Poemas de Caio Fernando Abreu

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Talvez bastasse qualquer coisa como chegar muito perto de você, passar a mão no teu cabelo e te chamar de amigo. Ou sorrir, só sorrir. Qualquer coisa assim. Seria simples, eu sei. Seria fácil, mas eu tenho medo. Se eu pudesse cantar junto com você… Se eu pudesse sentir bonito… Quando você canta, fica tudo lindo e eu não tenho medo… Canta, canta mais. Não pare de cantar, baby. Quem sabe daqui a pouco eu consigo cantar junto também.

Ela explicava, sorrindo - um sorriso diferente dos que costumava sorrir: - Não, gurizinho. Quando a gente gosta mesmo duma pessoa, a gente faz essas coisas.

Eu retribuo o sorriso. Eu correspondo ao abraço. Eu digo sim. Eu quero sim. Eu sinto sins. Só porque estou vivo.

Teu olho bate em mim e logo se desvia, como se em minhas pupilas houvesse uma faca, uma pedra, um gume.

Eu acho então que se escrever te dá um sentido para estar viva (ou a ilusão de um sentido, que importa?), então vai e escreve e diz tudo e rasga o coração, as vísceras expõe tudo, grita, esperneia - no papel.

Tudo que eu andava fazendo e sendo, eu não queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era. Começou a acontecer uma coisa confusa na minha cabeça, essa história de não querer que ele soubesse que eu era eu, encharcado naquela chuva toda que caía, caía, caía e tive vontade de voltar para algum lugar seco e quente, se houvesse, e não lembrava de nenhum, ou parar para sempre ali mesmo naquela esquina cinzenta que eu tentava atravessar sem conseguir.

Hoje eu estava assim: mais lento, mais verdadeiro, mais bonito até. Hoje eu diria qualquer coisa se você telefonasse. Por dentro também eu estava preparado para dizer, um pouco porque eu não agüento mais ficar esperando toda hora você telefonar ou aparecer, e quando você telefona ou aparece com aquelas maçãs eu preciso me cuidar para não assustar você e quando você me pergunta como estou, mordo devagar uma das maçãs que você me traz e cuido meus olhos para não me traírem e não te assustarem e não ficarem querendo entrar demais dentro dos teus olhos, então eu cuido devagar tudo o que digo e todo movimento, porque eu quero que você venha outras vezes (...)

Cuidar dos vivos: Isso significa exatamente cuidar do presente, consertar o que restou, e trabalhar com o que sobrou... É prosseguir e investir no que ainda resta. É valorizar aquilo o que temos perto, e não reclamar pelo o que se foi. É fazer o que pode ser feito. Esse é o momento das decisões corretas, o nosso destino é só uma questão de escolhas. Eu decido o que terei amanhã. É a lei de plantar e colher. A minha semente de hoje, será o meu fruto amanhã.

E vou dizendo lento, como quem tem medo de quebrar a rija perfeição das coisas, e vou dizendo leve, então, no teu ouvido duro, na tua alma fria, e vou dizendo leve, e vou dizendo longo sem pausa - gosto muito de você.

Mesmo que o telefone não toque nunca mais, mesmo que a porta não abra, mesmo que nunca mais você me traga maçãs e sem as suas maçãs eu me perca no tempo, mesmo que eu me perca. Vou terminar por aqui, só queria pedir uma coisa, acho que não é difícil, é só isso, uma coisa bem simples: quando você voltar outra vez veja se você me traz uma maçã bem verde, a mais verde que você encontrar, uma maçã que leve tanto tempo para apodrecer que quando você voltar outra vez ela ainda nem tenha amadurecido direito.

Subi correndo no primeiro bonde, sem esperar que parasse, sem saber para onde ia. Meu caminho, pensei confuso, meu caminho não cabe nos trilhos de um bonde.

Andei pensando coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou "o que foi?" - perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando coisas sobre amor, essa palavra sagrada.

Projeções: e amanhã, e depois? E trabalho, amor, moradia? O que vai acontecer?

Te quero imensamente bem, fico pensando se dizendo assim, quem sabe, de repente você até acredita. Acredite.

Tudo isso fazia de mim uma pessoa desinteressante. Mas eu não queria ser interessante, era muito difícil.

Sabe, eu me sinto como se tivesse acabado. Parece que nada mais vai ser bonito outra vez.

Abaixo a razão e o pensamento! O negócio é só sentir, meu irmão, só sentir. Pensar já era. Pensar acabou, não se usa mais.

Agora me tornarei uma pessoa daquelas que se cuidam para não se envolver. Já tenho um passado, tenho tanta história.

Não queria que ele pensasse que eu andava bebendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto.

Nossa, como estou generoso hoje. Deve ser carência generalizada. Mas olhando bem, a média geral não passa de cinco. Com muito boa vontade.