Poemas de Caio Fernando Abreu

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Perdoem o silêncio, o sono, a rispidez, a solidão. Está ficando tarde, e eu tenho medo de ter desaprendido o jeito. É muito difícil ficar adulto.

Caio Fernando Abreu
Caio Fernando Abreu: Cartas. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 2002.

A gente tem o vício (eu, pelo menos) de matar a alegria com mil análises críticas que geralmente não têm nada a ver.

Acho que a gente tem que vencer. Ou lutar. E ficar bem. Feliz. Criar. Fazer. Se mexer.

Fissura, estou ficando tonta. Essa roda girando girando sem parar. Olha bem: quem roda nela? As mocinhas que querem casar, os mocinhos a fim de grana pra comprar um carro, os executivozinhos a fim de poder e dólares, os casais de saco cheio um do outro, mas segurando umas. Estar fora da roda é não segurar nenhuma, não querer nada. Feito eu: não quero ninguém. Nem você. Quero não, boy. Se eu quiser, posso ter. Afinal, trata-se apenas de um cheque a menos no talão, mais barato que um par de sapatos. Mas eu quero mais é aquilo que não posso comprar. Nem é você que eu espero, já te falei. Aquele um vai entrar um dia talvez por essa mesma porta, sem avisar. Diferente dessa gente toda vestida de preto, com cabelo arrepiadinho. Se quiser eu piro, e imagino ele de capa de gabardine, chapéu molhado, barba de dois dias, cigarro no canto da boca, bem noir. Mas isso é filme, ele não. Ele é de um jeito que ainda não sei, porque nem vi. Vai olhar direto para mim. Ele vai sentar na minha mesa, me olhar no olho, pegar na minha mão, encostar seu joelho quente na minha coxa fria e dizer: vem comigo. É por ele que eu venho aqui, boy, quase toda noite. Não por você, por outros como você. Pra ele, me guardo. Ria de mim, mas estou aqui parada, bêbada, pateta e ridícula, só porque no meio desse lixo todo procuro o verdadeiro amor. Cuidado, comigo: um dia encontro.

Fim de tarde. Dia banal, terça, quarta-feira. Eu estava me sentindo muito triste. Você pode dizer que isso tem sido freqüente demais, ou até um pouco (ou muito) chato. Mas, que se há de fazer, se eu estava mesmo muito triste? Tristeza-garoa, fininha, cortante, persistente, com alguns relâmpagos de catástrofe futura.

Sabes de tudo sobre esse possível amargo futuro. Sabes também que já não poderias voltar atrás, que estás inteiramente subjugado e as tuas palavras, sejam quais forem, não serão jamais sábias o suficiente para determinar que essa porta a ser aberta agora, logo após teres dito tudo, te conduza ao céu ou ao inferno. Mas sabes principalmente, com uma certa misericórdia doce por ti, por todos, que tudo passará um dia, quem sabe tão de repente quanto veio, ou lentamente, não importa. Só não saberás nunca que neste exato momento tens a beleza insuportável da coisa inteiramente viva.

Eu queria te dizer uma porção de coisas, de uma porção de noites, ou tarde, ou manhãs, não importa a cor, éé, a cor, o tempo é só uma questão de cor não é?

De repente me passa pela cabeça que a minha presença ou a minha insistência pode talvez irritá-lo. Então, desculpa não insistirei mais. (...) eu queria dizer que eu estava com você, e a menos que você não me suporte mais, continuaria te procurando e querendo saber coisas. Bobagens? Pois é, se quiser ria como você costuma rir para se defender. Não estou me defendendo de nada. Estou perguntando a você se permite que eu tenha carinho por você, seu idiota. Mas estou aqui, continuo aqui não sei até quando, e quando e se você quiser, precisar, dê um toque. Te quero imensamente bem, fico pensando se dizendo assim, quem sabe, de repente você até acredita. Acredite.

Tenho sentido uma enorme e discretíssima felicidade apenas por acordar cedo (acordar já é vitória; cedo, vitória dupla).

Sentimos mais prazer, às vezes, em superar um desafio, do que desfrutar algo que se nos é oferecido gratuitamente.

Às vezes quando ainda valia a pena eu ficava horas pensando que podia voltar tudo a ser como antes.

Hoje eu pensei em você quase o dia inteiro, suas lembranças me tocavam, era como se eu sentisse sua presença.

Hoje pensei sério: se me perguntassem o que mais desejo na vida, não saberia responder. Quero tudo.

Enfrento, e reconstituo os pedaços, a gente enfeita o cotidiano - tudo se ajeita.

‎Agora que tudo perdeu a magia, se magia houve, e havia, eu não consigo mais ver nenhum anjo em você.

Hoje eu tenho certeza do que sinto por você. E a cada dia essa minha certeza aumenta mais. Ainda não descobri como, nem por que, só sei que você consegue ganhar um pouco mais de mim a cada dia. Talvez amanhã olhemos para trás e tudo isso que vivemos hoje não serão mais do que lembranças. Você é a única certeza que tenho agora e espero não acordar um dia te tendo como dúvida. Espero que daqui algumas décadas eu possa olhar nos seus olhos e dizer com orgulho: “Eu estava certo, era amor”.

Tenho muita coisa aqui pra te oferecer, mas sabe o que é? Sou incompleto, também preciso receber.

Meu filho, os caminhos estão muito mais abertos do que você imagina. Só que eles parecem tortos. Mas é por esses caminhos que parecem tortos que você tem que caminhar, e as coisas vêm ao seu encontro. Você só tem que escutar os caminhos e seguir por eles.

Claro que eu me frustro, faz parte da vida. Mas meu chão eu fiz de mola. Posso cair todos os dias, mas o resultado da minha queda é o impulso.

Vai, esquece do mundo. Molha os pés na poça. Mergulha no que te dá vontade. Que a vida não espera por você. Abraça o que te faz sorrir. Sonha que é de graça.