Poemas de Caio Fernando Abreu
Muitas vezes, nada era dito ou feito, e nós não nos frustrávamos porque não esperávamos mesmo, realmente, nada.
Sinto que este é um período de luta depois do qual tudo deve abrir, ficar mais fácil, menos batalhado. Quero que daqui pra frente a vida seja hoje. A vida não é adiável.
Um dia você vai encontrar alguém que te lembre todos os dias que a vida é feita para ser vivida. Alguém que é perfeito de tão imperfeito.
De vez em quando me sinto um pouco sozinho, porque as minhas estorelhas amorosas continuam não dando certo nunca, mas logo passa. Tenho paciência e confio que Jesuzinho um dia e de repente me mande uma pessoa divina-maravilhosa. Ou não: mas de qualquer forma tenho a minha tarefa.
E talvez tenha inventado apenas para me distrair nesses dias onde aparentemente nada acontece e tenha inventado quem sabe em ti um brinquedo semelhante ao meu para que não passem tão desertas as manhãs e as tardes buscando motivos para os sustos e as insônias e as inúteis esperas ardentes e loucas invenções noturnas, e lentamente falas, e lentamente calo, e lentamente aceito, e lentamente quebro, e lentamente falho, e lentamente caio cada vez mais fundo e já não consigo voltar à tona porque a mão que me estendes ao invés de me emergir me afunda mais e mais enquanto dizes e contas e repetes essas histórias longas, essas histórias tristes, essas histórias loucas como esta que acabaria aqui, agora, assim, se outra vez não viesses e me cegasses e me afogasses nesse mar aberto que nós sabemos que não acaba nem assim nem agora nem aqui.
Conto para você, porque não sei ser senão pessoal, impudico, e sendo assim preciso te dizer: mudei, embora continue o mesmo. Sei que você compreende.
A nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver as superfícies, enquanto eu era capaz de ir mais fundo, de não sentir medo desse mais fundo. Parece difícil de você enxergar que insistir nisso é perda de tempo, é perda de vida em uma causa perdida. Ouça aqui, mocinha. Não fique pensando que o mundo lhe pertence não. Não caia nessa onda. E outra coisa – não se esforce. Pelo menos não tanto, não fique aí remando contra a maré, dando murro em ponta de faca. Veja – se não fora pra ser, não vai ser. Acredite em mim. Coisa boba essa sua tentativa de ir além. E olhe, eu não estou pedindo pra você desistir não, não é isso. Eu só quero que você pense mais, que leia mais. Que tenha argumentos melhores. Você é muito imatura ainda. Cresce!
Hoje estou com uma moleza por dentro, uma coisa que não sei bem explicar como é, parece um imenso tapete de algodão embranquecendo tudo.
Há uma porção de coisas minhas que você não sabe, e que precisaria saber para compreender todas as vezes que fugi de você e voltei e tornei a fugir. São coisas difíceis de serem contadas, mais difíceis talvez de serem compreendidas.
Tinha desejos violentos, pequenas gulas, ciúmes que doíam, urgências perigosas, enternecimentos melados, ódios virulentos. Ouvia canções lamentosas, bebia para despertar fantasmas distraídos, chorava excessivamente, relia ou escrevia cartas apaixonadas, transbordantes de rosas e abismos. Exausto então, afogava-se num sono por vezes sem sonhos.
- Mas porque gosta "às vezes" dele ainda?
- Por gostar. Me apeguei à ele como nunca me apeguei a ninguém... Prendi e não quis mais soltar.
Suponha que um anjo bata à sua porta. Não se espante: é final de ano e tradicionalmente (...) esta data é propícia ao aparecimento de anjos.
Resistimos, aos trancos, já nem sei se foi escolha ou solavanco. Difícil arrancar uma certa lucidez disso tudo.
Mas tomo copos de leite, durmo bastante, e repito sempre que, seja o que for, vou sair desta pelo menos mais sadiozinho.
As pessoas estão enlouquecendo, sendo presas, morrendo de overdose e você fica aí pelos cantos choramingando o seu amor perdido.
Eu vou gostando, eu vou cuidando, eu vou desculpando, eu vou superando, eu vou compreendendo, eu vou relevando, eu vou… e continuo indo...
Você pergunta: “todos os vernizes descascam?” Eu acho que para quem tiver a coragem de deixá-los descascar, sim. E isso é bom.
Pronto: agora tenho que sair correndo outra vez para ganhar a vida. Ganhar ou perder? Eu sei a resposta. Mas posso cantar baixinho um velho Roberto Carlos, aquele assim: “Querem acabar comigo/ isso eu não vou deixar”. Juro que não."