Poemas de Caio Fernando Abreu

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Como um filtro, um filtro seletivo, vão ficando apenas as coisas e as pessoas que realmente contam.

Eu vou deixar pra lá, fingir que esqueci, agir como se não importasse. O que é verdadeiro volta. E quem tem que ficar, fica.

(...) saudade daquilo que fui e, sei, não sou mais e nunca mais voltarei a ser. Mais logo afasto essas coisas da cabeça. Só trazem tristeza, reavivam coisas que eu não queria mais sentir. Essas lembranças passam pela cabeça sem se deter. São humildes, parecem esperar um aceno para caírem sobre mim. Quase nunca faço esse aceno; ela desaparecem, deixando um gosto e um cheiro muito leves de poeira, armário aberto depois de muito tempo, lençol limpo, café preto com broa de milho.

E me pergunto se, quem sabe um dia, na hora certa, nosso encontro pode acontecer inteiro.

Então, de repente, sem pretender, respirou fundo e pensou que era bom viver. Mesmo que as partidas doessem, e que a cada dia fosse necessário adotar uma nova maneira de agir e de pensar, descobrindo-a inútil no dia seguinte - mesmo assim era bom viver. Não era fácil, nem agradável. Mas ainda assim era bom. Tinha quase certeza.

E Deus continua sussurrando: "Não desista, o melhor ainda está por vir".

ADEUS = A-DEUS:
Não é uma despedida, é entregar nas mãos de Deus aquilo que você não pode mais cuidar.

Porque eu também sinto medo, e haverá a morte um dia. A vida é apenas uma ponte entre dois nadas e tenho pressa.

Odeio dois beijinhos, aperto de mão, tumulto, calor, gente burra e quem não sabe mentir direito.

Estou aberto e sabendo muito bem quem sou e o que pretendo - sem ilusões enlouquecidas...

Que bom que sou capaz, que bom que sou forte, que bom que suporto. Colei aquele "Eu Amo Você" no espelho. É pra mim mesmo.

Bem no fundo, há coisas que são só minhas. E embora me assustem às vezes, é delas que mais gosto.

Aquele menino trazia na testa a marca inconfundível: pertencia àquela espécie de gente que mergulha nas coisas às vezes sem saber porquê, não sei se na esperança de decifrá-las ou se apenas pelo prazer de mergulhar. Essas são as escolhidas — as que vão ao fundo, ainda que fiquem por lá.

Um desânimo. Uma lerdeza. Um oco. Aquela velha sensação de estar jogando fora a vida.

Eu não me conheço. E tenho medo de me conhecer. Tenho medo de me esforçar para ver o que há dentro de mim e acabar surpreendendo uma porção de coisas feias, sujas. O que aconteceria, então? O orgulho de ter conseguido chegar perto de meu coração? Ou uma grande humildade, uma humildade de cão faminto, rabo entre as pernas, costelas aparecendo? Não sei, não sei — minha cabeça quase estala quando faço perguntas, meu pensamento escorrega, se desvia, foge para longe, como se ele também tivesse medo da resposta. E talvez nem seja preciso coragem. Talvez seja necessário apenas um breve impulso, como aquele que me fazia mergulhar de repente na água gelada do açude da fazenda. E eu nem era corajoso por fazer isso, apenas tinha as esquecido por um instante de mim, do meu corpo.
(Limite Branco)

Um dia talvez você entenda o quanto a sua distração me dói, o quanto esse seu silêncio me rasga.

Me desculpe, mas eu não acredito no amor. Eu até queria acreditar, mas a vida vem me obrigando a fazer o contrário.

Muita gente deve achá-la antipaticíssima, mas eu achei linda, profunda, estranha, perigosa. É impossível sentir-se à vontade perto dela, não porque sua presença seja desagradável, mas porque a gente pressente que ela está sempre sabendo exatamente o que se passa ao seu redor.

Olha, evite arrastar um relacionamento moribundo. Sempre é melhor reagir, partir pra outro do que arrastar, arrastar.

É possível que, no fundo, sempre restem algumas coisas para serem ditas. É possível também que o afastamento total só aconteça quando não mais restam essas coisas e a gente continua a buscar, a investigar — e principalmente a fingir. Fingir que encontra.
(Limite Branco)