Poemas de Guilherme de Almeida

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Indiferença

Hoje, voltas-me o rosto, se ao teu lado
passo. E eu, baixo os meus olhos se te avisto.
E assim fazemos, como se com isto,
pudéssemos varrer nosso passado.

Passo esquecido de te olhar, coitado!
Vais, coitada, esquecida de que existo.
Como se nunca me tivesses visto,
como se eu sempre não te houvesse amado

Mas, se às vezes, sem querer nos entrevemos,
se quando passo, teu olhar me alcança
se meus olhos te alcançam quando vais.

Ah! Só Deus sabe! Só nós dois sabemos.
Volta-nos sempre a pálida lembrança.
Daqueles tempos que não voltam mais!

Um sábio me dizia: esta existência,
não vale a angústia de viver. A ciência,
se fôssemos eternos, num transporte
de desespero inventaria a morte.
Uma célula orgânica aparece
no infinito do tempo. E vibra e cresce
e se desdobra e estala num segundo.
Homem, eis o que somos neste mundo.

Assim falou-me o sábio e eu comecei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Um monge me dizia: ó mocidade,
és relâmpago ao pé da eternidade!
Pensa: o tempo anda sempre e não repousa;
esta vida não vale grande coisa.
Uma mulher que chora, um berço a um canto;
o riso, às vezes, quase sempre, um pranto.
Depois o mundo, a luta que intimida,
quadro círios acesos : eis a vida

Isto me disse o monge e eu continuei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Um pobre me dizia: para o pobre
a vida, é o pão e o andrajo vil que o cobre.
Deus, eu não creio nesta fantasia.
Deus me deu fome e sede a cada dia
mas nunca me deu pão, nem me deu água.
Deu-me a vergonha, a infâmia, a mágoa
de andar de porta em porta, esfarrapado.
Deu-me esta vida: um pão envenenado.

Assim falou-me o pobre e eu continuei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Uma mulher me disse: vem comigo!
Fecha os olhos e sonha, meu amigo.
Sonha um lar, uma doce companheira
que queiras muito e que também te queira.
No telhado, um penacho de fumaça.
Cortinas muito brancas na vidraça
Um canário que canta na gaiola.
Que linda a vida lá por dentro rola!

Pela primeira vez eu comecei a ver,
dentro da própria vida, o encanto de viver.

ESSA,QUE EU HEI DE AMAR...

Essa,que eu hei de amar perdidamente um dia,
Será tão loura,e vagarosa,e bela,
que eu pensarei que é o sol que vem,pela janela,
trazer luz e calor a esta alma escura e fria.

E,quando ela passar,tudo o que eu não sentia
da vida há de acordar no coração que vela...
E ela irá como o sol,e eu irei atrás dela
como sombra feliz...-- Tudo isso eu me dizia,

quando alguém me chamou.Olhei:um volto louro,
e claro,e vagaroso,e belo,na luz de ouro
do poente,me dizia adeus,como um sol triste...

E falou-me de longe:´´Eu passei a teu lado,
mas ias tão perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador,que nem sequer me viste!``

Soneto XXXVIII

Quando a chuva cessava e um vento fino
franzia a tarde tímida e lavada,
eu saía a brincar, pela calçada,
nos meus tempos felizes de menino.

Fazia, de papel, toda uma armada,
e estendendo meu braço pequenino,
eu soltava os barquinhos, sem destino.
ao longo das sarjetas, na enxurrada...

Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
que não são barcos de ouro os meus ideais:
são de papel, são como aqueles,

perfeitamente, exatamente iguais...
_Que meus barquinhos, lá se foram eles!
Foram-se embora e não voltaram mais!

Quando as folhas caírem nos caminhos,
ao sentimentalismo do sol poente,
nós dois iremos vagarosamente,
de braços dados, como dois velhinhos…


E que dirá de nós toda essa gente,
quando passarmos mudos e juntinhos?
- "Como se amaram esses coitadinhos!
Como ela vai, como ele vai contente!"


E por onde eu passar e tu passares,
hão de seguir-nos todos os olhares
e debruçar-se as flores nos barrancos…


E por nós, na tristeza do sol posto,
hão de falar as rugas do meu rosto…
Hão de falar os teus cabelos brancos…

CUIDADO!

Ó namorados que passais, sonhando,
quando bóia, no céu, a lua cheia!
Que andais traçando corações na areia
e corações nos peitos apagando!

Desperta os ninhos vosso passo… E quando
pelas bocas em flor o amor chilreia,
nem sei se é o vosso beijo que gorjeia,
se são as aves que se estão beijando…

Mais cuidado! Não vá vossa alegria
afligir tanta gente que seria
feliz sem nunca ouvir nem ver!

Poupai a ingenuidade delicada
dos que amaram sem nunca dizer nada,
dos que foram amados sem saber!

Guilherme de Almeida
DE ALMEIDA, G. Messidor. São Paulo: O Livro, 1919.

INFÂNCIA

Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se "Agora".

Guilherme de Almeida
DE ALMEIDA, G. Poesia Vária. São Paulo: Editora Cultrix, 1963

CIGARRA

Diamante. Vidraça.
Arisca, áspera asa risca
o ar. E brilha. E passa.


CHUVA DE PRIMAVERA

Vê como se atraem
nos fios os pingos frios!
E juntam-se. E caem.


OUTUBRO

Cessou o aguaceiro.
Há bolhas novas nas folhas
do velho salgueiro.


O HAIKAI

Lava, escorre, agita
A areia. E, enfim, na bateia
Fica uma pepita.


NOTURNO

Na cidade, a lua:
a jóia branca que bóia
na lama da rua.


HORA DE TER SAUDADE

Houve aquele tempo...
(E agora, que a chuva chora,
ouve aquele tempo!)


OS ANDAIMES

Na gaiola cheia
(pedreiros e carpinteiros)
o dia gorjeia.


QUIRIRI

Calor. Nos tapetes
tranqüilos da noite, os grilos
fincam alfinetes.

Somente quando ela perdeu suas asas
Soube que o que mais amava na vida
Era voar

Quanto mais eu digo
Que não sinto nada
Mais e mais eu me deixo
E desabo em um penhasco infinito
De puro sentimento

Despertar

Todo o meu medo
Todo o meu horror
O frio
A dor

Toda minha angústia
E meu tormento
Do ócio ao ódio
Virando desprezo

Tudo parte de mim

E talvez
Nada esteja errado
E todo o mal que eu enxergo
Estava todo em mim
Enterrado

Sinta

Não há porque tentar
A fuga é inevitável
Todos os caminhos
Todas as escolhas
Nada pode evitar o único destino possível

Não importa o sentimento
Não importa o quanto doa
Você precisa fechar os olhos
Precisa viajar em você mesmo
Precisa saber
Não a porque mentir
Você precisa
Sentir

A incerteza é o pior
Ela corta o futuro
Destroe os caminhos
Queima as possibilidades

Deixo de respirar no agora
Me paraliso
Porque penso demais
Questiono demais

O 'talvez' me assusta
O 'quem sabe' me aterroriza
E me afogo em angústia
Preso no medo de um futuro que talvez nunca aconteça

Eu Devia

Não
Porque não posso
Porque não sei
Não consigo
Não devo

Respiro
Penso
Tento
Não consigo
Não devo

Paro
Engulo
Abro os olhos
Mas eu nao consigo
Nao devo

Então eu me afundo
Me derramo
Perco
E no silêncio
Eu percebo

Eu poderia
Eu sabia
Eu conseguiria
Eu devia

Então volto a respirar
Volto a ver
Volto a pensar
E as coisas são claras agora

A vida
Nada mais é que uma grande aposta
Em que um grande homem diz que você pode
Mas você vive dizendo que não
E acaba ganhando a aposta
Por medo de estar errado.

entrando em tua alma ,começo a procurar,desesperadamente
uma coisa qualquer que não quero encontrar.

NÓS DOIS

Chão humilde. Então,
riscou-o a sombra de um vôo.
"Sou céu!" disse o chão.

Guilherme de Almeida
DE ALMEIDA, G. Poesia Vária. São Paulo: Editora Cultrix, 1963

Segunda canção do peregrino

Vencido, exausto, quase morto,
cortei um galho do teu horto
e dele fiz o meu bordão.

Foi minha vista e foi meu tacto:
constantemente foi o pacto
que fez comigo a escuridão.

Pois nem fantasmas, nem torrentes,
nem salteadores, nem serpentes
prevaleceram no meu chão.

Somente os homens, que me viam
passar sozinho, riam, riam,
riam, não sei por que razão.

Mas, certa vez, parei um pouco,
e ouvi gritar:-"Aí vem o louco
que leva uma árvore na mão!"

E, erguendo o olhar, vi folhas, flores,
pássaros, frutos, luzes, cores...
-Tinha florido o meu bordão

Inserida por DnaCydinha

Estava morrendo sufocado
E mesmo assim
Insisti em soprar meu ar
Nos seus pulmões

Eu me afogo
Me afogo no vazio do meu peito
E sigo em queda
No infinito constante de mim mesmo

Ao Mar

Eu me lanço ao mar

Um mar de incertezas
Um mar de desafios
Um mar turbulento
O mar mais violento que ja conheci

E ele me leva pro desconhecido
Para terras assustadoras
Terras de problemas sem solução
Terras de tempestades eternas

E eu gosto