Poemas de Eça de Queiroz
O Primo Basílio
... tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!
Ergueu-se de um salto, passou rapidamente um roupão, veio levantar os transparentes da janela... Que linda manhã! Era um daqueles dias do fim de agosto em que o estio faz uma pausa; há prematuramente, no calor e na luz, uma certa tranqüilidade outonal; o sol cai largo, resplandecente, mas pousa de leve; o ar não tem o embaciado canicular, e o azul muito alto reluz com uma nitidez lavada; respira-se mais livremente; e já se não vê na gente que passa o abatimento mole da calma enfraquecedora. Veio-lhe uma alegria: sentia-se ligeira, tinha dormido a noite de um sono são, contínuo, e todas as agitações, as impaciências dos dias passados pareciam ter-se dissipado naquele repouso. Foi-se ver ao espelho.
Pensar e fumar são duas operações idênticas que consistem em atirar pequenas nuvens ao vento.
Nas nossas democracias a ânsia da maioria dos mortais é alcançar em sete linhas o louvor do jornal. Para se conquistarem essas sete linhas benditas, os homens praticam todas as ações - mesmo as boas.
O jornal exerce todas as funções do defunto Satanás, de quem herdou a ubiquidade; e é não só o pai da mentira, mas o pai da discórdia.
O amor eterno é o amor impossível. Os amores possíveis começam a morrer no dia em que se concretizam.
Curiosidade: instinto que leva alguns a olhar pelo buraco da fechadura, e outros a descobrir a América.
Nota: Versão adaptada de Link
É que o amor é essencialmente perecível, e na hora em que nasce começa a morrer. Só os começos são bons. Há então um delírio, um entusiasmo, um bocadinho do céu. Mas depois! Seria pois necessário estar sempre a começar, para poder sempre sentir?
Nos amores deste mundo, desde Eva, há sempre um que ama e outro que se deixa amar.
Nem a ciência, nem as artes, nem mesmo o dinheiro, nem o amor, poderiam ja dar um gosto interno e real as nossas almas saciadas. Todo o prazer que extraía de criar, estava esgotado. Só restava, agora, o divino prazer de destruir.
Quem sem descanso apregoa a sua virtude, a si próprio se sugestiona virtuosamente e acaba por ser às vezes virtuoso.
Ondas de Solidão
Se possuísse uma canoa e um papagaio, podia considerar-me realmente como um Robinson Crusoé, desamparado na sua ilha. Há, é verdade, em roda de mim uns quatro ou cinco milhões de seres humanos.
Mas, que é isso? As pessoas que nos não interessam e que se não interessam por nós, são apenas uma outra forma da paisagem, um mero arvoredo um pouco mais agitado.
São, verdadeiramente como as ondas do mar, que crescem e morrem, sem que se tornem diferenciáveis uma das outras, sem que nenhuma atraia mais particularmente a nossa simpatia enquanto rola, sem que nenhuma, ao desaparecer, nos deixe uma mais especial recordação.
Ora estas ondas, com o seu tumulto, não faltavam decerto em torno do rochedo de Robinson - e ele continua a ser, nos colégios e conventos, o modelo lamentável e clássico da solidão.
“...Tu és pobre, trabalha; tu és ignorante, estuda; tu és fraca, arma-te!
E quando tiveres trabalhado, estudado e armado, eu, se for necessário,
saberei morrer contigo! Eis o nobre patriotismo dos patriotas..!.”
A curiosidade leva por um lado a escutar às portas e por outro a descobrir a América.
Nota: Trecho de Link
Sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!
Onde aparece o ouro, o terrível ouro, imediatamente os homens em redor se entreolham com rancor e levam as mãos às facas.
Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra: todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro.
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