Poemas de Escritores Famosos

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Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência herdada, ouvida.
Amor começa tarde.

Eu estava sonhando.
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
"Neste país é proibido sonhar".

E cada instante e diferente, e cada
homen é diferente, e somos todos iguais.
No mesmo ventre o escuro inicial, na mesma terra
o silêncio global, mas não seja logo.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Sociedade
O homem disse para o amigo:
- Breve irei a tua casa
e levarei minha mulher.

O amigo enfeitou a casa
e quando o homem chegou com a mulher,
soltou uma dúzia de foguetes.

O homem comeu e bebeu.
A mulher bebeu e cantou.
Os dois dançaram.
O amigo estava muito satisfeito.

Quando foi a hora de sair,
o amigo disse para o homem:
- Breve irei a tua casa.
E apertou a mão dos dois.

No caminho o homem resmunga:
- Ora essa, era o que faltava.
E a mulher ajunta: - Que idiota.

- A casa é um ninho de pulgas.
- Reparaste o bife queimado ?
O piano ruim e a comida pouca.

E todas as quintas-feiras
eles voltavam à casa do amigo
que ainda não pôde retribuir a visita.

"O amor que move o Sol,
como as estrelas"

" ser busca outro ser, ao conhecê - lo
acha a razão de ser, já dividido.
São dois em um:, sublime selo
que à vida imprime cor, graça e sentido.

"Amor - eu deisse - e floriu uma rosa
embalsamando a tarde melodiosa
no canto mais ocluto do jardim, mas seu perfume não chegou a mim"

Eterno é a flor que se fana
se soube florir
é o meninno recém-nascido
antes que lhe deem nome
e lhe comuniquem o sentimento do efêmero
é o gesto de enlaçar e beijar
na visita do amor às almas
eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo
mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma força
[o resgata.

Cantiga do Viúvo

A noite caiu na minh'alma
Fiquei triste sem querer
Uma sombra veio vindo
Veio vindo, me abraçou
Era a sombra de meu bem

Que morreu há tanto tempo
Me abraçou com tanto amor
Me apertou com tanto fogo
Me beijou, me consolou
Depois riu devagarinho
Me disse adeus com a cabeça e saiu
Fechou a porta
Ouvi seus passos na escada
Depois mais nada, acabou

À beira do negro poço
debruço-me, nada alcanço
decerto perdi os olhos
que tinha quando criança.

Destruição

Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se vêem:
Um se beija no outro, reflectido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada, ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
Deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente.

Carlos Drummond de Andrade
in 'Lição de Coisas'

PROIBIDO PISAR NO GRAMADO
Talvez fosse melhor dizer:
PROIBIDO COMER O GRAMADO

O poeta entra no elevador
O poeta sobe
O poeta fecha-se no quarto
O poeta está melancólico.

Canção final

Oh! se te amei, e quanto!
Mas não foi tanto assim.
Até os deuses claudicam
em nugas de aritmética.
Meço o passado com régua
de exagerar as distâncias.
Tudo tão triste, e o mais triste
é não ter tristeza alguma.
É não venerar os códigos
de acasalar e sofrer.
É viver tempo de sobra
sem que me sobre miragem.
Agora vou-me. Ou me vão?
Ou é vão ir ou não ir?
Oh! se te amei, e quanto,
quer dizer, nem tanto assim.

No Ouintana's Bar,
sou assíduo cliente.
É um bar que não é bar,
é um bar diferente.

Se uma águia fende os ares e arrebata
esse que é forma pura e que é suspiro
de terrenas delícias combinadas;
e se essa forma pura, degradando-se,
mais perfeita se eleva, pois atinge
a tortura do embate, no arremate
de uma exaustão suavíssima, tributo
com que se paga o vôo mais cortante;
se, por amor de uma ave, ei-la recusa
o pasto natural aberto aos homens,
e pela via hermética e defesa
vai demandando o cândido alimento
que a alma faminta implora até o extremo;
se esses raptos terríveis se repetem
já nos campos e já pelas noturnas
portas de pérola dúbia das boates;
e se há no beijo estéril um soluço
esquivo e refolhado, cinza em núpcias,
e tudo é triste sob o céu flamante
(que o pecado cristão, ora jungido
ao mistério pagão, mais o alanceia),
baixemos nossos olhos ao desígnio
da natureza ambígua e reticente:
ela tece, dobrando-lhe o amargor,
outra forma de amar no acerbo amor.

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

Fernando Pessoa
Poesias Inéditas (1919-1930)

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

Fernando Pessoa

Nota: Trecho do poema "Autopsicografia", de Fernando Pessoa.

AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

Fernando Pessoa
Cancioneiro. L&PM Editores. 2007

Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa
Novas Poesias Inéditas. Lisboa: Ática. 1973 (4ª ed. 1993). p. 48

Quero ignorado, e calmo
Por ignorado, e próprio
Por calmo, encher meus dias
De não querer mais deles.

Aos que a riqueza toca
O ouro irrita a pele.
Aos que a fama bafeja
Embacia-se a vida.

Aos que a felicidade
É sol, virá a noite.
Mas ao que nada espera
Tudo que vem é grato.

Fernando Pessoa
Odes de Ricardo Reis. Lisboa: Ática, 1946.