Poemas de Guilherme de Almeida
Se vá
Quando nós nos olhamos pela primeira vez
Ela disse que eu a olhava como ninguém jamais fez
E é verdade
Ela era diferente
E ela dizia
"Você é linda e nunca vou deixar você ir embora"
Ela viu uma beleza que eu não enchergava em mim mesma
E eu não quis me ir
E quando acabou
Ela me ignorou
Me abandonou
Fugiu de tudo o que tinhamos
Ela disse que não me deixaria ir embora
Mas ela mesma foi
Vivo
Eu caí
Me deixei cair
E fui absorvido por tudo
Um oceano de sentimentos
Um oceano de sensações
E foi bom
Porém
Algo estava errado
Não conseguia me mexer
Não conseguia respirar
Estava engasgando
Invadiu meus pulmões
Já não podia mais respirar
Já não podia mais ver
Ja não podia mais sentir
Me afoguei
Mas
Nada me puxa para o fundo desse oceano infinito
Então porque eu continuo a descer?
Porque continuo negando que posso voltar a superfície?
Porque não consigo me permitir?
Minha última gota de força me faz subir
E começo a sentir meus dedos
Minhas pernas
Meus braços
Consigo me mover novamente
Sinto o peso esvair de mim
E o ar enche meus pulmões
Respirar dói
Como da primeira vez
Mas agora
Tudo é diferente
Posso ver
Estou vivo
Como nunca estive antes
Ele era a faca mais afiada que eu ja conheci
E decidi enfia-la no meu peito
Porque ingenuamente achei que não iria doer
Senti a pontada por todo o meu corpo
Mas eu não queria acreditar que doía
Por mais que o sangue já me encharcasse inteiro
E quando você estava quase me transpassando
Eu tirei você de mim
E doeu ainda mais
Mas pelo menos agora eu sei
Que por mais que a dor seja horrivel
A ferida pode finalmente cicatrizar
Todos diziam
Que eu era frio
Que tinha um coração de pedra
Que não tinha sentimentos
Os sentimentos só machucam as pessoas
E eu simplesmente deveria guardar meu coração num armário escuro
Mas nao adianta fingir que la ele estaria imune
Ele só estaria escondido
Coisas escondidas mofam
E estragam
Por isso deixei ele bater
Mesmo se sangrar
Porque quando algo sangra
Significa que ele funciona
E se doi
Significa que eu sinto
Eu sou quente
Meu coração é de carne
Eu tenho sentimentos, até demais
Eu estou vivo
Chuva
Ela lava-me a alma
E sinto o peso me esvaindo
Me derramo
E me sinto
O ar está leve agora
Tudo está leve
Inclusive meu peito
Que já pode encher-se novamente
A leveza está no seu eu
E o seu eu é pura leveza
Que é embalada
Pelo som da chuva
não saem de mim
estão sempre ali
fazendo-me reviver tudo
fazendo-me não suportar meu eu
e questionar o porquê de coisas
que não se respondem
pois nunca
se perguntaram
Tudo posso
QUERO GRITAR
ESVAZIAR O PEITO DE UMA SÓ VEZ
TIRAR TODO O PESO DE MIM
mas nada posso
QUERO CORRER
DEIXAR TUDO PRA TRÁS
FUGIR DESSA ANGÚSTIA
mas nada posso
QUERO BATER EM ALGO
USAR O PUNHO COMO MINHAS PALAVRAS
GOLPEAR ALGO COM FORÇA PARA ESMAGAR A DOR
mas nada posso
Só me resta fechar os olhos
Respirar o mais fundo que o meu peito permite
E enquanto mergulho dentro do meu eu...
Tudo posso
Coloco o copo sobre a mesa
Estou satisfeito
Bebi demais dessa sua necessidade
De querer ser vinho
Quando não passa de um pacote de kissuco