Poemas de Friedrich Nietzsche
Um passo adiante na convalescença: e o espírito livre se aproxima outra vez da vida, lentamente sem dúvida, quase recalcitrante, quase desconfiado. Fica outra vez mais quente ao seu redor, mais amarelo, por assim dizer; sentimento e simpatia adquirem profundeza, brisas de degelo de toda espécie passam por sobre ele. Quase se sente como se somente agora seus olhos se abrissem para o perto. Está admirado e se senta quieto: onde estava? Essas coisas próximas e muito próximas: como lhe parecem mudadas! Que plumagem e feitiço adquiriram nesse meio-tempo! Ele olha com gratidão para trás - grato a sua andança, a sua dureza e estranhamento de si, a seu olhar à distância e a seu voo de pássaro em frias altitudes. Que bom que ele não permaneceu, como alguém delicado, embotado, que fica em seu canto, sempre "em casa", sempre "junto de si"! Ele estava fora de si: não há dúvida nenhuma. Somente agora vê a si mesmo - e que surpresas encontra nisso! Que arrepio nunca provado! Que felicidade ainda no cansaço, na velha doença, na recaída do convalescente! Como lhe agrada sentar-se quieto sofrendo, urdir paciência, estar deitado ao sol! Quem entende igual a ele, de felicidade de inverno, de manchas de sol sobre o muro! São os animais mais gratos do mundo, e também os mais humildes, estes convalescentes e lagartos semi-voltados outra vez à vida: - há entre eles os que não deixam partir nenhum dia sem pedrar-lhe um pequeno hino de louvor na orla do manto que se afasta. E, falando sério: há uma cura radical contra todo pessimismo (o câncer dos velhos idealistas e heróis da mentira, como é sabido -), no modo de esses espíritos livres ficarem doentes, por um tempo permanecerem doentes e então, ainda mais longamente, mais longamente ainda, ficarem sadios, quero dizer, "mais sadios". Há sabedoria nisso, sabedoria de vida, em receitar-se a saúde mesma somente em pequenas doses.
Aquele que não quer ver o que é elevado num ser humano olha com tanto maior acuidade para o que é nele baixo e superficial - e com isso denuncia a si mesmo.
A permissão para que todos aprendam a ler arruína, a longo prazo, não apenas a escrita, mas também o pensamento.
Ninguém é livre para se tornar cristão: não se é "convertido" ao cristianismo — é preciso ser doente o bastante para tanto...
Além disso não podemos mais voltar ao antigo, já queimamos o barco; só nos resta ser corajosos, aconteça o que acontecer.
"Que é a moral cristã? A sorte despida de sua inocência; a infelicidade contaminada com a ideia de “pecado”; o bem-estar considerado como um perigo, como uma “tentação”; um desarranjo fisiológico causado pelo veneno do remorso..."
Qualquer espécie de antinatureza é vício. O tipo de homem mais vicioso é o padre: ele ensina a antinatureza. Contra o padre não há razões: há cadeia.
O essencial, em toda invenção, é feito pelo acaso, mas a maioria dos homens não encontra esse acaso.
Quantas ações genuinamente individuais são omitidas porque, antes de fazê-las, percebemos ou suspeitamos que serão mal compreendidas!
A chama não é tão luminosa para si como para as outras que ela ilumina: da mesma forma o sábio.
A música, em si, não é tão significativa para o nosso mundo interior, tão profundamente tocante, que possa valer como linguagem imediata do sentimento; mas sua ligação ancestral com a poesia pôs tanto simbolismo no movimento rítmico, na intensidade ou fraqueza do tom, que hoje imaginamos que ela fale diretamente ao nosso íntimo e que dele parta.
Esquecemos nossa culpa quando a confessamos a outro alguém; mas geralmente o outro não a esquece.
Quem não sabe guardar suas opiniões no gelo não deveria entrar em debates acalorados.
" As pessoas se irritam com aqueles que adotam padrões de vida muito individuais;elas se sentem humilhadas, reduzidas a seres ordinários, com o tratamento extraordinário que eles dispensam a si mesmos."
Essas dores podem ser bastante penosas: mas sem dores não é possível tornar-se guia e educador da humanidade; e coitado daquele que quisesse sê-lo e não tivesse essa pura consciência!
Éramos amigos e agora somos estranhos um ao outro. Mas não importa que assim o seja: não procuremos escondê-lo, como se isso nos envergonhasse. Somos como dois navios, cada um dos quais com seus próprios objetivos e rotas; talvez possamos cruzar-nos e celebrar uma festa como já o fizemos – e estes intrépidos barcos, debaixo do mesmo sol e no mesmo porto, teriam feito acreditar que alcançaram o mesmo objetivo e destino. Mas a onipotência de nossas tarefas separou-nos, empurrando-nos para outros mares, debaixo de outros sóis – e talvez nunca mais nos reconheçamos: mares diferentes e sóis diferentes nos mudaram!
Uma coisa é necessário ter: um espírito leve por natureza ou um espírito aliviado pela arte e pelo saber.