Poemas de Guimarães Rosa
Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. (…) A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem não misturam. (…) Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe; e se sabe, me entende.
Até hoje, para não se entender a vida, o que de melhor se achou foram os relógios. É contra eles, também, que temos que lutar...
Quantas mangas perfaz uma mangueira, enquanto vive? - isto, apenas. Mais, qualquer manga em si traz, em caroço, o maquinismo de outra, mangueira igualzinha, do obrigado tamanho e formato. Milhões, bis, tris, lá sei, haja números para o Infinito. E cada mangueira dessas, e por diante, para diante, as corações-de-boi, sempre total ovo e cálculo, semente, polpas, sua carne de prosseguir, terebintinas.
Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio.
Uma breve argumentação
Vai desistir da vida ?
Deixa eu lhe falar:
Seu coração não desistiu de bater.
Seus rins não desistiram de filtrar.
Seus olhos não desistiram de enchergar.
Seus ouvidos não desistiram de escutar.
Suas pernas não desistiram de andar.
Deus não desistiu de te amar.
Se sua fama, é por meio de "Likes"
E seus elogios é por meio de "Comentarios"
Sua vida é um eterno paradoxo.
A vida também é para ser lida. Não literalmente, mas em seu supra-senso. E a gente, por enquanto, só a lê por tortas linhas.
Ser ruim, sempre, às vezes é custoso, carece de perversos exercícios de experiência.
A vida da gente vai em erros, como um relato sem pés nem cabeça, por falta de sisudez e alegria. Vida devia de ser como sala do teatro, cada um inteiro fazendo com forte gosto seu papel, desempenho.
Liberdade – aposto – ainda é só alegria de um pobre caminhozinho, no dentro do ferro de grandes prisões.
Para o prazer e para ser feliz, é que é preciso a gente saber tudo, formar alma, na consciência; para penar, não se carece.
Os fatos passados obedecem à gente; os em vir, também. Só o poder do presente é que é furiável? Não. Esse obedece igual – e é o que é.
Jamais, aqui, hão de me ensinar o nunca. E eu queria voltar a um terno recanto perdido, universo: amorável. Se sorri, era o mundo todo coincidindo com a minha atualidade.
Nada em rigor tem começo e coisa alguma tem fim, já que tudo se passa em ponto numa bola; e o espaço é o avesso de um silêncio onde o mundo dá suas voltas.
A estrada do amor, a gente já está mesmo nela, desde que não pergunte por direção nem destino. E a casa do amor – em cuja porta não se chama e não se espera – fica um pouco mais adiante.
Mecê sabe o que é que onça pensa? Sabe não? Eh, então mecê aprende: onça pensa só uma coisa — é que tá tudo bonito, bom, bonito, bom, sem esbarrar. Pensa só isso, o tempo todo, comprido, sempre a mesma coisa só, e vai pensando assim, enquanto que tá andando, tá comendo, tá dormindo, tá fazendo o que fizer... Quando algua coisa ruim acontece, então de repente ela ringe, urra, fica com raiva, mas que não pensa nada: nessa horinha mesma ela esbarra de pensar. Daí, só quando tudo tornou a ficar quieto outra vez é que ela torna a pensar igual, feito em antes...
O mal está apenas guardando lugar para o bem. O mundo supura é só a olhos impuros. Deus está fazendo coisas fabulosas. Para onde nos atrai o azul? — calei-me. Estava-se na teoria da alma.