Poemas de Caio Fernando Abreu
Quando não se tem a voracidade de registrar o que se vê, vê-se mais e melhor, sem ânsia de guardar, mostrar ou contar o visto. Vê-se solitária e talvez inutilmente, para dentro, secretamente, pois ninguém poderá provar jamais que viu mesmo. Além do mais a memória filtra e enfeita as coisas. Até hoje não sei se aquela Ciudad Rodrigo que vi pela janela do ônibus, envolta em névoas no alto de uma colina no norte da Espanha, seria mesmo real ou metade efeito de um Lexotan dado por meu amigo Gianni Crotti em Lisboa. Cá entre nós, nem preciso saber.
Me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez, que leve para longe da minha boca este gosto podre de fracasso, este travo de derrota sem nobreza, não tem jeito companheiro, nos perdemos no meio da estrada e nunca tivemos mapa algum.
Eu aprendi a gostar de você de uma forma que jamais imaginei. Gosto da sua risada, da sua fala mansa, de suas caras e bocas, do modo como penteia o cabelo, da forma como fala comigo, da maneira que você olha, do seu modo de andar, da maneira como toca seu violão, das músicas que costuma cantar, da maneira como você chora tentando esconder as lágrimas. Eu gosto desse seu jeito todo desesperado, dessa sua impaciência. Gosto até de seus tiliques, de toda essa sua preocupação desnecessária, da forma como balança a perna quando preocupado. Gosto dessa sua teimosia, dessa sua preocupação com todos. Gosto de seus jeitos e trejeitos, de suas qualidades e de seus defeitos. Eu aprendi a te amar bem assim, da forma que você é. Sem idealizações, ilusões ou máscaras. Conheço sua risada, seu modo de andar e falar. Você é diferente e faz a diferença pra mim. Para mim você é aquela pessoa certa que todo mundo procura. E quer saber? Todo dia eu peço à Deus para que eu seja essa pessoa certa para você. Para você.
“Como se mil pessoas se importassem com você, menos uma. E de alguma forma, era a única que você necessitava que se importasse.”
CURA
Então sigo assim, penso em você, sorrio, sofro e rezo, peço pra Deus cuidar da gente, amenizar essa dor e trazer logo a minha cura: você...
Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.
Penso às vezes que, quando eu estiver pronto, embora não tenha a menor ideia de como possa ser estar-pronto, um dia, um dia comum, um dia qualquer, um dia igual hoje, vou encontrar você.
Cuidado, meu amigo, vai doer. Se você é daqueles que acham que a vida é um mar de rosas cor-de-rosa, mantenha distância. Ou vá ouvir a Xuxa.
Eu espero por dias melhores sem pressa, sei que o que tiver pra acontecer de bom comigo vai acontecer, e preciso ter paciência, vai acontecer na hora certa. É preciso viver um dia de cada vez, é preciso subir a escada degrau por degrau e acima de tudo saber esperar e principalmente ter fé acima de tudo.
Acostuma-se. Ele vai e resolve aparecer, assim do nada, com palavras que ele sabe que de algum modo mexe com os meus sentimentos.
Te amarei a cada pôr-do-sol, e em cada nascer do dia. Te amarei de Janeiro a Janeiro, e isso inclui também feriados e fins de semana. Te amarei nos dias chuvosos, tanto lá fora quando aqui dentro, mas te amarei ainda mais nas horas de alegria, quando a vontade de te ter ao meu lado para partilhar o sorriso me fizer ver o quão necessário você é para minha existência.
Não tinha nada a perder, pois embora fosse muito cedo, sentia que era desesperadamente tarde também.
O que é nosso nunca se vai, por mais que queira, sempre estará presente. Se for, na hora certa voltará, e se não voltar, é porque não era nosso. Melhor assim. Doer, dói, mas somente uma vez. E nada melhor que o tempo para mostrarmos o melhor caminho. E isso não é frieza, é maturidade. Nada dura para sempre, nem as dores, nem as alegrias. Tudo na vida é um aprendizado, tudo na vida se supera.
Andei sonhando um pouco, também. Ainda não é proibido, mas tem um preço. Depois andei tentando não sonhar, mas isso também tem um preço. Não tenha expectativas, me disseram. Fiquei tentando não ter expectativas - essa coisa que amolda e desenha o futuro? Me pareceu tão seco.
Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros, juras, projetos, abraços no convés à luz da lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados.
Mas finjo de adulto, digo coisas falsamente sábias, faço caras sérias, responsáveis. Engano, mistifico. Disfarço esta sede de ti, meu amor que nunca veio (…)
A gente tem um lado, assim, escondido, que não mostra pra ninguém. Nem pra gente mesmo, às vezes, por vergonha de se estranhar. Ainda acho engraçado o fato de as pessoas passarem horas no meu dia, viverem em meu mundo e nem assim, com tantas janelas abertas, saberem o que se passam naquelas salas trancadas no fim do corredor, descendo as escadas, dobrando à direita onde tem escrito: cuidado, coração bravo.
Apenas já não somos mais crianças e desaprendemos a cantar. As cartas continuam queimando. Eu tentei pensar em Deus. Mas Deus morreu faz muito tempo. Talvez se tenha ido junto com o sol, com o calor. Pensei que talvez o sol, o calor e Deus pudessem voltar de repente, no momento exato em que a última chama se desfizer e alguém esboçar o primeiro gesto. Mas eles não voltarão. Seria bonito, e as coisas bonitas já não acontecem mais.
Tudo aos poucos vira dia e a vida - ah, vida - pode ser medo e mel quando você se entrega e vê, mesmo de longe.