Poemas de Fernando Pessoa
Feliz quem não exige da vida mais do que ela espontaneamente lhe dá, guiando-se pelo instinto dos gatos, que buscam o sol quando há sol.
Mesmo a ausência dele é uma coisa que está comigo. E eu gosto tanto dele que não sei como o desejar.
Todas as cartas de amor são ridículas, não seriam cartas de amor se não fossem ridículas.
Nota: Trecho de poema do livro "Poesias de Álvaro de Campos", de Fernando Pessoa (heterônimo Álvaro de Campos). Link
...MaisSem verdade, sem dúvida, nem dono. Boa é a vida, mas melhor é o vinho. O amor é bom, mas é melhor o sono.
Nota: Trecho de poema do livro "Poesias Inéditas (1930-1935)", de Fernando Pessoa.
Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado . Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda a razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro. Mas cada um via uma coisa diferente, e cada um portanto, tinha razão.
Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.
Minha Pátria é minha língua. Pouco se me dá que Portugal seja invadido, desde que não mexam comigo.
Nota: Trecho adaptado do "Livro do Desassossego por Bernardo Soares" (heterônimo de Fernando Pessoa). Link
...MaisMas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés. O mesmo sempre, graças ao céu e à terra. E aos meus olhos e ouvidos atentos. E à minha clara simplicidade de alma...
Onde você vê a teimosia, alguém vê a ignorância, um outro compreende as limitações do companheiro, percebendo que cada qual caminha em seu próprio passo. E que é inútil querer apressar o passo do outro, a não ser que ele deseje isso.
Que sei eu do que serei eu que não sei o que sou? Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa! E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto {…} De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações, e a compreensão profunda de estar sentindo…Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter…
Nota: Trecho do "Livro do Desassossego", de Fernando Pessoa (heterônimo Bernardo Soares).
Tantas vezes, tantas, como agora, me tem pesado sentir que sinto – sentir como angústia só por ser sentir, a inquietação de estar aqui, a saudade de outra coisa que se não conheceu, o poente de todas as emoções… Ah, quem me salvará de existir? Não é a morte que quero, nem a vida: é aquela outra coisa que brilha no fundo da ânsia…
Eu sei que por algum tempo vou me manter oscilante entre a razão e o desejo. Algumas decisões são tomadas com o coração inquieto e o pensamento tomado por muitas coisas que aconteceram e acontecem, tudo misturado. Sei tambem que o tempo vai ser meu amigo para essas coisas da vida. Com coragem eu sigo, nessa velocidade que não temo, nem mesmo de ousar ser feliz.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo. Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha.