Poemas de Caio Fernando Abreu
Mas acontece tipo assim: lembro do seu rosto, do seu abraço, do seu cheiro, do seu olhar, do seu beijo e começo a sorrir.
Você rasga devagar o seu pulso com as unhas para que eu possa beber. Mas um dia será demasiado esforço, excessiva dor, e você esquecerá como se esquece um compromisso sem muita importância. Uma fruta mordida apodrecendo em silêncio no quarto.
E finalmente, por uma longa série de razões vagas fundas baças tolas ou ainda mais confusas, esse tipo de coisa era praticamente tudo que se poderia dizer sobre eles. Assim lentos, assim amargos, assim surdos, assim fortes até. Sobrevivendo à morte de todos os presságios.
(...) E eu fico muito comigo mesmo nisso tudo — cada vez mais sufocado, mais necessitado que pinte um VERDADEIRO ENCONTRO com outra pessoa, seja em que termos for. Parece que ou eu ou os outros não somos mais tão disponíveis. Será que estou fechando, perdendo a curiosidade? Eu não sei. (...)
Então – te escrevi duas vezes: a primeira saiu uma coisa sincera, mas lamentativa demais, um saco. A segunda saiu “madura e controlada”, mas extremamente falsa. Resolvi não mandar nenhuma delas. Não vale a pena falar sobre meus problemas – são muito meus, você não poderia me ajudar. Também não vale a pena fingir um equilíbrio que não tenho. A gente tem que descobrir maneiras – sejam quais forem – de ficarmos fortes.
Essas coisas que decidimos fazer ou nos tornar quando algo que supúnhamos grande acaba, e não há nada a ser feito a não ser continuar vivendo.
Eu estava me sentindo muito triste. Você pode dizer que isso tem sido frequente demais, ou até um pouco (ou muito) chato. Mas, que se há de fazer, se eu estava mesmo muito triste?
Mais do que querer você de volta, eu ME quero de volta, quero a felicidade nos meus olhos mirados em você.
Jocastamente: não fique trancado demais em casa, atenda o telefone e vá sempre que puder ver o pôr-do-sol.
Melhor interromper o processo em meio: quando se conhece o fim, quando se sabe que doerá muito mais — por que ir em frente?
Os dias se interrompiam quando ele ia embora. Recomeçavam apenas no mesmo segundo em que tornava a chegar. Não sei quanto tempo durou. Só comecei a contar os dias a partir daquele dia em que ele não veio mais.
Que vontade, que vontade enorme de dizer outra vez meu amor, depois de tanto tempo e tanto medo. Que vontade escapista e burra de encontrar noutro olhar que não o meu próprio - tão cansado, tão causado - qualquer coisa vasta e abstrata quanto, digamos assim, um caminho.
Porque ver é permitido, mas sentir já é perigoso. Sentir aos poucos vai exigindo uma série de coisas outras, até o momento em que não se pode mais prescindir do que foi simples constatação.
A vida nos prepara cada cilada, já cantava Elis (choro sempre quando a ouço), e continua: e é inútil se tentar fugir da longa estrada, lembra?
Hoje tenho grande urgência de viver.(...) Todos trabalharam loucamente. Não há tempo para perder com gente chata, coisas chatas...
Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano. 'Não são muitos', pensarás com alívio.
Comecei a enumerar nos dedos quem poderia sentir a minha falta: sobraram dedos. Todos estes que estou olhando agora!...