Poemas de Caio Fernando Abreu
Quanto a ti, já reparastes como o mundo parece feito de pontas e arestas? Já chamei tua atenção para a escassez de contornos mansos nas coisas? Tudo é duro e fere. Observo, observas como ele se move sem choques por entre os gumes. Te parece dócil, assim sinuoso, evitando toques que possam machucá-lo? Pois a mim parece falso, conheço bem suas tramas e sei de todas as vezes que concedeu para que o de fora não o ferisse. Olha, ouve, repara: essas sinuosidades são de cobra, não de ave.
Minha lâmpada de cabeceira está estragada. Não sei o que é, não entendo dessas coisas. Ela acende e, sem a gente esperar, apaga. Depois acende de novo, para em seguida tornar a apagar. Me sinto igual a ela: também só acendo de vez em quando, sem ninguém esperar, sem motivo aparente. Para a lâmpada pode-se chamar um eletricista. Ele dará um jeito, mexerá nos fios e em breve ela voltará a ser normal, previsível. Mas e eu? Quem desvendará meu interior para consertar meus defeitos?
E não ter nada além deste amplo vazio que poderei preencher como quiser ou deixá-lo assim, sozinho em si mesmo, completo, total.
Pensar nele faz com que eu tenha vontade de cuidar de mim mesmo – então é bom. Guardando, guardando, feito joia. Precioso, delicado. (…) As coisas vão dar certo. Vai ter amor, vai ter fé, vai ter paz – se não tiver, a gente inventa.
Meu coração é um sapo rajado, viscoso e cansado, à espera do beijo prometido capaz de transformá-lo em príncipe
O mundo foi-se tornando aos poucos um enorme leque escancarado de mil possibilidades (…). Aprendi o jeito de também ser lindo.
Despojado do que já não há solto no vazio do que ainda não veio, minha boca cantará cantos de alívio pelo que se foi, cantos de espera pelo que há de vir.
"De onde vem essa iluminação que chamam de amor, e logo depois se contorce, se enleia, se turva toda e ofusca e apaga e acende feito um fio de contato defeituoso, sem nunca voltar àquela primeira iluminação?"
Fiz fantasias. No meu demente exercício para pisar no real, finjo que não fantasio. E fantasio, fantasio. Até o último momento esperei que você me chamasse pelo telefone. Que você fosse ao aeroporto. Casablanca, última cena. Todas as cartas de amor são ridículas… E eu estava só começando a entrar num estado de amor por você. Mas não me permiti, não te permiti, não nos permiti.
Eu estava me sentindo muito triste. Você pode dizer que isso tem sido freqüente demais, ou até um pouco (ou muito) chato. Mas, que se há de fazer, se eu estava mesmo muito triste? Tristeza-garoa, fininha, cortante, persistente, com alguns relâmpagos de catástrofe futura. Projeções: e amanhã, e depois? E trabalho, amor, moradia? O que vai acontecer? Típico pensamento-nada-a-ver: sossega, o que vai acontecer acontecerá. Relaxa, baby, e flui: barquinho na correnteza, Deus dará. A questão é toda essa: fluir. Tão difícil deixar fluir. Mas é o que precisa ser feito agora. Virar barquinho, mesmo. Relaxar e observar o caminho, a paisagem, perceber minha respiração sempre tão junta da respiração do meu pequenino. E assim vamos fluindo, juntos. Correnteza leve, por favor. Que não estamos assim muito prontos pra grandes tormentas. Tá tudo bem na verdade. É só uma questão de se encontrar. Porque as vezes eu me perco e fico me procurando, e não me acho. Mas quem sabe assim, deixando que a água vá me levando, não dá certo, né? Deus dará…
Sonhei que você sonhava comigo. Depois que sonhei que você sonhava comigo, continuei sonhando que você acordava desse sonho de sonhar comigo.
Portanto a idade que tenho agora, ou que tinha naquele sábado, deveria ser exatamente o dobro da idade contada a partir daquela perda. E de alguma forma, por ser justamente naquele sábado de chuva, em novembro, na tarde, essa perda — ou partida, ou ausência, ou separação, ou como queiram chamá-la — atingia seu justo dobro.
Mas quero te contar umas coisas. Mesmo que a gente não se veja mais. Penso em você, penso em você com força e carinho.
Experimentou sentir ódio, lembrar pessoa, coisas e fatos desagradáveis, apalpar novamente a tessitura sombria do que vivera, a massa espessa de que era feita a mágoa, e todos os desencontros que tinha encontrado, e todos os desamores desilusões desacatos desnaturezas não, não, já nem ódio queria, que encontrasse ao menos a tênue melancolia, aquele como-estar-debruçado-na-sacada-num-fim-de-tarde, a tristeza, a solidão, a paixão: qualquer coisa intensa como um grito.
Se tiver aprendido lições (amor é pedagógico?), até aproveito e não faço tanta besteira. Mas acho que amor não é cursinho pré-vestibular. Ninguém encontra seu nome no listão dos aprovados. A gente só fica assim. Parado olhando a medida do Bonfim no pulso esquerdo, lado do coração e pensando, pois é, vejam só, não me valeu.
Ontem tomei um táxi e me distraí tanto olhando pela janela que no meio do caminho estendi a mão para o banco vazio do lado querendo pegar tua mão. Tô com saudade.
"Chega um momento em que você não quer mais saber o que vai acontecer, chega um momento em que você consegue se libertar de todo esse formalismo e rigor, e consegue, finalmente, arriscar-se pensando somente no agora.... por isso o agora chama-se, literalmente, presente..."