Poemas de Friedrich Nietzsche
Virtudes Inconscientes
Todas as qualidades pessoais de que um homem tem consciência - sobretudo quando supõe que os que o rodeiam as vêem, que saltam aos olhos dos outros -, estão submetidas a leis da evolução completamente diferentes daquelas que regem as qualidades que ele conhece mal ou não conhece, as qualidades que a sua finura dissimula ao observador mais subtil e que parecem entrincheirar-se atrás da cortina do nada. Assim como a delicada gravura que esculpe a escama da serpente: seria um erro ver nela ou uma arma ou um ornamento, porque só é possível descobri-la ao microscópio, por consequência com um olho cuja potência é devida a tais artifícios que os animais para os quais ela teria por sua vez servido de arma ou de ornamento não possuem semelhante!
As nossas qualidade morais visíveis e, nomeadamente, aquelas que nós acreditamos serem tais, seguem o seu caminho; e as do mesmo nome que se não vêem, que não podem portanto servir-nos de arma ou de ornamento, seguem assim o seu caminho, provavelmente completamente diferente, decoradas de linhas, de finuras e de esculturas que poderiam talvez dar prazer a um deus munido com um microscópio divino. Eis por exemplo o nosso zelo, a nossa ambição, a nossa perspicácia: temo-los, toda a gente os conhece; mas não possuímos além disso o nosso zelo, a nossa ambição, a nossa perspicácia, escamas de réptil para as quais ainda se não encontrou nenhum microscópio? E eis os amigos da moralidade instintiva a gritar: «Bravo! Ao menos admite a possibilidade de virtudes instintivas!... Isso não basta!» Oh! como vos basta pouco!
O pior inimigo, todavia, que poderá encontrar é tu mesmo. Nas cavernas e nos bosques és tu que te espreitas a ti mesmo.
Solitário, tu segues o caminho que te conduz a ti mesmo! E por teu caminho desfilam diante de ti tu mesmo e teus sete demônios.
Serás herege para ti mesmo, serás feiticeiro e adivinho, doido, incrédulo, ímpio e malvado.
É preciso que sintas a necessidade de consumir-te em tua própria chama. Como querias renascer sem primeiro te conduzires a cinzas?
Não queremos que os nossos inimigos nos tratem com indulgência, nem tão pouco aqueles a quem amamos de coração. Deixai-me, portanto, dizer-vos a verdade!
Irmãos na guerra! Amo-vos de todo o coração; eu sou e era vosso semelhante. Também sou vosso inimigo. Deixai-me, portanto, dizer-vos a verdade!
Conheço o ódio e a inveja do vosso coração. Não sois bastante grandes para não conhecer o ódio e a inveja. Sede, pois, bastante grandes para não vos envergonhardes disso!
E se não podeis ser os santos do conhecimento, sede ao menos os seus guerreiros. Eles são os companheiros e os precursores dessa entidade.
Vejo muitos soldados; oxalá possa ver muitos guerreiros. Chama-se “uniforme” o seu traje; não seja, porém, uniforme o que esse traje oculta!
Vós deveis ser daqueles cujos olhos procuram sempre um inimigo, o vosso inimigo. Em alguns de vós se descobre o ódio à primeira vista.
Vós deveis procurar o vosso inimigo e fazer a vossa guerra, uma guerra por vossos pensamentos. E se o vosso pensamento sucumbe, a vossa lealdade, contudo, deve cantar vitória.
Deveis amar a paz como um meio de novas guerras, e mais a curta paz do que a prolongada.
Não vos aconselho o trabalho, mas a luta. Não vos aconselho a paz, mas a vitória. Seja o vosso trabalho uma luta! Seja vossa paz uma vitória!
Não é possível estar calado e permanecer tranqüilo senão quando se têm flechas no arco; a não ser assim questiona-se. Seja a vossa paz uma vitória!
Dizeis que a boa causa é a que santifica também a guerra? Eu vos digo: a boa guerra é a que santifica todas as coisas.
A guerra e o valor têm feito mais coisas grandes do que o amor do próximo. Não foi a vossa piedade mas a vossa bravura que até hoje salvou os náufragos.
Que é bom? — perguntais. — Ser valente. Deixai as raparigas dizerem: “Bom é o bonito e o meigo”.
Amor e Justiça
Por que superestimamos o amor em detrimento da justiça e dizemos dele as coisas mais belas, como se fosse algo muito superior a ela? Não será ele visivelmente mais estúpido? – Sem dúvida, mas justamente por isso mais agradável para todos. O amor é estúpido e possui uma abundante cornucópia; dela retira e distribui seus dons a cada pessoa, ainda que ela não os mereça, nem sequer os agradeça. Ele é imparcial como a chuva, que, segundo a Bíblia e a experiência, molha até os ossos não apenas o injusto, mas ocasionalmente também o justo.
A solidão, para alguns, é abrigo do doente. Para outros, a solidão é o abrigo contra o doente.
Ainda que tenham me ouvido tritar e suspirar com o frio do inverno, todos esses pobres diabos de olhos turvos que me rodeiam, com tais arrepios e suspiros, fujo de seus quartos aquecidos.
Podem muito bem lastimar e ter dó de mim por causa de minhas frieiras e que me desprezam dizendo: "Acabará por se congelar com o gelo do seu conhecimento!"
Eu, entretanto, corro de cá para lá, com os pés quentes, sobre meu Monte das Oliveiras. No recanto ensolarado de meu monte de oliveiras canto e escarneço de toda compaixão.
A Sabedoria do Sofrimento
O sofrimento não tem menos sabedoria do que o prazer: tal como este, faz parte em elevado grau das forças que conservam a espécie. Porque se fosse de outra maneira há muito que esta teria desaparecido; o facto de ela fazer mal não é um argumento contra ela, é muito simplesmente a sua essência. Ouço nela a ordem do capitão: «Amainem as velas». O intrépido navegador homem deve treinar-se a dispor as suas de mil maneiras; de outro modo, não tardaria a desaparecer, o oceano havia de o engolir depressa. É preciso que saibamos viver também reduzindo a nossa energia; logo que o sofrimento dá o seu sinal, é chegado o momento; prepara-se um grande perigo, uma tempestade, e faremos bem em oferecer a menor «superfície» possível. Há homens, contudo, que, quando se aproxima o grande sofrimento, ouvem a ordem contrária e nunca têm ar mais altivo, mais belicoso, mais feliz do que quando a borrasca chega, que digo eu! E a própria tempestade que lhes dá os seus mais altos momentos! São os homens heróicos, os grandes «pescadores da dor», esses raros, esses excepcionais de que é necessário fazer a mesma apologia que se faz para a própria dor! Não lha podemos recusar! São conservadores da espécie, estimulantes de primeira qualidade, quando mais não seja porque resistem ao bem-estar e não escondem o seu desprezo por essa espécie de felicidade.
Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"
Oração ao Deus desconhecido
Antes de prosseguir no meu caminho
E lançar o meu olhar para frente
Uma vez mais elevo, só, minhas mãos a Ti,
Na direção de quem eu fujo.
A Ti, das profundezas do meu coração,
Tenho dedicado altares festivos,
Para que em cada momento
Tua voz me possa chamar.
Sobre esses altares está gravada em fogo
Esta palavra: “ao Deus desconhecido”
Eu sou teu, embora até o presente
Me tenha associado aos sacrílegos.
Eu sou teu, não obstante os laços
Me puxarem para o abismo.
Mesmo querendo fugir
Sinto-me forçado a servi-Te.
Eu quero Te conhecer, ó Desconhecido!
Tu que que me penetras a alma
E qual turbilhão invades minha vida.
Tu, o Incompreensível, meu Semelhante.
Quero Te conhecer e a Ti servir.
O que é bom? Tudo o que aumenta no homem o sentimento do poder, a vontade de poder, o próprio poder.
O que é mau? Tudo o que nasce da fraqueza. (...)
Os fracos e os fracassados devem perecer: primeiro princípio da nossa caridade. E há mesmo que ajudá-los a desaparecer!
O que é mais nocivo do que todos os vícios? A compaixão da ação por todos os fracassados e fracos: o Cristianismo...
O artista dionisíaco apresentará
de modo imediatamente inteligível
a essência do fenômeno:
ele domina deveras sobre o caos da Vontade ainda não conformada
e pode, a partir dele, em cada momento criador,
engendrar um novo mundo – mas também o antigo,
conhecido como fenômeno.
Em sentido derradeiro, ele é músico trágico
O solo amaldiçoado onde o cristianismo chocou seus ovos de basílicas deve ser destruído pedra por pedra, tornando-se o lugar mais infame da terra ,o terror de toda posteridade. Deve-se criar cobras venenosas nesse lugar.
É preciso usar trovões e fogos de artifício celestes para falar com sentidos frouxos e dormentes.
Mas a voz da beleza fala baixo: ela se insinua apenas nas almas mais despertas.
Perde-se força quando se compadece. Através da compaixão agravam-se e multiplicam-se ainda mais as perdas de força que, em si, o sofrimento já traz à vida. O próprio sofrimento torna-se contagioso através da compaixão.
O Mal— um Bem Favorável ao Grande Crescimento Examinem a vida dos melhores e mais fecundos homens e povos e perguntem a si mesmos se uma árvore que deve crescer orgulhosamente no ar poderia dispensar o mau tempo e os temporais; se o desfavor e a resistência externa, se alguma espécie de ódio, ciúme, teimosia, suspeita, dureza, avareza e violência não faz parte das circunstâncias “favoráveis” sem que as quais não é possível um grande crescimento, mesmo na virtude? O veneno que faz morrer a natureza frágil é um fortificante para o forte— e ele nem o chama de veneno.
Acaso sereis suficientemente filósofos para me fazer esta objeção? (...)
Escolhei a BOA solidão, a solidão livre, frívola e ligeira, aquela que vos dá o direito de permanecerdes bons, num sentido qualquer(...)
O cinismo é a única forma sob a qual as almas torpes tocam ao de leve no que se chama sinceridade. O homem superior deve apurar o ouvido perante qualquer variante do cinismo, felicitar-se de cada vez que ouve IDIOTICES do FARSANTE despudorado ou do sátiro científico (...)
Para um homem dotado de profundo pudor, os destinos e as decisões delicadas escolhem caminhos por onde poucos transitaram e de cuja existência nem os seus mais íntimos confidentes devem ter conhecimento(...)
Devemos livrar-nos do mal gosto de querermos estar de acordo com muitos(...)
Aquilo que pode ser comum tem sempre pouco valor. Em última instância tudo deve ser como é e sempre foi. As coisas grandes estão reservadas para os grandes, os abismos para os profundos, as delicadezas e os arrepios para as almas delicadas e, de um modo geral, tudo o que seja raro, para os raros.
165. Da felicidade da renúncia -
Aquele que renuncia absolutamente a uma coisa e por muito tempo, se porventura volta a encontrar, quase acredita que a descobriu; e qual não é a felicidade do homem que descobre! Sejamos mais sábios do que a serpente, que fica tempo demais exposta ao sol - ( Friedrich Nietzsche - in Gaia ciência)
"[...] para mim a palavra 'dever' é pesada e opressiva. Reduzi meus deveres a apenas um: perpetuar minha liberdade. O casamento e seu séquito de possessão e ciúme escravizam o espírito. Eles jamais me dominarão. Espero, doutor Breuer, que chegue o tempo em que nem o homem, nem a mulher sejam tiranizados pelas fraquezas mútuas [...]."
"O amamos no outro é o desejo e não o desejado, por isso quando acaba o desejo acaba o amor".
(No livro de Irvin D. Yalom - "Quando Nietzsche chorou"- diálogo entre o personagem "Nietzsche" o "Dr. Breuer").
"A terra está cheia de supérfluos e os que estão aí em demasia estragam a vida. Tirem-os desta com o engodo da eterna."
Ninguém antecipou o século XX com tanta lucidez quanto Nietzsche, e temos o seu veredito: "A primeira melhor coisa é não nascer; a segunda é morrer logo".