Poemas de Friedrich Nietzsche
Amor e Justiça
Por que superestimamos o amor em detrimento da justiça e dizemos dele as coisas mais belas, como se fosse algo muito superior a ela? Não será ele visivelmente mais estúpido? – Sem dúvida, mas justamente por isso mais agradável para todos. O amor é estúpido e possui uma abundante cornucópia; dela retira e distribui seus dons a cada pessoa, ainda que ela não os mereça, nem sequer os agradeça. Ele é imparcial como a chuva, que, segundo a Bíblia e a experiência, molha até os ossos não apenas o injusto, mas ocasionalmente também o justo.
A solidão, para alguns, é abrigo do doente. Para outros, a solidão é o abrigo contra o doente.
Ainda que tenham me ouvido tritar e suspirar com o frio do inverno, todos esses pobres diabos de olhos turvos que me rodeiam, com tais arrepios e suspiros, fujo de seus quartos aquecidos.
Podem muito bem lastimar e ter dó de mim por causa de minhas frieiras e que me desprezam dizendo: "Acabará por se congelar com o gelo do seu conhecimento!"
Eu, entretanto, corro de cá para lá, com os pés quentes, sobre meu Monte das Oliveiras. No recanto ensolarado de meu monte de oliveiras canto e escarneço de toda compaixão.
Não queremos que os nossos inimigos nos tratem com indulgência, nem tão pouco aqueles a quem amamos de coração. Deixai-me, portanto, dizer-vos a verdade!
Irmãos na guerra! Amo-vos de todo o coração; eu sou e era vosso semelhante. Também sou vosso inimigo. Deixai-me, portanto, dizer-vos a verdade!
Conheço o ódio e a inveja do vosso coração. Não sois bastante grandes para não conhecer o ódio e a inveja. Sede, pois, bastante grandes para não vos envergonhardes disso!
E se não podeis ser os santos do conhecimento, sede ao menos os seus guerreiros. Eles são os companheiros e os precursores dessa entidade.
Vejo muitos soldados; oxalá possa ver muitos guerreiros. Chama-se “uniforme” o seu traje; não seja, porém, uniforme o que esse traje oculta!
Vós deveis ser daqueles cujos olhos procuram sempre um inimigo, o vosso inimigo. Em alguns de vós se descobre o ódio à primeira vista.
Vós deveis procurar o vosso inimigo e fazer a vossa guerra, uma guerra por vossos pensamentos. E se o vosso pensamento sucumbe, a vossa lealdade, contudo, deve cantar vitória.
Deveis amar a paz como um meio de novas guerras, e mais a curta paz do que a prolongada.
Não vos aconselho o trabalho, mas a luta. Não vos aconselho a paz, mas a vitória. Seja o vosso trabalho uma luta! Seja vossa paz uma vitória!
Não é possível estar calado e permanecer tranqüilo senão quando se têm flechas no arco; a não ser assim questiona-se. Seja a vossa paz uma vitória!
Dizeis que a boa causa é a que santifica também a guerra? Eu vos digo: a boa guerra é a que santifica todas as coisas.
A guerra e o valor têm feito mais coisas grandes do que o amor do próximo. Não foi a vossa piedade mas a vossa bravura que até hoje salvou os náufragos.
Que é bom? — perguntais. — Ser valente. Deixai as raparigas dizerem: “Bom é o bonito e o meigo”.
Oração ao Deus desconhecido
Antes de prosseguir no meu caminho
E lançar o meu olhar para frente
Uma vez mais elevo, só, minhas mãos a Ti,
Na direção de quem eu fujo.
A Ti, das profundezas do meu coração,
Tenho dedicado altares festivos,
Para que em cada momento
Tua voz me possa chamar.
Sobre esses altares está gravada em fogo
Esta palavra: “ao Deus desconhecido”
Eu sou teu, embora até o presente
Me tenha associado aos sacrílegos.
Eu sou teu, não obstante os laços
Me puxarem para o abismo.
Mesmo querendo fugir
Sinto-me forçado a servi-Te.
Eu quero Te conhecer, ó Desconhecido!
Tu que que me penetras a alma
E qual turbilhão invades minha vida.
Tu, o Incompreensível, meu Semelhante.
Quero Te conhecer e a Ti servir.
A Sabedoria do Sofrimento
O sofrimento não tem menos sabedoria do que o prazer: tal como este, faz parte em elevado grau das forças que conservam a espécie. Porque se fosse de outra maneira há muito que esta teria desaparecido; o facto de ela fazer mal não é um argumento contra ela, é muito simplesmente a sua essência. Ouço nela a ordem do capitão: «Amainem as velas». O intrépido navegador homem deve treinar-se a dispor as suas de mil maneiras; de outro modo, não tardaria a desaparecer, o oceano havia de o engolir depressa. É preciso que saibamos viver também reduzindo a nossa energia; logo que o sofrimento dá o seu sinal, é chegado o momento; prepara-se um grande perigo, uma tempestade, e faremos bem em oferecer a menor «superfície» possível. Há homens, contudo, que, quando se aproxima o grande sofrimento, ouvem a ordem contrária e nunca têm ar mais altivo, mais belicoso, mais feliz do que quando a borrasca chega, que digo eu! E a própria tempestade que lhes dá os seus mais altos momentos! São os homens heróicos, os grandes «pescadores da dor», esses raros, esses excepcionais de que é necessário fazer a mesma apologia que se faz para a própria dor! Não lha podemos recusar! São conservadores da espécie, estimulantes de primeira qualidade, quando mais não seja porque resistem ao bem-estar e não escondem o seu desprezo por essa espécie de felicidade.
Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"
O artista dionisíaco apresentará
de modo imediatamente inteligível
a essência do fenômeno:
ele domina deveras sobre o caos da Vontade ainda não conformada
e pode, a partir dele, em cada momento criador,
engendrar um novo mundo – mas também o antigo,
conhecido como fenômeno.
Em sentido derradeiro, ele é músico trágico
O que é bom? Tudo o que aumenta no homem o sentimento do poder, a vontade de poder, o próprio poder.
O que é mau? Tudo o que nasce da fraqueza. (...)
Os fracos e os fracassados devem perecer: primeiro princípio da nossa caridade. E há mesmo que ajudá-los a desaparecer!
O que é mais nocivo do que todos os vícios? A compaixão da ação por todos os fracassados e fracos: o Cristianismo...
O solo amaldiçoado onde o cristianismo chocou seus ovos de basílicas deve ser destruído pedra por pedra, tornando-se o lugar mais infame da terra ,o terror de toda posteridade. Deve-se criar cobras venenosas nesse lugar.
É preciso usar trovões e fogos de artifício celestes para falar com sentidos frouxos e dormentes.
Mas a voz da beleza fala baixo: ela se insinua apenas nas almas mais despertas.
Perde-se força quando se compadece. Através da compaixão agravam-se e multiplicam-se ainda mais as perdas de força que, em si, o sofrimento já traz à vida. O próprio sofrimento torna-se contagioso através da compaixão.
O Mal— um Bem Favorável ao Grande Crescimento Examinem a vida dos melhores e mais fecundos homens e povos e perguntem a si mesmos se uma árvore que deve crescer orgulhosamente no ar poderia dispensar o mau tempo e os temporais; se o desfavor e a resistência externa, se alguma espécie de ódio, ciúme, teimosia, suspeita, dureza, avareza e violência não faz parte das circunstâncias “favoráveis” sem que as quais não é possível um grande crescimento, mesmo na virtude? O veneno que faz morrer a natureza frágil é um fortificante para o forte— e ele nem o chama de veneno.
Acaso sereis suficientemente filósofos para me fazer esta objeção? (...)
Escolhei a BOA solidão, a solidão livre, frívola e ligeira, aquela que vos dá o direito de permanecerdes bons, num sentido qualquer(...)
O cinismo é a única forma sob a qual as almas torpes tocam ao de leve no que se chama sinceridade. O homem superior deve apurar o ouvido perante qualquer variante do cinismo, felicitar-se de cada vez que ouve IDIOTICES do FARSANTE despudorado ou do sátiro científico (...)
Para um homem dotado de profundo pudor, os destinos e as decisões delicadas escolhem caminhos por onde poucos transitaram e de cuja existência nem os seus mais íntimos confidentes devem ter conhecimento(...)
Devemos livrar-nos do mal gosto de querermos estar de acordo com muitos(...)
Aquilo que pode ser comum tem sempre pouco valor. Em última instância tudo deve ser como é e sempre foi. As coisas grandes estão reservadas para os grandes, os abismos para os profundos, as delicadezas e os arrepios para as almas delicadas e, de um modo geral, tudo o que seja raro, para os raros.
165. Da felicidade da renúncia -
Aquele que renuncia absolutamente a uma coisa e por muito tempo, se porventura volta a encontrar, quase acredita que a descobriu; e qual não é a felicidade do homem que descobre! Sejamos mais sábios do que a serpente, que fica tempo demais exposta ao sol - ( Friedrich Nietzsche - in Gaia ciência)
"[...] para mim a palavra 'dever' é pesada e opressiva. Reduzi meus deveres a apenas um: perpetuar minha liberdade. O casamento e seu séquito de possessão e ciúme escravizam o espírito. Eles jamais me dominarão. Espero, doutor Breuer, que chegue o tempo em que nem o homem, nem a mulher sejam tiranizados pelas fraquezas mútuas [...]."
..E quem adivinha ao menos em parte as consequências de toda profunda suspeita, os calafrios e angustias do isolamento, a que toda incondicional diferença do olhar condena quem dela sofre, compreenderá também com frequência, para me recuperar de mim, como para esquecer-me temporariamente, procurei abrigo em algum lugar - em alguma adoração, alguma inimizade, leviandade, cientificidade ou estupidez; e também por que, onde não encontrei o que precisava, tive que obtê-lo à força de artifício, de falsificá-lo e criá-lo poeticamente para mim.
Você deve apreender a injustiça necessária de todo pró e contra, a injustiça como indissociável da vida, a própria vida como condicionada pela perspectiva e sua injustiça.
Não poucos, talvez a maioria dos homens, têm a necessidade de rebaixar e diminuir na sua imaginação todos os homens que conhecem, para manter sua auto-estima e uma certa competência no agir. E, como as naturezas mesquinhas são em número superior, e é muito importante elas terem essa competência.
A maldade é rara.. Os homens em sua maioria, estão ocupados demais consigo mesmos para serem malvados.
"O amamos no outro é o desejo e não o desejado, por isso quando acaba o desejo acaba o amor".
(No livro de Irvin D. Yalom - "Quando Nietzsche chorou"- diálogo entre o personagem "Nietzsche" o "Dr. Breuer").