Poemas de Caio Fernando Abreu

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Abaixo a razão e o pensamento! O negócio é só sentir, meu irmão, só sentir.

Há uma distância enorme entre eu e as pessoas. Estou chegando de experiências que elas não tiveram - e eu não estou sabendo o que elas viveram nesse tempo que fiquei fora. E difícil, difícil. Como começar tudo de novo. Até reencontrar os pontos de contato, leva tempo. Entre eu e as pessoas. Entre eu e a terra. Entre mim e eu.

Não sei o que se fez ou o que eu mesmo fiz depois. Sei, e isso com certeza absoluta, que não teve a menor graça. Desde então, tenho uns agostos por dentro, umas febres. Uma tristeza que nada, nem ninguém conserta. É assim que se começa a partir?

Eu carrego comigo uma caixa mágica onde eu guardo meus tesouros mais bonitos. Tudo aquilo que eu aprendi com a vida, tudo o que eu ganhei com o tempo e que vento nenhum leva. Guardo as memórias que me trazem riso, as pessoas que tocaram minha alma e que, de alguma forma, me mudaram pra melhor. Guardo também a infância toda tingida de giz. Tinha jeito de arco-íris a minha.

Finjo o tempo todo, rio, sou alegre, dispersivo, com aquele brilho superficial e ridículo. E em cada fim de noite me sinto um lixo.

Que eu não perca a capacidade de amar, de ver, de sentir. Que eu continue alerta. Que, se necessário, eu possa ter novamente o impulso do vôo no momento exato. Que eu não me perca, que eu não me fira, que não me firam, que eu não fira ninguém.

Caio Fernando Abreu
Ovelhas negras

(...) e eu digo o tempo todo: o teu ser é conjunto do meu, assim adoçamos nossas vidas...

Em movimento, andando por aí, perdendo ou ganhando, levando porrada, tentando amar.

Que gostavam de estar assim, agora, sós, donos de suas próprias vidas. Embora, isso não disseram, não soubessem o que fazer com elas.

Também já não tenho aquelas queixas infantis, na base do “tudo dá errado pra mim”, ou autopunições como “eu sou uma besta, faço tudo errado”.

Confesso que esperava um sorriso ou qualquer outra manifestação dessas de afeto. Mas não houve nada disso.

Estou aqui aprendendo que nem todos dão valor ao que você pode oferecer, e acabar demonstrando afeto demais começa a encher o saco, e eu digo tudo isso da minha parte. Chega de ligações, preocupações, sentimentos demonstrados aos extremos. Vou ficar mais relax mesmo.

Então, o que devo fazer é esperar. Sem desespero, sem melodrama, sem niilismo - esperar. Mas até quando, meu Deus, até quando?

Eu queria tanto conhecer alguém. Talvez o tempo traga uma pessoa, uma pessoa especial. Talvez eu resolva isso aos poucos, sem sentir. Depois de resolver a mim mesmo.

É muito mais fácil, percebeu, estar à beira de alguma coisa do que de fato ser aquilo.

Quando a gente precisa que alguém fique a gente constrói qualquer coisa, até um castelo.

Se tiver que ser, como tem que ser, do jeito que tiver que ser, a gente volta um dia.

O que quero dizer é justamente o que estou dizendo. Não estou com pena de mim. Está tudo bem. Tenho tomado banho, cortado as unhas, escovado os dentes, bebido leite. Meu coração continua batendo - taquicárdico, como sempre. Dá licença, Bob Dylan: it’s all right man, I’m just bleeding. Tá limpo. Sem ironias. Sem engano. Amanhã, depois, acontece de novo, não fecho nada, não fechamos nada, continuamos vivos e atrás da felicidade, a próxima vez vai ser ainda quem sabe mais celestial que desta, mais infernal também, pode ser, deixa pintar.

Estou apenas enterrando as impurezas e toxinas da minha vida e deixando brotar uma bela e frutífera árvore. E que seja doce.

Pensando bem, acho que o problema está em você que vê todo o meu sacrifício pra estar contigo e mesmo assim vive fugindo de mim.