu nem sei o que sei, e, o que soubesse, deixei de saber o que sabia...