Poemas de Érico Veríssimo
"Quando muito moço, eu me sentia como uma personagem que tinha entrado por engano numa peça a cujo elenco não pertencia. Eu me movia num palco estranho sem ter idéia do meu papel, e tudo ao meu redor parecia impreciso, absurdo e relativo."
- Incidente em Antares
"...morrer não é apenas uma fatalidade biológica, como também uma espécie de obrigação social."
- Incidente em Antares
Nossa alma tem estranhas veredas.
Podemos ouvir ou ler, chocados em maior ou menor grau, a notícia de um massacre de crianças e esquecer o fato no instante seguinte, continuando a viver como se nada tivesse acontecido.
No entanto, se na rua um amigo estimado nos nega o cumprimento, voltamos para casa abalados e passamos uma noite insone, a nos revolver na cama e pensar no "fato" com uma impressão de catástrofe.
O tempo faz a gente esquecer. Há pessoas que esquecem depressa. Outras apenas fingem que não se lembram mais.
Se naquele instante - refletiu Eugênio - caísse na Terra um habitante de Marte, havia de ficar embasbacado ao verificar que num dia tão maravilhosamente belo e macio, de sol tão dourado, os homens em sua maioria estavam metidos em escritórios, oficinas, fábricas... E se perguntasse a qualquer um deles: 'Homem, por que trabalhas com tanta fúria durante todas as horas de sol?' - ouviria esta resposta singular: 'Para ganhar a vida'. E no entanto a vida ali estava a se oferecer toda, numa gratuidade milagrosa. Os homens viviam tão ofuscados por desejos ambiciosos que nem sequer davam por ela. Nem com todas as conquistas da inteligência tinham descoberto um meio de trabalhar menos e viver mais. Agitavam-se na Terra e não se conheciam uns aos outros, não se amavam como deviam. A competição os transformava em inimigos. E havia muitos séculos, tinham crucificado um profeta que se esforçava por lhes mostrar que eles eram irmãos, apenas e sempre irmãos.
Em geral quando termino um livro encontro-me numa confusão de sentimentos, um misto de alegria, alívio e vaga tristeza. Relendo a obra mais tarde, quase sempre penso ‘Não era bem isto o que queria dizer’.
Para fugir ou para buscar. Os fugitivos cedo ou tarde descobrem que seus problemas são de natureza geográfica.
A vida vale a pena ser vivida apesar de todas suas dificuldades, tristezas e momentos de dor e angústia.
O mais importante que existe sobre a face da terra é a pessoa humana. E surpreender o homem no ato de viver é uma das coisas mais fantásticas que existe.
Na minha opinião o que importa não é homenagear os mortos, levando-lhes flores às sepulturas, e sim, tratá-los bem, com todo amor possível, enquanto estão vivos.
Senti que morrer devia ser doce.. ficar livre para sempre da vergonha, da angústia, da solidão... de tudo.
Definição de Érico Veríssimo sobre " boato".
Ora, um boato é uma espécie de enjeitadinho que aparece à soleira duma porta, num canto de muro ou mesmo no meio duma rua ou duma calçada, ali abandonado não se sabe por quem; em suma, um recém-nascido de genitores ignorados. Um popular acha-o engraçadinho ou monstruoso, toma-o nos braços, nina-o, passa-o depois ao primeiro conhecido que encontra, o qual por sua vez entrega o inocente ao cuidado de outro ou de outros, e assim o bastardinho vai sendo amamentado de seio em seio ou, melhor, de imaginação em imaginação, e em poucos minutos cresce, fica adulto - tão substancial e dramático é o leite da fantasia popular - começa a caminhar pelas próprias pernas, a falar com a própria voz e, perdida a inocência, a pensar com a própria cabeça desvairada, e há um momento em que se transforma num gigante, maior que os mais altos edifícios da cidade, causando temores e às vezes até pânico entre a população, apavorando até mesmo aquele que inadvertidamente o gerou.
O amor que ainda não se definiu é como uma melodia do desenho incerto: deixa o coração a um tempo alegre e perturbado e tem o encanto fugidio e misterioso de uma música ao longe.
Mas ninguém lê; eu trago esse livro fechado a chave. Que mundo triste é este em que a gente tem de trazer tudo fechado a chave.
Pensemos apenas nisto: não fomos consultados para vir para este mundo e não seremos consultados quando tivermos de partir. Isso dá bem a medida da nossa importância material na terra, mas deve ser um elemento de consolo e não de desespero.
Estive pensando na fúria cega com que os homens se atiram à caça do dinheiro. É essa a causa principal dos dramas, das injustiças, da incompreensão da nossa época. Eles esquecem o que têm de mais humano e sacrificam o que a vida lhes oferece de melhor: as relações de criatura para criatura. De que serve construir arranha-céus se não há mais almas humanas para morar neles. (...) É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza. Precisamos, entretanto, dar um sentido humano às nossas construções. E quando o amor ao dinheiro, ao sucesso nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu.
O espírito de gentileza podia salvar o mundo. O que nos falta é isso: espírito de gentileza. Boas maneiras de homem para homem, de povo para povo.
É indispensável que conquistemos este mundo, não com as armas do ódio e da violência e sim com as do amor e da persuasão”.
Eugênio ouviu os mexericos sem se perturbar. Limitou-se a sorrir e depois que ficou a sós não pode deixar de se perguntar a si mesmo como lhe fora possível encarar os fatos duma maneira tão desligada, tão superior e serena? Se lhe tivessem contado aquelas infâmias em outro tempo, ele teria sentido dor física, teria ficado num estado de absoluta prostração, numa angústia que se prolongaria durante dias e dias. Os homens eram perversos – concluiu ele. Mas depois se corrigiu: – Havia homens muito perversos. Não bastariam as misérias reais da vida, aquelas de que ele tinha todos os dias dolorosas amostras na sua clínica? Algumas pessoas acham um prazer depravado em inventar misérias. Como podia uma criatura de alma limpa andar pelos caminhos da vida? Lembrou-se das palavras de Olívia numa de suas cartas. Tu uma vez comparaste a vida a um transatlântico, e te perguntaste a ti mesmo: ‘Estarei fazendo uma viagem agradável?’. Mas eu te asseguro que o mais decente seria perguntar: Estarei sendo um bom companheiro de viagem?’ Realmente, os homens em geral eram maus companheiros de viagem. Apesar da imensidão e das incertezas do mar, apesar do perigo das tempestades, do raio e da fragilidade do navio, eles ainda se obstinavam em serem inimigos uns dos outros. O sensato seria que se unissem em uma atitude de defesa e que se trocassem gentilezas a fim de que a viagem fosse mais agradável para todos.
(Olhai os Lírios do Campo)
O crânio do operário estava todo esfacelado, seu rosto absolutamente irreconhecível. (...)
– Mandem tocar de novo as máquinas – disse o gerente. – Não podemos ficar parados. Tempo é ouro.
Ouro... Por que era que os homens não se esqueciam nunca do ouro? Ouro lhe lembrava outra palavra: sangue. Tempo também era sangue. Ouro se fazia com sangue.
(Olhai os lírios do campo)
Não aceitamos a idéia de que as coisas só possam ser pretas ou brancas, acreditamos nos matizes, nas complexidades dos homens e de seus problemas.